sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

Álvaro dos Santos: Os sistemas de alerta em áreas de risco escondem crimes de omissão, por Álvaro Rodrigues dos Santos


02 de fevereiro de 2018 às 20h26

  
Foto: Antonio Lacerda/Agência Estado
ÁREAS DE RISCO: SISTEMAS DE ALERTA ESCONDEM CRIME DE OMISSÃO
por Álvaro Rodrigues dos Santos, especial para o Viomundo
Diferentemente de países com vulcanismo ativo, terremotos, furacões, tempestades tropicais cíclicas e outros poderosos agentes da Natureza, no Brasil as áreas de risco estão inequivocamente associadas a erros humanos na ocupação de terrenos geológica, geotécnica ou hidrologicamente mais sensíveis e instáveis.
Por exemplo, no caso de deslizamentos são ocupados terrenos que por sua enorme suscetibilidade natural a esse tipo de fenômeno não poderiam de forma alguma ser ocupados.
Ou são ocupados terrenos de média e alta declividades perfeitamente passíveis de receber uma ocupação urbana, mas com o uso de técnicas construtivas e arranjos urbanísticos a eles tão inadequados que, mesmo nessa condição mais favorável, são transformados em um canteiro de áreas de risco.
Aliás, as áreas de risco a deslizamentos no país são em sua grande maioria dessa natureza.
Destaque-se que nessas duas condições, como também no caso de margens de córregos e várzeas sujeitas à inundação, a criação de áreas de risco está intimamente associada à busca de terrenos mais baratos por parte da população de baixa renda, que somente dessa forma consegue fugir de aluguéis e ter sua própria moradia.
Dessa constatação, ou seja, a responsabilidade humana na instalação de áreas de risco, deduz-se que, diferentemente dos países com terremotos e vulcanismo ativo, por exemplo, no Brasil a eliminação do problema áreas de risco depende, na esmagadora maioria dos casos, apenas da decisão humana em não mais cometer os erros que estão na origem causal do problema.
Daí a importância em se distinguir o diferente papel dos sistemas de alerta naqueles países onde os fatores de risco são realmente naturais e incontroláveis e em nosso país, onde os fatores de risco são antrópicos, e, portanto, controláveis.
No Brasil, o papel de um sistema de alerta deveria cumprir uma função nitidamente emergencial e provisória. Ou seja, é indispensável sua adoção enquanto ainda estejam sendo efetivadas as medidas verdadeiramente estruturais que podem e vão eliminar o risco detectado.
E quais seriam essas medidas estruturais voltadas à eliminação de riscos?
Podemos assim elenca-las concisamente:
• criterioso planejamento do crescimento urbano, impedindo-se a ocupação de terrenos com condições naturais de muito alto risco e adotando-se planos urbanísticos e técnicas construtivas corretas na ocupação de terrenos de alto e médio riscos;
• implementação de programas de habitação popular que atendam a demanda da população de baixa renda por casa própria, reduzindo assim a pressão pela ocupação de terrenos impróprios à urbanização;
• desocupação de áreas de muito alto risco já instaladas, com realocação dos moradores em novas habitações dignas e seguras;
• consolidação urbanística e geotécnica de áreas de alto, médio e baixo riscos já instaladas.
Desgraçadamente, por incúria, desvios éticos e total descaso com o ser humano, essas medidas estruturais destinadas à eliminação dos riscos não recebem a mínima atenção dos três níveis de governo, o federal, o estadual e o municipal.
À exceção do crescimento do número de mapeamentos de risco, com a produção de cartas de suscetibilidade, cartas de risco e cartas geotécnicas, ferramentas imprescindíveis para a gestão do risco urbano , mas apenas ferramentas, pode-se dizer que muito perto do absolutamente nada está sendo feito em matéria de implementação de medidas estruturais de real combate ao risco.
E é nesse cenário que se apresenta como um expediente oportunista de extrema crueldade humana a decisão de dotar sistemas de alerta ao risco de caráter permanente e como única medida de gestão de riscos que, pelos seus baixos custos financeiros e sua descomplexidade política, é de fato implementada.
Seria muito interessante ver como as autoridades públicas responsáveis por esse crime de omissão reagiriam se morassem em área de risco e fossem submetidas à brutalidade de, ao som de alucinante sirene ou torpedo no celular, terem que deixar suas casas de madrugada, sob chuva torrencial, carregando seus idosos, crianças, doentes e parentes com necessidades especiais para fugir da possibilidade de serem tragados pelo barro e pelas pedras de um deslizamento.
Geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos (santosalvaro@uol.com.br) foi diretor  de Planejamento e Gestão do IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas.  É autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do Mar”, “Diálogos Geológicos”, “Cubatão”, “Enchentes e Deslizamentos: Causas e Soluções”, “Manual Básico para elaboração e uso da Carta Geotécnica”, “Cidades e Geologia”. É consultor em Geologia de Engenharia, Geotecnia e Meio Ambiente
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A população mundial cresce e as questões climáticas se agravam, é preciso ter pressa






*Washington Novaes, O Estado de S.Paulo
09 Fevereiro 2018 | 03h11
Promete discussões acaloradas – e certamente interessantes – o Fórum Mundial da Água, que começa no próximo dia 18 em Brasília e é organizado a cada três anos pelo Conselho Mundial da Água e pelo país anfitrião. Desse órgão mundial participam 400 instituições em 70 países, reunindo governos, universidades, sociedade civil, empresas e ONGs. Para esta próxima discussão já se preveem temas complexos e polêmicos como transposição de bacias, reúso da água na indústria e na agricultura, regras para divisão entre países, financiamento, legislação e muitos outros.
Este ano, por exemplo, um dos temas mais polêmicos será apresentado pelo Brasil, com a proposta, nascida no Conselho Nacional do Ministério Público e na Procuradoria-Geral do Ministério Público, de inscrever o acesso à água na legislação como direito humano – incluindo a proteção contra a poluição, as condições de consumo. E ainda não ficará inscrita a inclusão da água como direito humano (CNMP, dezembro 2017) – embora em muitos lugares a água defina as relações de poder em determinado território.
Também no fórum será discutida a Carta dos bispos do Velho Chico, em que os prelados dessa região, representando 11 das 16 dioceses – “diante do processo de morte em que esse rio se encontra e das consequências que isso representa para a população que dele depende” –, assumem de forma colegiada a defesa do Rio São Francisco, “de seus afluentes e do povo que habita sua bacia”. Nesse documento, denunciam o sumiço de “inúmeras nascentes e pequenos afluentes”; o aumento da água para irrigação, indústria, consumo humano e outros usos econômicos”; a destruição de matas ciliares; o aumento dos conflitos na disputa pela água; “empresas que sempre fazem prevalecer seus interesses e o Estado que acaba por ser o legitimador de um modelo predatório de desenvolvimento”.
O documento propõe, por isso, convocar a população para reforçar as iniciativas populares de recomposição florestal, recuperação de nascentes, revitalização de afluentes, reforçar a ética da responsabilidade ambiental e o modo sustentável de convivência com a Caatinga, o Cerrado e a Mata Atlântica, assim como defender políticas públicas para implementação do saneamento básico e apoio à agricultura familiar, entre vários outros objetivos. Por isso tudo, propõem “uma moratória para o Cerrado por dez anos, para a Caatinga e a Mata Atlântico, biomas que alimentam o Rio São Francisco e dele também se alimentam”.
A prioridade absoluta para a defesa dos recursos hídricos não é pauta prioritária só em discursos no Brasil. Na Índia e na África do Sul, autores que tratam do tema ressaltam que não se trata apenas dos temas habituais de mudanças extremas do clima, colheitas perdidas, vidas abortadas; trata-se também de gravíssimos problemas para a vida urbana, o desenvolvimento industrial e o enfrentamento da pobreza.
Mais de 80% da eletricidade na Índia vem de geradoras térmicas, queima de carvão, gás e combustível nuclear, 90% das usinas de energia térmica são resfriadas por água corrente e 40% dessa água já enfrenta situação muito preocupante. E os governos continuam prometendo que todas as casas terão eletricidade em 2019. O consumo de água deverá multiplicar-se por sete até 2030.
Para esse ano, são apocalípticas as previsões para Cape Town, na África do Sul, uma das maiores cidades do mundo. Na Província de Western , a escassez quase total de energia obrigará a limitar a 87 litros por dia por pessoa o consumo de água bombeada. Mas poderá baixar para 25 litros. E os dramas do clima continuam a crescer assustadoramente, numa estiagem que já dura três anos (Folha de S.Paulo, 3/2)- a pior em um século. A cidade corre para pôr em funcionamento estações dessalinizadoras de água do mar.
Enquanto isso, a cidade de Paris anunciou que, seguindo o exemplo de Nova York e outras cidades norte-americanas, estuda a possibilidade de processar empresas de combustíveis fósseis, por causarem danos ao clima (350 org., 6/2). Também fazem parte do lobby no Grupo de Liderança Climática das Cidades para que Paris, Londres e outras cidades assumam o compromisso de retirar investimentos de empresas de combustíveis fósseis. Sydney e a Cidade do Cabo, além de Berlim, Oslo, Copenhague e Estocolmo já se comprometeram a proibir investimentos públicos em combustíveis fósseis. O Chile anunciou compromissos de eliminar a energia a carvão no país. No Brasil, na cidade de Peruíbe (SP), a pressão popular barrou a construção de uma megausina termoelétrica. Iniciada em 2012, a campanha para reduzir a licença a empresas consideradas mais responsáveis pela crise climática tem levado a baixar rapidamente esses empreendimentos. Em Nova York o prefeito Bill de Blasio anunciou que retirará seus fundos de pensão de US$ 191 bilhões de projetos ligados a combustíveis fósseis.
Pode parecer a muitas pessoas que as campanhas nessas áreas são descabidas. Mas basta lembrar que 1 bilhão de pessoas no mundo não têm acesso a água potável, segundo relatório do Conselho Mundial da Água (Instituto Humanitas Unisinos, 23/1/18): na Ásia são 554 milhões; na África Subsaariana, 319 milhões; na América do Sul, 50 milhões. O consumo de água por pessoa nos países ricos é de 425 litros por dia; nos países pobres, 10 litros. São necessárias de uma a três toneladas de água para produzir um quilo de cereal; até 15 toneladas para um quilo de carne; para produzir as refeições necessárias em um dia para uma pessoa são necessários entre 2 mil e 5 mil litros de água.
Com a população mundial em crescimento e com as questões climáticas se agravando, todos esses números continuarão crescendo rapidamente. É preciso ter pressa para enfrentar essas questões.
*Jornalista e-mail: wlrnovaes@uol.com.br

Justiça barra construção de torres em área de Mata Atlântica no Panamby, OESP





Fundo imobiliário planeja erguer prédios residenciais e comerciais no terreno de 67,6 mil metros quadrados, na frente do Parque Burle Marx; segundo a decisão, zona é de proteção ambiental e tem espécies ameaçadas de extinção. Ainda cabe recurso










Fabio Leite, O Estado de S.Paulo
09 Fevereiro 2018 | 03h00
SÃO PAULO - A Justiça Federal barrou nesta quinta-feira, 8, a construção de um megaempreendimento com prédios residenciais, comerciais e um hotel em área remanescente de Mata Atlântica na frente do Parque Burle Marx, no Panamby, bairro nobre da zona sul de São Paulo. Na decisão liminar (provisória), o juiz Heraldo Vitta, da 21.ª Vara Cível, define que o terreno seja considerado Área de Proteção Ambiental (APP), o que inviabiliza o negócio, e aponta risco a espécies ameaçadas de extinção, como um caramujo que só existe no local. Ainda cabe recurso.


Justiça barra construção de torres em área de Mata Atlântica no Panamby
Moradores da região se mobilizaram contra o projeto. Foto: Amanda Perobelli/Estadão
A decisão acolhe parcialmente uma ação civil pública movida em maio de 2017 pelo Ministério Público Federal (MPF) contra o Fundo Imobiliário Panamby, BRKB Distribuidora de Títulos e Valores Imobiliários S/A e a Cyrela Vermont de Investimentos Imobiliários, donos do terreno. Com 67,6 mil metros quadrados, a área se estende em sete lotes no trecho entre o Burle Marx, incluindo o estacionamento do parque, e a Marginal do Pinheiros. 
Na ação, o MPF pediu também que os atuais proprietários fossem obrigados a recuperar uma área degradada de 2,8 mil m², o que havia sido recomendado pelos procuradores em 2016, mas não foi atendido pelos empreendedores. O juiz, porém, indeferiu o pedido, determinando uma perícia para analisar a possibilidade de regeneração da área, que virou um aterro no meio da mata nativa. 
Após pressão do MPF e dos moradores do Panamby contrários ao empreendimento, a Cyrela chegou a abrir parte da área verde e propôs reduzir a obra a três lotes, alegando que o trecho não configurava uma APP. Na decisão, contudo, o juiz decide que toda a área envolvida no negócio deve ser preservada e obedecer às restrições impostas pela Lei da Mata Atlântica (11.428/2006).
A legislação proíbe o corte de vegetação secundária em estágio avançado e médio de regeneração do bioma Mata Atlântica para fins de loteamento ou edificação quando há espécies de flora e fauna ameaçadas de extinção, como é o caso da área ao redor do Burle Marx. Laudos feitos por biólogos e geólogos desde a abertura do inquérito pelo MPF, em 2014, constataram a presença de 112 espécies de aves, das quais quatro estão ameaçadas de extinção, como o gavião-pombo-pequeno.


Naquele ano, pesquisadores também encontraram no local uma espécie de flora também sob ameaça, a samambaiaçu, e um caramujo que só existe na região, batizado de Adelopoma paulistanum. "Aceitável, portanto, o receio do MPF de as rés privadas atingirem as áreas de preservação, ainda que de forma indireta, tendo em vista todos os laudos e pareceres dos agentes fiscalizadores do meio ambiente que informam a importância da preservação de todo o ecossistema", diz o juiz. Advogado do Fundo Imobiliário, Douglas Nadalini afirmou que ainda vai analisar a decisão. A Cyrela não quis se manifestar.
Poder público. A Justiça também proibiu a Prefeitura e a Companhia Ambiental de São Paulo (Cetesb) de emitirem licença e alvará autorizando a construção sem aval prévio do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama). Segundo a Prefeitura, a análise do alvará pedido pela Cyrela está suspensa. A Cetesb não se manifestou.
"A liminar atende aos anseios de mais de 25 mil pessoas que assinaram o manifesto pela preservação do entorno do Parque Burle Marx", afirma o advogado Roberto Delmanto, presidente da associação de moradores SOS Panamby. Em 2015, o MPF já havia obtido liminar, barrando a construção de torres residenciais em um terreno de 85,2 mil m² ao lado do da Cyrela, também pertencente ao Fundo Imobiliário do Panamby e à construtora Camargo Corrêa, por dano ambiental. 
Caramujo. O Parque Burle Marx abriga, além de animais e plantas da Mata Atlântica, pelo menos uma espécie endêmica, ou seja, que só ocorre na região. Trata-se de um caramujo, de apenas 3 milímetros, que foi descoberto por uma dupla de cientistas em 2014.
"Quando analisamos, vimos que era um animal novo. E resolvemos apresentá-lo ao mundo", conta Luiz Ricardo Simone, professor da Universidade de São Paulo (USP). O nome escolhido para o pequeno bicho foi Adelopoma paulistanum, em homenagem à cidade. A descoberta foi publicada na revista científica Journal of Conchology em 2014 e deu base à argumentação do Ministério Público Federal para pedir o veto a empreendimentos.


Caramujo só existe ameaçado de extinção
Espécie foi descoberta por cientistas em 2014 e nome homenageia a capital paulista. Foto: Imagem cedida por Luiz Ricardo Simone
Simone explica que a existência do caramujo pode indicar que há outras espécies endêmicas na região. "Não só moluscos, mas insetos e até mamíferos. Ele é só a ponta do iceberg", diz. "Usamos esse animal como bandeira para tentar preservar um pedaço de Mata Atlântica ali."
Os hábitos do caramujo ainda não foram detalhados. "Estudando isso, talvez descubramos substâncias que façam a maior falta (como opções de tratamentos para doenças)." A espécie está sob análise de órgão técnico federal, com conclusão prevista para este ano. Para Simone, a devastação da área pode comprometer a espécie. "Mesmo que sobrem poucos, não têm reprodutividade e acabam se extinguindo." 
Outro caso. O impacto a espécies nativas é levado em conta na análise de liberação de obras. Em 2007, por exemplo, o Ibama negou licença para hidrelétricas no Rio Madeira, em Rondônia, sob argumento de que as obras ameaçavam os peixes dourada e piramutaba. O empreendimento foi liberado depois, com ajustes.