Foto: Antonio Lacerda/Agência Estado
ÁREAS DE RISCO: SISTEMAS DE ALERTA ESCONDEM CRIME DE OMISSÃO
por Álvaro Rodrigues dos Santos, especial para o Viomundo
Diferentemente de países com vulcanismo ativo, terremotos, furacões, tempestades tropicais cíclicas e outros poderosos agentes da Natureza, no Brasil as áreas de risco estão inequivocamente associadas a erros humanos na ocupação de terrenos geológica, geotécnica ou hidrologicamente mais sensíveis e instáveis.
Por exemplo, no caso de deslizamentos são ocupados terrenos que por sua enorme suscetibilidade natural a esse tipo de fenômeno não poderiam de forma alguma ser ocupados.
Ou são ocupados terrenos de média e alta declividades perfeitamente passíveis de receber uma ocupação urbana, mas com o uso de técnicas construtivas e arranjos urbanísticos a eles tão inadequados que, mesmo nessa condição mais favorável, são transformados em um canteiro de áreas de risco.
Aliás, as áreas de risco a deslizamentos no país são em sua grande maioria dessa natureza.
Destaque-se que nessas duas condições, como também no caso de margens de córregos e várzeas sujeitas à inundação, a criação de áreas de risco está intimamente associada à busca de terrenos mais baratos por parte da população de baixa renda, que somente dessa forma consegue fugir de aluguéis e ter sua própria moradia.
Dessa constatação, ou seja, a responsabilidade humana na instalação de áreas de risco, deduz-se que, diferentemente dos países com terremotos e vulcanismo ativo, por exemplo, no Brasil a eliminação do problema áreas de risco depende, na esmagadora maioria dos casos, apenas da decisão humana em não mais cometer os erros que estão na origem causal do problema.
Daí a importância em se distinguir o diferente papel dos sistemas de alerta naqueles países onde os fatores de risco são realmente naturais e incontroláveis e em nosso país, onde os fatores de risco são antrópicos, e, portanto, controláveis.
No Brasil, o papel de um sistema de alerta deveria cumprir uma função nitidamente emergencial e provisória. Ou seja, é indispensável sua adoção enquanto ainda estejam sendo efetivadas as medidas verdadeiramente estruturais que podem e vão eliminar o risco detectado.
E quais seriam essas medidas estruturais voltadas à eliminação de riscos?
Podemos assim elenca-las concisamente:
• criterioso planejamento do crescimento urbano, impedindo-se a ocupação de terrenos com condições naturais de muito alto risco e adotando-se planos urbanísticos e técnicas construtivas corretas na ocupação de terrenos de alto e médio riscos;
• implementação de programas de habitação popular que atendam a demanda da população de baixa renda por casa própria, reduzindo assim a pressão pela ocupação de terrenos impróprios à urbanização;
• desocupação de áreas de muito alto risco já instaladas, com realocação dos moradores em novas habitações dignas e seguras;
• consolidação urbanística e geotécnica de áreas de alto, médio e baixo riscos já instaladas.
Desgraçadamente, por incúria, desvios éticos e total descaso com o ser humano, essas medidas estruturais destinadas à eliminação dos riscos não recebem a mínima atenção dos três níveis de governo, o federal, o estadual e o municipal.
À exceção do crescimento do número de mapeamentos de risco, com a produção de cartas de suscetibilidade, cartas de risco e cartas geotécnicas, ferramentas imprescindíveis para a gestão do risco urbano , mas apenas ferramentas, pode-se dizer que muito perto do absolutamente nada está sendo feito em matéria de implementação de medidas estruturais de real combate ao risco.
E é nesse cenário que se apresenta como um expediente oportunista de extrema crueldade humana a decisão de dotar sistemas de alerta ao risco de caráter permanente e como única medida de gestão de riscos que, pelos seus baixos custos financeiros e sua descomplexidade política, é de fato implementada.
Seria muito interessante ver como as autoridades públicas responsáveis por esse crime de omissão reagiriam se morassem em área de risco e fossem submetidas à brutalidade de, ao som de alucinante sirene ou torpedo no celular, terem que deixar suas casas de madrugada, sob chuva torrencial, carregando seus idosos, crianças, doentes e parentes com necessidades especiais para fugir da possibilidade de serem tragados pelo barro e pelas pedras de um deslizamento.
Geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos (santosalvaro@uol.com.br) foi diretor de Planejamento e Gestão do IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas. É autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do Mar”, “Diálogos Geológicos”, “Cubatão”, “Enchentes e Deslizamentos: Causas e Soluções”, “Manual Básico para elaboração e uso da Carta Geotécnica”, “Cidades e Geologia”. É consultor em Geologia de Engenharia, Geotecnia e Meio Ambiente
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