Foi surpreendente (e suspeita!) a demonstração de “eficiência” da Câmara dos Deputados, ao votar uma pauta-bomba projetada para ser depositada em 2015, no colo da ex-presidente Dilma (existem outras!).
Em pouco mais de 60 minutos, passou uma reforma constitucional em primeiro e segundo turnos, com quórum de cerca de 90%. Como óbvia lambuja, aprovou-se uma emenda de plenário que substituiu um dispositivo mortal. Se a proposta for promulgada, estima-se que sobrariam ao Executivo para administrar discricionariamente só 3% das suas despesas.
Restou da noite festiva uma curiosa dúvida: teria o governo sofrido uma “terrível derrota” com o apoio do seu próprio partido? Não creio. Num regime republicano e democrático, o Legislativo exerceu seu poder “natural”, nos limites da Constituição, o que não significa impor uma derrota ao Executivo.
Esse é um problema menor para explicar a destruição do nosso equilíbrio fiscal, sem o qual nada voltará ao equilíbrio, como mostrou no Senado o ilustre ministro Paulo Guedes. O desastre aconteceu a despeito das medidas inscritas na Constituição de 1988 e na excelente Lei de Responsabilidade Fiscal.
A peça orçamentária tem sido uma farsa. O Executivo e o Legislativo são coniventes na construção de um Orçamento no qual a “previsão” da receita é uma ficção feita para “acomodar” os gastos desejados.
Nossos déficits não decorrem das incertezas naturais da conjuntura econômica. São cuidadosamente “programados” e consentidos. E a coisa só não é mais trágica em decorrência dos “contingenciamentos” feitos na sua execução, o que desarticula, principalmente, os investimentos públicos (sem os quais não há desenvolvimento) por meio da interrupção sistemática do fluxo de recursos a ele destinados.
Foi isso que deixou de herança, em 2016, 7.000 obras “em-PAC-adas”, que congelam, com taxa de retorno nula, um montante fabuloso de recursos em projetos nos quais não faltaram voluntarismo e fantasia —Jogos Pan-Americanos, campeonato mundial de futebol, Olimpíada, refinarias sem projeto, trem-bala etc).
Em um país em que a responsabilidade pelo equilíbrio fiscal é difusa e tenta-se agora resgatar o conselho que Mefistófoles deu ao imperador no “Fausto II” (1832), de Goethe, continuamos a recusar a preliminar essencial.
E qual é ela? A de que precisamos construir e respeitar uma instituição independente, composta por membros com mandato fixo, indicados pelos Poderes Legislativo e Executivo e auditores externos, capaz de, por maioria qualificada, estabelecer a receita a partir da qual se construirá o Orçamento. Tudo claro, transparente e sujeito ao controle oportuno da sociedade.
Antonio Delfim Netto
Economista, ex-ministro da Fazenda (1967-1974). É autor de “O Problema do Café no Brasil”.
O chanceler Ernesto Araújo disse que o nazismo foi um movimento de esquerda. Trata-se, obviamente, de um disparate, já que o nazismo é uma espécie de tipo ideal dos movimentos de extrema direita —e como tal é reconhecido por toda a comunidade acadêmica.
Hoje, contudo, proponho algo diferente. Proponho que apliquemos a Araújo o princípio da caridade. E o que diz o princípio da caridade? Ele diz que, no curso de uma disputa intelectual, devemos conceder às declarações analisadas a mais generosa interpretação possível. Isso significa que devemos tratá-las em princípio como racionais e bem-intencionadas. Só poderemos considerá-las falaciosas quando não houver outra leitura possível. Mais do que isso, se o raciocínio apresenta defeitos, devemos reconstruir o argumento, tornando-o mais claro e livrando-o de erros laterais.
Trocando em miúdos, existe algum plano, ainda que muito etéreo, em que a declaração do chanceler faça sentido? Da forma como ele colocou, receio que não, mas, se esquecermos as noções de esquerda e direita e adotarmos o dogmatismo ideológico como fio condutor, aí é possível aproximar não só o nazismo do stalinismo —o tipo ideal de totalitarismo de esquerda— como também das guerras religiosas.
Com efeito, a literatura especializada sustenta que a violência tem poucas causas principais. Steven Pinker identifica cinco: predação (violência com vistas a atingir um fim), dominância (desejo de obter prestígio), vingança (propensão a reparar injustiças), sadismo (o mal por prazer) e a ideologia (criar a sociedade perfeita ou concretizar os desejos de Deus). Enquanto as quatro primeiras costumam definir casos de violência interpessoal, é a última que aparece nas grandes tragédias históricas.
O problema de Araújo é que ele não parece dar-se conta de que sua interpretação do nazismo é ela mesma uma manifestação de dogmatismo ideológico.
Hélio Schwartsman
Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".
BRASÍLIA - Com as projeções de crescimento do PIB em queda, o Ministério da Economia prepara um pacote de medidas para aumentar a produtividade, o emprego e tentar destravar a atividade econômica. Previstas para acontecer em 90, 180 e 360 dias, as ações foram formuladas em quatro grandes planos que serão anunciados ao longo de abril: Simplifica, Emprega Mais, Brasil 4.0 e Pró-mercados.
O primeiro a sair do forno será o Simplifica, conjunto de 50 medidas para desburocratizar a vida do setor produtivo. Em entrevista ao Estado, o secretário de Produtividade, Emprego e Competitividade, Carlos da Costa, antecipa que o plano foi feito com base na demanda das associações representativas do setor produtivo, ouvidas nesses primeiros 100 dias de governo.
“As empresas enfrentam um série de complexidade e vamos começar um grande processo de simplificação”, diz Costa. “O Brasil poderia estar crescendo mais se não fossem as amarras ao setor produtivo”.
Burocracia
Entre as medidas, está uma completa reformulação do eSocial, formulário digital pelo qual as empresas comunicam ao governo informações relativas aos trabalhadores, como vínculos, contribuições previdenciárias, folha de pagamento, aviso prévio e dados sobre o FGTS.
Segundo Costa, o eSocial é um sistema extremamente complexo, que hoje demanda muitas horas e atrapalha o dia a dia das empresas. “Imagina um sistema mil vezes mais complexo do que a sua declaração de Imposto de Renda. E as empresas têm de preencher todo mês”, diz Costa. “As empresas não aguentam esse eSocial.”
Vales
No Emprega Mais, o governo adotará uma nova estratégia nacional de qualificação de pessoal, que vai usar o modelo conhecido como “vouchers” (vales). Eles serão oferecidos para empresas e trabalhadores investirem na qualificação. Para conceder os vales, o governo vai ouvir a demanda específica de vaga, invertendo a lógica que existe nos programas antigos, como o Pronatec. Como o Estado revelou, auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU) apontou que os programas de qualificação profissional bancados pelo antigo Ministério do Trabalho só conseguiram empregar um em cada dez alunos.
O financiamento dos vouchers será feito uma parte pelo governo e a outra com recursos que são atualmente direcionados ao Sistema S. O objetivo do governo é, agora, redirecionar os cursos gratuitos que já são oferecidos pelo sistema.
É provável também que seja usado dinheiro do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), responsável pelo pagamento de seguro-desemprego e abono salarial. A avaliação da efetividade desse programa estará relacionada com a empregabilidade e aumento de renda. Se houver aumento de vagas, o governo conseguirá reduzir as despesas do FAT com o seguro-desemprego. O vale poderá ser utilizado em lugares credenciados pelo governo.
Meta
A equipe econômica também vai implantar as licitações de cursos com metas de empregabilidade. O edital para a seleção definirá um porcentual de contratação de emprego que as empresas qualificadoras terão de cumprir.
No plano Pró-mercados, a ideia é retirar, por meio de mudanças regulatórias, as barreiras ao pleno funcionamento do mercado. “O Brasil é um dos piores países no ranking de barreiras à competição interna”, diz Costa. Entre as áreas escolhidas, ele citou saneamento, medicamentos, óleo e gás, bancos, propriedade de terras e algumas áreas de telecomunicações. No setor farmacêutico, o governo caminha para liberar preços de medicamentos isentos de prescrição nos quais há mais de uma marca.
Para Costa, o mercado brasileiro inibe a entrada de novos concorrentes, que veem o controle de preços pelo governo como risco para grandes investimentos. “O Brasil tem excesso de regulamentação”, afirma.
O plano Brasil 4.0 contém medidas para estimular a digitalização e a modernização dos processos de gestão das companhias. O governo vai usar estudos da OCDE para fomentar o uso da tecnologia no dia a dia das empresas e consumidores.
De acordo com Costa, o retorno do investimento disponível é rápido. “O BNDES já tem linha de crédito, mas as empresas não sabem usar”, diz Costa. Veja os quatro planos e três perguntas para o secretário:
Simplifica
Reformulação do e-Social – ajustes técnicos com menos burocracia para reduzir os custos das empresas.
Agilização dos Processo Produtivos Básicos (PPBs) na Zona Franca de Manaus e em outros setores, como os das empresas beneficiadas pela lei de informática.
Ajustes no chamado Bloco K, que é o registro de controle e produção do estoque da indústria.
Criação do Portal Único da Construção – com padronização de um código que poderá ser adotado por municípios.
Janelas regulatórias – As mudanças normativas do Inmetro terão um dia do mês para serem adotada. Hoje, o órgão pode soltar as alterações todos os dias.
Registro Único de Regularidade Fiscal – Hoje, para provar a regularidade é preciso de várias certidões.
Emprega Mais
Novo Sistema Nacional de Empregos (Sine) com a criação do “Tinder” do emprego e uso de inteligência artificial para rever todos os formulários.
Nova estratégia de qualificação com uso de vales e do sistema de contratação de cursos com metas de empregabilidade.
Pró-mercados
Medidas regulatórias para a retirada das barreiras ao pleno funcionamento do mercado. Entre os setores, estão saneamento, propriedade de terras, óleo e gás, medicamentos, planos de saúde, bancos e áreas de telecomunicações.
Brasil 4.0
Medidas para estimular a digitalização e modernização dos processos de gestão das empresas. A proposta é atender 300 mil empresas. Serão usados indicadores da OCDE e um programa de inovação.
Essas medidas já ajudam a melhorar o PIB em 2019?
Esses quatro planos já terão impacto bastante significativo na atividade ainda este ano. Uma das razões porque a atividade não está voltando com a velocidade adequada é a quantidade de amarras que ainda existe para atividade.
Mas as incertezas com o futuro também não travam a economia?
Tem incertezas ainda. Mas nas nossas conversas com o setor produtivo, vemos que elas afetam muito mais grandes empresas, principalmente as multinacionais, do que as pequenas e médias.
Por que as previsões de crescimento para 2019 estão caindo muito?
A recuperação poderia estar mais forte se atividade empresarial fosse mais leve. Ainda é difícil fazer negócio do País. Esses quatro planos veem ajudar o ambiente brasileiro de negócios.