domingo, 5 de agosto de 2018

Larga o osso, Lula!, OESP

addad tem de parar de fingir que não é candidato; Manuela, de fingir que é

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo
05 Agosto 2018 | 05h00
Fecha-se o tabuleiro presidencial hoje, com aquela peça disforme e mal colocada que segura o jogo e imobiliza o próprio lado: Lula, preso há 100 dias, sem conseguir dar o sinal verde para Fernando Haddad parar de fingir que não é candidato e para Manuela Dávila parar de fingir que é.
Com a avalanche de convenções no fim de semana, vai se fechando a escolha dos vices com dois focos claros, resultados não de amor ou de saudável afinidade ideológica, mas do puro pragmatismo. Daí a preferência por mulheres e/ou nomes do Rio Grande do Sul.
A síntese disso é a senadora gaúcha Ana Amélia, que entra na chapa do tucano Geraldo Alckmin não apenas como três em um, mas seis em um. É mulher, do PP, do Sul, da área de comunicação, assumidamente de direita e crítica contundente das maracutaias na política.
Ana Amélia não está aí para só embelezar as fotos do PSDB, mas para conquistar os 80% do eleitorado feminino ainda indecisos ou dispostos a anular voto e para tentar frear o ímpeto do PP gaúcho para Jair Bolsonaro e do PP do Piauí para o PT. Além disso, ela tem uma missão específica: resgatar os 4% de votos surrupiados do PSDB no Sul pelo paranaense Alvaro Dias, ex-tucano hoje no Podemos.
E ela também cumpre funções mais subjetivas. Alckmin tem de se firmar à direita, para disputar com Bolsonaro a vaga de principal contraponto ao PT. Ana Amélia, clara e contundente, tem ação e discurso que calam fundo no agronegócio e no eleitorado irritado com os políticos e conservador nos costumes. Ou seja, nos bolsões do Bolsonaro (com perdão do trocadilho).
Assim como ela, são ou foram consideradas para vice, de olho nas mulheres, sempre desconfiadas: Janaína Paschoal, a advogada e professora histriônica, na chapa de Bolsonaro, e Manuela d’ Á vila, a jovem e aguerrida “candidata” do PCdoB, que espera sentada o anúncio para ser vice de Lula, ops!, do PT.
Manuela é outra do Rio Grande do Sul, que foi governado pelos petistas de raiz Olívio Dutra e Tarso Genro e onde o PT mantém núcleo forte, mas fraco eleitoralmente. Também gaúcho e ex-governador, Germano Rigotto é opção de vice para Henrique Meirelles. Atualmente, ele é.... o que mesmo? Bem, Rigotto anda sumido, mas resta a Meirelles chapa puro sangue (MDB-MDB) e quem quer ter mandato em 2019 pula fora.
Se o grande MDB só atraiu o pequeno PHS, quais são os aliados do PDT e as opções de vice de Ciro GomesSufocado pela aliança do Centrão com Alckmin e o ataque frontal do PT, que garantiu a neutralidade do PSB, Ciro tenta colher os dissidentes de um lado e do outro, enquanto o PT parte para a terceira etapa de aniquilar Ciro: a investida final para reunir as esquerdas. Viva-se – no caso de Ciro, sobreviva-se – com um barulho desses. Na GloboNews, Ciro se declarou “um cabra marcado para morrer”.
E, no EstadoMarta Suplicy ponderou que Ciro pode ser o melhor candidato, mas “talvez não queira ser presidente, porque ele se sabota. Como psicanalista, vejo isso claramente”.
Alvaro Dias compôs chapa insossa com o ex-BNDES Paulo Rabello de Castro e Marina fugiu ao mero pragmatismo de seus adversários. O médico e ex-deputado Eduardo Jorge é do PV, que tem tudo a ver com a Rede Sustentabilidade – ao menos no nome. Se há cálculo na escolha, é que ele fez carreira em São Paulo, onde reluzem 33 milhões de eleitores. Agora, só faltam duas coisas: Lula largar o osso e os candidatos convencerem quem mais importa, Sua Excelência, o eleitor, de que o vice é para continuar sendo só vice até o fim, sem impeachment. Que os céus nos protejam!

Fim de uma era

Depois de militar apaixonadamente no PT por 33 anos e de passar pelo MDB, Marta Suplicy abandona a vida pública, mas jamais a política e as boas causas da igualdade.

sexta-feira, 3 de agosto de 2018

Frustração pós-eleitoral, FSP

A consolidação do quadro eleitoral demonstra como se dará o cenário de justificação da gestão atual. É claro que o programa a ser imposto é aquele que não foi realizado até agora, mas claramente esboçado. Prepara-se o país para submeter-se a reformas ainda mais draconianas, a começar pela reforma previdenciária, tirada da pauta devido à desagregação do governo Temer.
Por outro lado, a situação de brutalização das relações sociais será empurrada na base da crença de que as forças de defesa da classe trabalhadora estão rendidas e paralisadas. O que não é o caso. Na verdade, ocorreu um aumento exponencial da violência estatal, impondo uma situação de medo em relação aos processos de manifestação popular.
Nesse quadro, é claro que o jogo central encontra-se em tentar vender os mesmos gestores de sempre como o esteio da racionalidade contra a barbárie. O para Bolsonaro/Alckmin tenta reproduzir, em território nacional, o segundo turno francês entre Emmanuel Macron e a protofascista Marine Le Pen.
Essa era a única maneira de uma agenda liberal de desmonte e pauperização passar como tábua de salvação contra a pior das regressões sociais.
Por isso, é claro que Bolsonaro é apenas a melhor maneira de eleger aquele que passar com ele ao segundo turno. Mas o verdadeiro problema será o que poderíamos chamar de "frustração pós-eleitoral".
O que acontecerá ao Brasil quando ficar claro que as eleições não representarão novo acordo algum, conciliação alguma? Ele anda para se tornar um país ingovernável, já que nenhum vencedor contará com base popular real.
Não há ninguém capaz de assegurar alguma forma de pacto social. No máximo, vencedores assarão no interior de uma lógica do mal menor.
Um situação na qual o caráter ingovernável da nação ficar mais uma vez explícita será um convite a setores da sociedade civil radicalizarem ainda mais seu clamor pela volta do poder militar. É certo que veremos a recrudescência desta tendência mais uma vez.
No entanto, há de se insistir que o Brasil caminha também para uma outra alternativa, a saber, uma nova explosão de descontentamento popular. O problema é que nenhum setor progressista do campo política está preparado para isso —sequer está contando efetivamente com isso.
Previsões históricas têm valor nulo, ainda mais quando são feitas por representantes da classe intelectual. Mas é inegável a equação entre frustração, desidentificação e revolta.
Essa equação está presente de forma explícita na realidade nacional. Não se trata apenas de uma frustração com os descaminhos da economia e com o retorno da pobreza. Trata-se de algo mais profundo, a saber, uma desidentificação da população com seus representantes e atores políticos. Neste contexto, as explosões de revolta social são tão certas quanto o movimento dos astros.
O corpo social é sustentado por processos variados de identificação. Eles se dão por meio das figuras de líderes, mas também podem se dar através de instituições, ideias diretivas, partidos, entre outros. Nada disto está presente atualmente no Brasil.
Ao contrário, se alguém como Bolsonaro cresce é, entre outras razões, porque sua campanha permite uma integração sem necessidade de obedecer a estruturas que acabam por parecer atrativas a parcelas da juventude e dos estratos médios.
Assim, um corpo social em desidentificação generalizada, como o caso brasileiro, entra regularmente em convulsão, até que se constituam novas formas de incorporação. É com cenários dessa natureza que deveríamos estar lidando agora, pois eles devem nos ocupar nos próximos anos, para além da pantomima eleitoral que estamos a assistir.
Vladimir Safatle
Professor de filosofia da USP, autor de “O Circuito dos Afetos: Corpos Políticos, Desamparo e o Fim do Indivíduo”.

quinta-feira, 2 de agosto de 2018

Aborto já, FSP

Já reclamei aqui da sem-cerimônia com que ministros do Supremo vêm tomando decisões que não encontram previsão expressa nas leis nem na Carta. Tem faltado ao STF a chamada autocontenção. Ainda assim, penso que a corte máxima fará bem se declarar inconstitucional a proibição do aborto. Como explicar a aparente contradição?
Como regra geral, o juiz não pode mesmo substituir o legislador. Falta-lhe, para início de conversa, o mandato popular. Mesmo que a ausência de representatividade não fosse um problema, seria temerário concentrar num único indivíduo ou num colégio restrito o poder de elaborar e, ao mesmo tempo, aplicar as leis. A democracia, que é um jogo de freios e contrapesos, repele tal arranjo.
Mas a democracia tampouco pode dar-se ao luxo de ficar refém de um Poder ou da maioria dos cidadãos. Imagine-se, a título de experimento mental, que 51% dos eleitores tenham concluído que precisam de servos e elegem um Parlamento que reintroduz a escravidão no ordenamento jurídico.
Absurdo? Sem dúvida. É para evitar que variações em torno desse exemplo se tornem realidade que a Carta confere à Justiça o poder de invalidar leis julgadas inconstitucionais. O fato de juízes terem essa capacidade não significa que devam usá-la sempre. Para o jogo democrático fluir, é necessário que os magistrados saibam conter-se, só se valendo de poderes excepcionais em situações excepcionais.
A meu ver, o ativismo judicial pelo STF se justifica apenas para ampliar direitos individuais já contidos em princípios enunciados na Carta, mas que o Congresso, por alguma razão, não atualiza. Um teste prático é olhar para direitos que já tenham sido consolidados em democracias mais maduras, como o aborto e a despenalização do consumo de drogas. Não dá para aceitar que, em pleno século 21, pessoas precisem da autorização de vizinhos para definir o que vão colocar ou tirar de seus próprios corpos.


Hélio Schwartsman
Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".