quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

Paradoxo de Abilene: o problema das decisões em grupo, FSP

 Numa tarde quente em Coleman, Texas, a família está jogando dominó, quando o sogro sugere irem jantar em Abilene, a 80 km. A filha diz que é ótima ideia. O genro, apesar de achar a viagem desconfortável, vai com o grupo: "Sim, só espero que a tua mãe tope". E a sogra: "Claro, há muito tempo não vou a Abilene".

A viagem é quente, poeirenta e longa. E o jantar é igualmente ruim. Voltam a casa quatro horas depois, exaustos. Um deles diz, desonestamente: "Foi ótimo, não foi?". Mas a sogra confessa que preferia ter ficado em casa, só foi porque os outros três estavam a fim. O genro: "Eu não, eu só concordei para agradar a todos". A filha: "Eu não estava louca de querer sair naquele calor, só topei para deixar vocês felizes". E o sogro revela que só propôs a ida por achar que os outros estavam entediados.

O grupo senta-se, perplexo com o ocorrido: todos teriam preferido ficar em casa e, no entanto, decidiram coletivamente fazer uma viagem que ninguém queria.

Pessoas participam de um jantar familiar no Distrito de Hanjiang, em Yangzhou, na província de Jiangsu, leste da China
Muitas vezes, uma decisão em conjunto pode contrariar a preferência da maioria ou totalidade dos seus membros; na foto, pessoas participam de um jantar familiar no Distrito de Hanjiang, em Yangzhou, na província de Jiangsu, leste da China - Qi Liguang - 9.fev.2024/Xinhua

Esta histórinha apareceu no artigo "Paradoxo de Abilene: a gestão do acordo", publicado em 1974 pelo especialista em gestão norte-americano Jerry Harvey (n. 1935). Ela ilustra um tipo de dinâmica comum em decisões coletivas, que leva o conjunto a fazer escolhas que contrariam a preferência da maioria ou totalidade dos seus membros.

Uma característica do paradoxo de Abilene, como este fenômeno ficou conhecido, é a concordância no grupo de que a situação atual não é satisfatória e algo deve ser feito (mas os membros podem achar as alternativas ainda piores). Outra característica é a falha de comunicação, que leva os membros do grupo a expressarem como suas preferências que, de fato, eles acreditam ser dos demais. Finalmente, o paradoxo também se caracteriza pela vocalização do consenso coletivo, construído a partir das interpretações errôneas dos sinais dados por cada um dos membros.

Este fenômeno ocorre frequentemente em processos de decisão em diferentes tipos de instituições, particularmente aquelas que carecem de diversidade —grupos humanos homogêneos são mais conformistas— ou que não dispõem de uma cultura interna de debate e resolução de conflitos. Um exemplo citado com frequência é o processo que conduziu ao trágico desastre do vaivém espacial Challenger em 1986, em que diversos especialistas da Nasa adotaram decisões que lhes pareciam inadequadas, apenas "para não chacoalhar o barco".

Por vezes o paradoxo de Abilene é confundido com o fenômeno do "pensamento de grupo" (em inglês: "groupthinking"), em que o coletivo toma decisões que não seriam adotadas por seus membros e, portanto, causam insatisfação. Mas são fenômenos distintos: no pensamento de grupo os indivíduos se auto-iludem, permitindo que suas convicções sejam moldadas pela coletividade, enquanto que, no paradoxo de Abilene, os indivíduos fracassam em perceber corretamente as preferências dos demais.

Mas o antídoto para os dois fenômenos é parecido: promover comunicação interna aberta, encorajar a diversidade de opiniões e criar uma cultura de debate em que todos se sintam livres para expressar os seus pontos de vista.


Nenhum comentário: