sexta-feira, 23 de março de 2018

SNI barrou expurgos na USP, mostra comissão, OESP


Grupo acha documentos de assessoria da reitoria, que queria aprofundar cassações

Marcelo Godoy, O Estado de S.Paulo
23 Março 2018 | 05h00
O expurgo de professores e alunos da Universidade de São Paulo (USP) no regime militar só não foi maior porque em duas oportunidades os pedidos de novas cassações foram paralisados no Serviço Nacional de Informações (SNI). Documentos encontrados pela Comissão da Verdade da USP mostram que o órgão de informações impediu que denúncias feitas por integrantes da universidade e pela Assessoria Especial de Segurança e Informações (AESI), ligada à reitoria da USP, atingissem novos alvos, suspeitos de oposição à ditadura.
Mais de uma dezena de professores estavam entre os suspeitos, entre os quais Eurípides Simões de Paula, Fernando Novais e Eduardo D’Oliveira França. Os responsáveis pelo filtro ideológico na universidade também queriam uma devassa na Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de São Paulo (Fapesp), onde suspeitavam do zoólogo Paulo Vanzolini, do físico Oscar Sala e do médico e ex-reitor da USP Antonio Barros de Ulhôa Cintra. Fundamental para essas investidas, a AESI começou a funcionar nos anos 1970, instituída pelo reitor Miguel Reale. Era ela quem fazia, segundo o relatório da comissão, “a triagem ideológica de alunos, professores e funcionários”.
Fernando Henrique defende tese na USP; ex-presidente depôs para comissão
Fernando Henrique defende tese na USP; ex-presidente depôs para comissão Foto: Domício Pinheiro/Estadão - 19/11/63
A assessoria produziu 2.895 documentos entre 1973 e 1979 enviados ao Departamento de Ordem Pública e Social (Dops), ao 2.º Exército e ao SNI. O número representa um aumento das informações produzidas então pela universidade sobre investigações internas. De fato, os arquivos do Dops registram 253 documentos enviados pela USP para o departamento entre 1948 e 1973, uma média de 16 por ano. Após a criação da AESI, esse número saltou para uma média de 413 por ano.
“A criação da AESI gerou uma prática de vigilância com vistas ao controle ideológico da comunidade acadêmica, dentro de um sistema de informações organizado e centralizado do qual a USP fazia parte”, disse a professora Janice Theodoro da Silva, do Departamento de História da USP. Ela presidiu a comissão, cujo relatório tem dez volumes e foi entregue anteontem ao reitor Vahan Agopyan.
SUBVERSÃO
Exemplo desse controle é o documento enviado em 13 de novembro de 1975 ao SNI, no qual a AESI afirmava que a Fapesp estava sendo usada em “aprimoramento subversivo de alto nível pelo ex-diretor científico Oscar Sala”.
Entre os “fatos” apontados pela AESI estavam o apoio da Fapesp à Sociedade Brasileira de Progresso da Ciência, a nomeação de “infiltrados”, o dinheiro dado a pesquisas “para deturpar fatos históricos” e “desmerecer o trabalho do governo revolucionário”. Para tanto, Sala disporia de “400 assessores científicos secretos para dinamizar o trabalho de infiltração marxista no País”. E apontava como idealizadores desse plano Vanzolini e Ulhôa Cintra.
O SNI respondeu ao ofício dizendo que acusar Sala de aproveitar-se do cargo “é expressar-se de forma tendenciosa e pouco verdadeira”. O serviço de informações dizia que a AESI trazia sobre “educadores da USP dados nem sempre verdadeiros”. Para o SNI, o documento da AESI “insere-se num contexto de luta pelo controle administrativo da Fapesp e do manejo de suas vultosas verbas”. Por fim, os agentes concluíam: “Não é, em essência, documento válido e merecedor de crédito”.
Em outro caso, a comissão traz o relato do historiador Boris Fausto sobre como brigas internas na USP quase levaram a outra leva de cassações em 1972. Ali também tudo foi parar no SNI, onde o pedido de expurgo morreu em uma gaveta.
QUEDA
O artífice da AESI era Krikor Tcherkesian, funcionário nomeado por Reale e mantido pelo reitor Orlando Marques de Paiva (1973-1977). Tcherkesian, que se apresentava como amigo do cantor João Gilberto, visitava frequentemente o Dops. Foi ele quem comandou a ofensiva contra a Fapesp. Acabou enredado em uma trama na qual ele foi acusado pelo SNI de "ação de corrupção e intimidação de diretores e professores de faculdades. Acabaria afastado em março de 1976, após pressão do general Dilermando Gomes Monteiro, que assumira o 2.º Exército em substituição ao general Ednardo D'Ávila Mello, depois da morte do metalúrgico Manoel Fiel Filho, nas dependências do Destacamento de Operações de Informações (DOI). O Estado procurou Tcherkesian, mas não conseguiu localizá-lo.
PESQUISA RECUPERA DOCUMENTOS QUE FORAM QUEIMADOS
A Comissão da Verdade da USP recuperou cópias de milhares de documentos que haviam sido queimados em 1982. Os papéis estavam no arquivo do Departamento de Ordem Política e Social (Dops). Eles mostram que, dos 434 mortos na ditadura, 47 tinham relação com a universidade – 39 alunos e ex-alunos, seis professores e dois funcionários. 
A Comissão ouviu professores e alunos perseguidos. A USP foi atingida desde 1964 com o afastamento de professores como os sociólogos Fernando Henrique Cardoso e Florestan Fernandes, o físico Mário Schenberg, os arquitetos João Batista Vilanova Artigas e Paulo Mendes da Rocha, os médicos Luiz Hildebrando Pereira da Silva e Isaías Raw, a historiadora Emília Viotti da Costa e Caio Prado Junior e o filósofo José Arthur Gianotti.
Entre os documentos achados há listas de professores “ideologicamente suspeitos” cuja contratação foi vetada por reitores. Esse foi o caso dos arquitetos Ricardo Ohtake – ato do reitor Orlando Marques de Paiva – e do arquiteto Décio Tozzi, barrado por dois reitores – Miguel Reale, em 1972, e Salim Simão, em 1977. “Isso destruiu minha carreira acadêmica”, contou Tozzi, que projetou o parque Villa Lobos e se tornou professor da USP em 1982. O jurista Miguel Reale Junior diz que seu pai evitou perseguições maiores na USP quando foi reitor. O relatório, no entanto, mostra que foi de Reale a iniciativa de criar a AESI - a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), por exemplo, não tinha esse órgão.

Semana Mundial da Água: Apenas 4% dos 294 pontos monitorados em rios da Mata Atlântica têm qualidade boa e 20% estão impróprios para uso , SOSMA


19/03/2018


Levantamento da SOS Mata Atlântica analisa qualidade da água em 102 municípios dos 17 estados da Mata Atlântica. Resultado preocupa especialistas
Tietê, São Francisco, Iguaçu, Capibaribe, Parnaíba, Sinos e Doce são alguns dos grandes rios brasileiros monitorados pelo estudo
Na semana em que o Brasil sedia o Fórum Mundial da Água, a Fundação SOS Mata Atlântica apresenta um panorama sobre a qualidade da água de 230 rios, córregos e lagos do bioma. Apenas 4,1% (12) dos 294 pontos de coleta avaliados possuem qualidade de água boa, enquanto 75,5% (222) estão em situação regular e 20,4% (60) com qualidade ruim ou péssima. Isso significa que em 96% dos pontos monitorados a qualidade da água não é boa e está longe do que a sociedade quer para os rios. Nenhum dos pontos analisados foi avaliado como ótimo.
O levantamento foi realizado em 102 municípios dos 17 estados da Mata Atlântica, além do Distrito Federal, entre março de 2017 e fevereiro de 2018. Os dados foram obtidos por meio de coletas e análises mensais de água realizadas por 3,5 mil voluntários do programa “Observando os Rios”, com supervisão técnica da Fundação SOS Mata Atlântica. O projeto tem patrocínio da Ypê e Coca-Cola Brasil e o estudo completo, com a lista dos rios avaliados, está disponível em: http://bit.ly/2DmdBJH.
Relatório 2018_1
“Os resultados apontam a fragilidade da condição ambiental dos principais rios da Mata Atlântica e a urgência de incluir a água na agenda estratégica do Brasil. Rios e águas contaminados são reflexo da ausência de saneamento ambiental, gestão e governança”, afirma Malu Ribeiro, coordenadora do estudo e especialista em Água da Fundação SOS Mata Atlântica.
Segundo Malu, a qualidade da água doce superficial é muito suscetível às condições ambientais, às variações e impactos do clima, aos usos do solo e às atividades econômicas existentes na bacia hidrográfica. Sendo assim, a água está diretamente ligada à conservação da Mata Atlântica, à sustentabilidade dos ecossistemas, à saúde e atividades econômicas da população que vive no bioma.
Para Marcia Hirota, diretora executiva da Fundação SOS Mata Atlântica, esse levantamento é uma contribuição da sociedade, representada pelos voluntários do projeto, ao aprimoramento de políticas públicas que impactam na gestão da água limpa para todos. “Ao reconhecer os rios como espelhos da qualidade ambiental das cidades, regiões hidrográficas e países, conseguimos identificar rapidamente os valores da sua comunidade, a condição de saúde na bacia e de desenvolvimento“, completa.
Comparativo 2017-2018
O estudo comparou os resultados do monitoramento de 188 pontos fixos de coletas, distribuídos por 11 estados – Alagoas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Minas Gerais, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Santa Catarina e São Paulo –, além do Distrito Federal. Foram consideradas as médias dos indicadores mensais do ciclo 2017 (março de 2016 a fevereiro de 2017) e do ciclo 2018 (março de 2017 a fevereiro de 2018).
Relatório 2018_2
“A qualidade da água dos rios das bacias da Mata Atlântica permaneceu estável nesse ciclo de pouca chuva e não houve evolução significativa dos indicadores em relação ao ciclo anterior”, ressalta Malu Ribeiro.
O destaque para os dados positivos na evolução dos indicadores comparativos é a estabilidade dos níveis de qualidade de água boa em 5 pontos de monitoramento. Todos localizados em áreas protegidas da Mata Atlântica. Já em 16 pontos de coleta sem proteção de mata nativa os dados demonstraram impacto significativo, com perda de qualidade da água.
“Ainda estamos distantes do que a sociedade necessita para segurança, mas conseguimos diminuir de 7 pontos com qualidade péssima em 2015 para 1 neste ano. No entanto, para que os indicadores reunidos nesse estudo possam se traduzir em metas progressivas de qualidade da água nos milhares de rios e mananciais das nossas bacias hidrográficas, é fundamental que a Política Nacional de Recursos Hídricos seja implementada em todo território nacional, de forma descentralizada e participativa, e que a norma que trata do enquadramento dos corpos d’água seja aprimorada, excluindo os rios de classe 4 da legislação brasileira“, conclui. A classe 4 na prática permite a existência de rios mortos por ser extremamente permissiva em relação a poluentes e mantém muitos em condição de qualidade péssima ou ruim, indisponíveis para usos.
Trabalho em parceria
Waldir Beira Júnior, Presidente Executivo da Ypê, celebra a parceria de três anos com a Fundação SOS Mata Atlântica no projeto Observando os Rios. “A parceria permite ecoar o cuidado e o respeito de nossa empresa ao meio ambiente a cada um dos 230 rios monitorados pelos engajados voluntários. A Ypê oferece a seus consumidores produtos de alta qualidade e que possuem uma ótima relação custo x benefício – além de uma pegada sustentável, gerando transformação positiva enquanto cuida. Em todos os seus processos a Ypê se preocupa e trabalha com inúmeras iniciativas que visam evitar a geração de efluentes e desperdícios”, afirma.
Sobre o Observando os Rios
O programa surgiu em 1991, com uma campanha que reuniu 1,2 milhão de assinaturas em prol da recuperação do Rio Tietê e originou o primeiro projeto de monitoramento da qualidade da água por voluntários, o “Observando o Tietê”. Para agregar outras bacias hidrográficas, a iniciativa foi ampliada e passou a se chamar “Observando os Rios”. Nessa fase, com o patrocínio da Ypê e Coca-Cola Brasil, o projeto conta com 3,5 mil voluntários que monitoram 230 rios nos 17 estados da Mata Atlântica 17 estados do bioma Mata Atlântica – Alagoas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Sergipe e São Paulo –, e Distrito Federal.

O tombo dos juros e seus impactos, OESP



Há a a redução do retorno das aplicações financeiras e, aí, o que faz o investidor?






Celso Ming, O Estado de S.Paulo
22 Março 2018 | 21h00
A forte derrubada da inflação é o principal indicador entre os que medem o desempenho da economia que atesta a solidez da recuperação.
Inflação ao redor de 3%, pelo segundo ano consecutivo, numa situação em que os preços estão inteiramente soltos e não há quaisquer atrasos nos reajustes, tem de ser considerada importante alavancadora de novos negócios.
Os juros básicos (Selic) mergulharão no dia 16 de maio para abaixo dos 6,5%, como indicou o Banco Central após a reunião do Copom na quarta-feira. É verdade que, na ponta do crédito, a queda dos juros ainda está bem atrasada. A principal explicação para isso é a ainda forte inadimplência que obrigou os bancos a reforçar provisões e, assim, enfrentar atrasos e calotes dos clientes. Mas é inevitável que, cedo ou tarde, o custo do crédito aos clientes dos bancos também caia e sejam estimulados investimentos na atividade econômica, por conta de custos de crédito mais baixos.

Outra consequência importante é a redução do retorno das aplicações financeiras. Ficaram para trás os tempos em que um dinheiro aplicado em renda fixa praticamente sem risco proporcionou excelente retorno real. Uma conta simplificada mostra que com juros de 6,5% ao ano, o retorno real em aplicações de renda fixa tende a ser inferior a 1% ao ano. Desses 6,5% ao ano têm de ser descontados a inflação de 3,0%, o Imposto de Renda e, no caso dos fundos de investimento oferecidos pelos bancos de varejo a pequenos investidores, a elevada taxa de administração.
É um resultado que empurra os aplicadores à renda variável e, portanto, para mais risco (veja mais no Confira). Já os empreendedores tendem a aplicar mais recursos em seus negócios do que a deixá-los no pinga-pinga da renda fixa.
No Brasil, muitos fundos de investimento de renda fixa têm taxas de administração superiores a 1% ao ano. Quando a inflação era de 10%, essa taxa comia 10% do rendimento nominal. Mas agora, a garfada tende a ser superior a 35%, o que caracteriza apropriação indébita de patrimônio alheio. O aplicador deve fugir dos fundos de investimento de renda fixa que cobram taxa de administração superior a 1%.
A opção por aplicações em renda variável, tanto diretamente em ações como em fundos multimercado, pode, assim, ficar inevitável. Nesse caso, o aplicador tem de contar com os solavancos das cotações, próprios do segmento.
Quando se fala em opções de aplicação de reservas em dinheiro se pergunta: por que não o mercado imobiliário? No momento, o principal fator inibidor é o mau estado das finanças da Caixa Econômica, depois de alguns anos de dilapidação promovida pelos administradores anteriores, cujo critério de utilização dos ativos era majoritariamente determinado por politicagem. Explica-se: a Caixa é o principal agente de financiamento de casa própria no País e, se suas finanças estão em desordem, não vale contar com sólida recuperação do mercado imobiliário.
Enfim, não haverá moleza aos aplicadores de reserva pessoal ou familiar no mercado financeiro.
CONFIRA:

» O desempenho da Bolsa
O mercado de ações mostra a maior procura por renda variável. O Índice Bovespa, que mede o comportamento das ações mais importantes, já havia avançado 26,8% em 2017. Neste ano (até quinta-feira), registrou valorização de 10,9%, mostrando forte apetite dos investidores. Fica raquítico o retorno das aplicações em renda fixa quando em comparação ao segmento de ações. O que pode inibir novos avanços são eventuais trombadas na área política que apontem para ainda maior desorganização das contas públicas.