quinta-feira, 2 de agosto de 2018

Preso, Lula exercerá influência sobre capítulos finais da eleição, FSP

Fora da eleição, Lula exerce a distância sua força gravitacional. Nas últimas semanas, o ex-presidente agiu como negociador político e reconfigurou os termos da competição na esquerda. Nos próximos 65 dias, o petista vai explorar as incertezas de sua candidatura para se manter no centro do debate.
Parte da campanha deste ano ainda gira em torno de uma indefinição que desorienta cerca de 30% dos brasileiros e provoca a repulsa de outros 36%. As interrogações propositadamente mantidas ao redor de Lula provocam tempestades nos campos de seus adversários e numa fatia significativa do eleitorado.
Na semana que vem, o Supremo deve julgar um pedido de liberdade do ex-presidente. A inclusão do caso na pauta é suficiente para mobilizar eleitores e candidatos. Ainda que o petista sofra um revés, o PT buscará reforçar a narrativa de perseguição judicial a seu candidato.
A esse episódio, sucederá a batalha sabidamente perdida sobre o registro da candidatura de Lula, no dia 15. A Justiça Eleitoral articula o veto à inscrição do ex-presidente no fim do mês, o que deve prolongar por ao menos duas semanas essa falsa dúvida na disputa.
Na prática, Lula obriga a corrida presidencial a aguardar suas orientações. O posicionamento do tabuleiro só estará completo quando o petista ungir o sucessor para o qual espera transferir sua popularidade —o que pode ocorrer oficialmente apenas a 20 dias da eleição.
A participação virtual de Lula afeta a disputa à esquerda e à direita. Da cadeia, o ex-presidente trabalhou para bloquear alianças e isolar Ciro Gomes (PDT), que pretendia ser uma alternativa nesse campo. No polo oposto, cada passo do petista provoca uma onda antipetista na guerra particular de Jair Bolsonaro (PSL) e Geraldo Alckmin (PSDB).
O papel de Lula na eleição será consideravelmente menor do que seu peso como candidato de fato, mas não se pode ignorar que os próximos capítulos dependem, em boa medida, de sua candidatura fantasma.


Bruno Boghossian
Jornalista, foi repórter da Sucursal de Brasília. É mestre em ciência política pela Universidade Columbia (EUA).

Centro de São Paulo extrai o que há de mais desumano em nós, FSP

O centro de São Paulo é a degradação do ser humano, disse-me um amigo paulistano logo que passei a morar na cidade. 
Nem ele, no seu pessimismo congênito, poderia imaginar o nível de degradação que estava por vir. Há mais de duas décadas trabalho diariamente na região central da cidade mais rica do país. Falta à memória qualquer registro próximo ao que os olhos enxergam agora.
Há gente dormindo no canteiro central de avenida, espremida entre duas pistas com ônibus passando rente à cabeça. Há gente dormindo entre carros estacionados. Há gente dormindo no lixo. 
Dado o aumento visível dos moradores de rua pela cidade, a prefeitura decidiu antecipar o censo dessa população. Estima-se que já sejam 20 mil, o que supera a oferta de abrigos.
Deveria haver alguma lei de improbidade para um gestor incapaz de oferecer solução para algo que atenta tão fortemente contra a dignidade humana. Não se trata, nesse caso, de problema que escape à capacidade financeira do cofre público.
A situação dos seres humanos, como seria lógico imaginar, é a ponta mais grave de um desleixo absoluto que se manifesta de várias formas no centro paulistano.
As calçadas estão tomadas por fios de eletricidade, que continuam caídos mesmo após serviços supostamente de manutenção. Semáforos são tecnologia indomada. Ao Waze falta informar a existência da cracolândia, pois motoristas vivem minutos de terror por confiar cegamente no celular. Uma delegacia móvel dá às pessoas a insegurança de serem empurradas para fora da calçada.
Cidades europeias provavelmente tiveram centros no estado atual do de São Paulo —coisa de meio milênio atrás, talvez. Ou, quem sabe, em alguma situação extrema; reportagem da Folha na semana passada descreveu o cenário como “o de uma cidade abandonada no pós-guerra”. Transformado em paisagem diária, o caos vai extraindo o que há de mais que desumano em nós.

As últimas janelas, Opinião FSP



Uma análise da produção legislativa nacional dos últimos dois anos mostra que, desde o impeachment de Dilma Rousseff (PT), o Congresso deliberou sobre temas difíceis e cruciais com intensidade não vista desde os anos 1990.
Não houve propriamente um despertar cívico de deputados e senadores. Estes se moveram —assim como o governo formado após o colapso da gestão petista— pela imperiosa necessidade de conter um aprofundamento ainda mais trágico da recessão econômica.
Evitou-se, sim, o pior; mas a agenda de reformas, mesmo em seus aspectos mais emergenciais, tem muito a avançar no que resta deste mandato presidencial.
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Decerto que a ruína do Orçamento e a perspectiva de uma escalada sem controle da dívida públicaocuparam a maior parte das atenções parlamentares até agora.
Aprovou-se uma estratégia gradual de reequilíbrio das contas com a fixação de um teto para as despesas na Constituição, além de providências complementares como a redução dos subsídios em financiamentos de bancos estatais. Entretanto a essencial reforma da Previdência, sem a qual o teto será insustentável, ficou pelo caminho.
Outra parte do programa busca remover entulhos intervencionistas, corporativistas e burocráticos que dificultam as relações privadas e, pois, o crescimento econômico. Aqui, o passo mais importante foi o redesenho da Consolidação das Leis do Trabalho, cujos resultados ainda se mostram incipientes.
Perdeu-se ímpeto reformista, como se sabe, com o enfraquecimento do presidente Michel Temer(MDB) —que incorreu, ao lado de aliados próximos, nas piores práticas da política nacional.
Ainda assim, cumpre aproveitar o tempo e as energias restantes para votar propostas prioritárias e contribuir para a viabilidade da próxima administração.
Há poucas semanas pela frente até que o início da campanha eleitoral paralise, na prática, as atividades do Congresso. Todos os esforços devem ser empreendidos para que se aprovem nesse período três projetos importantes: o aperfeiçoamento do cadastro positivo, a duplicata eletrônica e as regras do distrato imobiliário.
Urge também examinar o recém-apresentado projeto que eleva a tributação sobre fundos de investimento destinados a poupadores mais abonados. Para vigorar em 2019, a medida precisa estar sancionada até dezembro.
Uma derradeira janela legislativa será aberta após a definição da disputa presidencial, que provavelmente se dará no segundo turno, ao final de outubro. A pauta dependerá, claro, do entendimento entre o eleito e os que estão encerrando seus mandatos; a conclusão da reforma previdenciária seria, sem dúvida, o desfecho mais virtuoso.