quarta-feira, 29 de maio de 2019

Bolsonaro comprova desprezo pela ciência e governa por achismo, FSP


Presidente rejeita pesquisas e joga no lixo estudos que vão contra suas convicções


Jair Bolsonaro não quer saber de dados e números. “Ao invés de financiar atos e ‘estudos científicos’ dos mesmos de sempre e ONGs, vamos destinar recursos para buscar solucionar os reais problemas do Brasil”, escreveu, no dia 13. Ele queria desdenhar de organizações que brigam pela preservação ambiental, mas acabou revelando o desprezo de seu governo pela ciência.
O presidente e seus ministros preferem basear suas decisões em achismos. Qualquer pesquisa técnica que se choque com suas convicções é rejeitada. Valem mais as teorias da conspiração e a cegueira ideológica de ex-astrólogos e youtubers.

O presidente Jair Bolsonaro durante evento, no Palácio do Planalto, em que foi apresentada campanha referente à reforma da Previdência
O presidente Jair Bolsonaro durante evento, no Palácio do Planalto, em que foi apresentada campanha referente à reforma da Previdência - Adriano Machado/Reuters
Evidências produzidas pelo próprio governo são tratadas como lixo. Osmar Terra decidiu jogar fora um estudo de R$ 7 milhões sobre drogas feito pela Fiocruz. A pesquisa diz que o consumo no país não pode ser classificado tecnicamente como epidemia. O ministro não gostou.
“Andei nas ruas de Copacabana, e estavam vazias. Se isso não é uma epidemia de violência que tem a ver com as drogas, eu não entendo mais nada”, afirmou ao jornal O Globo. A caminhada do ministro na orla valeu mais que os três anos de pesquisa da Fiocruz, com 16 mil entrevistados.
Outro que deixou de lado o método científico é Augusto Heleno. O jornal Valor Econômico perguntou se o governo tem relatórios que comprovem a tal doutrinação ideológica nas escolas. “Nossa senhora! Tem muita coisa. Só WhatsApp e vídeo no YouTube tem uns 300”, disse. O general é chefe da Abin, mas baseia suas visões em correntes de zap.
Bolsonaro já distorceu dados oficiais do IBGE sobre desemprego, e seu ministro do Meio Ambiente questionou estatísticas do desmatamento. O único alento é que, até agora, o astronauta Marcos Pontes ainda reconhece que a Terra é redonda.
A desordem no governo é tão grande que Bolsonaro precisou escrever uma carta e pedir a assinatura de três ministros para convencer seus aliados a não sabotarem o Planalto.
Bruno Boghossian
Jornalista, foi repórter da Sucursal de Brasília. É mestre em ciência política pela Universidade Columbia (EUA).

Ordem e progresso, FSP

Ainda vamos ver muitas tragédias como a que ocorreu em presídios no Amazonas

Disputas entre facções criminosas em quatro presídios no Amazonas deixam um saldo de 55 mortos. Ainda vamos ver muitas dessas tragédias. Na verdade, o problema tende a se agravar se o governo levar a cabo seus planos de endurecer penas e restringir benefícios de progressão de regime.
Gostamos de pensar os presos como valentões que resolvem tudo na base da violência. Se deixados à própria sorte, rapidamente entrariam numa espiral de caos e anarquia. Mas, como mostra o celebrado economista David Skarbek, essa imagem está errada.
Presos, como quaisquer seres humanos, preferem viver em ambientes organizados e previsíveis. O Estado até consegue propiciar um meio relativamente seguro em presídios pequenos ou enquanto a unidade conta com recursos adequados. Mas, se a população carcerária crescer sem que o número de celas, guardas etc. acompanhe, surgem instabilidades que os próprios presos tratarão de resolver. Está aí o embrião das organizações criminosas
Elas começam administrando conflitos interpessoais e organizando o comércio ilegal intragrades, mas vão ganhando em sofisticação e capacidade e logo passam a comandar também o tráfico de drogas nas ruas. Três décadas antes de o PCC eclodir nas prisões paulistas, a Califórnia já conhecera a Máfia Mexicana de San Quentin, ou “La Eme”, que atua até hoje.
O poder vaza para fora da cadeia porque o bandido que está solto tem sempre uma boa chance de vir a ser preso amanhã e, mais importante, porque as gangues de fato entregam produtos, como os tribunais informais do crime, que aumentam a produtividade nos negócios. É o mesmo movimento que, fora das cadeias, criou Estados.
Para a segurança pública, tão importante quanto retirar bandidos de circulação é manter a população carcerária em níveis administráveis, o que exige prender muito mais seletivamente do que fazemos hoje.
Hélio Schwartsman
Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".

segunda-feira, 27 de maio de 2019

Sob o nariz de Crivella, FSP

Uma preocupação das grandes cidades é a de dotá-las de espaços públicos, a salvo de carros e de fumaça, cobertos de verde, cortados por cursos d’água, próprios para o relaxamento e ornados de obras de arte que contem a história de seu povo. Para isso, muitas vezes, os prefeitos têm de interditar avenidas, desviar o trânsito e fazer obras imensas e dispendiosas. Refiro-me, claro, aos prefeitos que se interessam pela cidade e pelos cidadãos. Não é o caso do suposto prefeito do Rio, Marcelo Crivella.  
O Rio tem um espaço assim desde 1783: o Passeio Público. Foi a primeira cidade brasileira com essa preocupação, graças a um vice-rei humano e dedicado, d. Luiz de Vasconcellos, e a um paisagista e escultor, Mestre Valentim. No século 19, o francês Auguste Glaziou o redesenhou e, ao longo de décadas, outros monumentos foram incorporados. O Passeio Público esteve para o Rio como o Central Park para Nova York. Talvez mais, porque não era apenas um espaço de lazer à beira-mar. Era também um paraíso botânico —dele saíram muitas mudas que ajudariam a replantar a floresta da Tijuca, em 1862.
Marcelo Crivella em seu gabinete na Prefeitura do Rio
Marcelo Crivella em seu gabinete na Prefeitura do Rio - Ricardo Borges/Folhapress
Sua situação hoje reflete todo o Rio de Crivella: luminárias destruídas, esculturas desaparecidas, árvores caídas, mato por toda parte, cheiro de urina. Se for visitá-lo, não deixe de admirar o busto de Chiquinha Gonzaga, Castro Alves, Olavo Bilac —se já não tiverem sido roubados. O Rio era a cidade, depois de Paris, com mais peças fabricadas na fundição de Val d’Osne, na França. Não deve ser mais. Tudo está sendo levado sob o nariz de Crivella.
E, assim como o Passeio, estão as encostas, os túneis, as árvores, o asfalto e as calçadas da cidade —um espetáculo em decomposição. 
Nossa certeza é a de que, para pagar pelos tormentos a que submete o Rio, Crivella um dia se banhará nos lagos de fogo e enxofre das profundas para onde o carioca já o está mandando.
Ruy Castro
Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues.


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