Não foi gafe do presidente. Ele é assim. Estava convencido de que era uma homenagem às mulheres quando disse toda aquela coleção de frases feitas e velhas que confirmam o papel tradicional da mulher. Michel Temer, quando organizou seu ministério só com homens, ouviu críticas. Prometeu, então, procurar alguém “do mundo feminino”. Para ele, somos do outro mundo.
É preciso ter estado muito desatento nos últimos 50 anos para não ter visto a revolução passar. Mulheres mudaram tudo: valores, comportamentos, atitudes. Ainda lutam, ainda enfrentam bloqueios e desigualdades, mas estão virando a vida de ponta cabeça desde os anos 1960. Há precursoras antes disso. O livro seminal sobre o assunto é o “Segundo Sexo”, de Simone de Beauvoir, publicado há exatamente 68 anos, cuja leitura ensina sobre a alteridade da mulher: ela é vista como o diferente, o outro, uma pessoa do outro mundo.
Ele sequer notou o que há de errado na frase “o quanto a mulher faz pela casa, o quanto faz pelo lar, o que faz pelos filhos”. Alguém ao seu lado, do grupo que tem se esforçado para dizer que ele foi mal interpretado, deveria informá-lo que isso reforça o detestável estereótipo da “rainha do lar”. As mulheres fazem muito hoje por muito mais: nas escolas, nos hospitais, nas redações de jornais, nas pesquisas científicas, nas companhias aéreas, nas construções, no mercado financeiro, na administração pública, na política, no Judiciário. Difícil é encontrar uma área onde as mulheres não estejam fazendo muito.
Colocando a educação dos filhos como tarefa da mulher, e não dos dois, em outra frase infeliz — “seguramente, isso quem faz não é o homem” — de novo, Temer reforçou o estereótipo. Ao contrário do que diz o presidente da República, isso é seguramente tarefa dos pais, dos dois, e não de uma pessoa só.
O discurso parecia perdido já, sem qualquer chance de salvação, quando Temer lançou uma frase que parecia levar a alguma ideia atualizada. “Eu vou até tomar a liberdade de dizer que na economia também a mulher tem participação”. Seria hora de falar que as mulheres quebraram barreiras na economia brasileira sendo determinantes na direção das empresas, no marketing, no jornalismo econômico, como economistas. E em quanto ainda falta para corrigir-se a ofensiva desigualdade salarial. Ele poderia ter reduzido o dano do seu discurso desatualizado, mas completou o desastre sugerindo que a participação da mulher na economia é fazer as compras de supermercado.
Não é gafe. Esse é o horizonte do seu entendimento. É assim que ele vê a mulher e seu papel na sociedade. O presidente não foi informado de que hoje a tarefa de fazer as compras de supermercado tem sido cada vez mais assumida pelos maridos, e que em lares modernos não se diz mais que a função da mulher é ir às compras para abastecer a despensa. É dos dois.
O presidente sempre diz, e repetiu no discurso, ter aberto a primeira delegacia da mulher. E falou de outra iniciativa. “E sobremais, ainda estabeleci que uma das mulheres teria assento na reunião de líderes, para ter voz e voto”. Nada sobre o fato de que as mulheres deveriam ser líderes, e não ficar de ouvintes nesse colégio.
É difícil explicar o que há de errado com as frases ditas no Planalto, para quem não entendeu até o momento. Felizmente, a maioria do país entendeu. As mulheres estão no meio de travessia difícil em que muito foi conquistado e muito precisa ser conquistado. É um meio do caminho em que há motivo para orgulho, mas também para novos protestos. Ela tem mais escolaridade do que o homem e tem salários menores. Ainda é vítima de violência, mas já denuncia agressores. As desigualdades estão em toda a parte. A luta é contra a ideia de que às mulheres cabe apenas cuidar da casa, dos filhos, fazer as compras de supermercado. E foi exatamente esse estereótipo que se fortaleceu no dia da mulher no Palácio do Planalto.
Quando seu ministério foi organizado só com homens brancos, seus defensores diziam que ele havia escolhido pelo mérito. Ou seja, não havia visto competência que não fosse masculina. Tantas quedas de ministros depois, pode-se perguntar qual era mesmo o mérito dos senhores escolhidos.
(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)