domingo, 30 de outubro de 2016

A falência da Politica, Lourival Sant'Anna, OESP

Muito se tem discutido sobre o futuro do Partido Republicano, quer Donald Trump vença ou não as eleições de 8 de novembro. Isso porque o empresário, em sua primeira disputa de um cargo público, derrotou importantes líderes republicanos nas primárias atropelando dogmas que fazem parte da identidade do partido, como a crença no livre comércio. 
Em uma videoconferência promovida na quarta-feira na Faap pelo consulado americano e pelo Irice, David Kramer, dirigente republicano de Nebraska, considerou “muito exagerada a suposição de que essa eleição será a morte do Partido Republicano”, usando o seguinte argumento: “Mais pessoas votaram nas primárias republicanas este ano do que em toda a história”. 
Além disso, defendeu Kramer, ficou demonstrado que, “pelo menos no Partido Republicano, não são os dirigentes que decidem quem será o candidato a presidente, mas o povo, quer os dirigentes gostem ou não”. Em contraste, continuou o republicano, ficou claro que Hillary Clinton venceu as primárias com o apoio dos “superdelegados”, dirigentes partidários que não precisam seguir o voto dos filiados e representam 15% dos delegados na convenção. Hillary teria derrotado seu rival Bernie Sanders, senador por Vermont, mesmo sem esse apoio, mas é aceitável o argumento de que a certeza de que ela o receberia criou desde o início um ambiente mais favorável a ela.
A segunda parte do argumento é forte, porque sugere o império da democracia no Partido Republicano. Já a primeira parte tem sérias implicações. Significa que a grande participação de filiados nas primárias – provavelmente parte deles novos filiados, atraídos pelo fenômeno Trump – compensa o abandono de posições do partido. Por essa visão, os partidos se reduzem a uma máquina destinada a vencer disputas políticas, independentemente da plataforma de governo defendida. Ou seja, o poder é um fim em si mesmo.
Essa não é a única visão no partido. Em um seminário no dia 14 na Fundação FHC, a estrategista republicana Kori Schake reconheceu que “Trump não compartilha nenhum valor republicano e, se eleito, vai dizimar o partido”. Se perder por pouco, avaliou ela, “isso vai validar suas políticas, e levará à destruição do partido no atacado”. Finalmente, “o mais positivo seria ele perder por muito” – o que parece improvável. 
Schake, que foi assessora da campanha presidencial do senador John McCain em 2008 e de política externa do ex-presidente George W. Bush, declarou que votará em Hillary. Ela ressalvou, no entanto: “Temos de nos apropriar do fato de que esses são os nossos eleitores”.
Rival. Hillary também mudou de posições em relação aos acordos comerciais e ao sistema público de saúde, admitiu a estrategista democrata Penny Lee, que também participou da videoconferência. Essas foram duas plataformas centrais tanto do governo de Bill Clinton quanto do de Barack Obama, com o envolvimento de Hillary. Como primeira-dama, ela foi encarregada de tentar aprovar no Congresso a reforma do sistema de saúde no governo Clinton, e depois foi secretária de Estado no primeiro mandato de Obama. 
Como Kramer assinalou, não é só o seu partido que precisará ser repensado depois dessas eleições: o Democrata também. Afinal, Sanders era um senador independente antes de se lançar à disputa com Hillary nas primárias. E obteve 43,1% dos votos dos filiados, contra 55,2% para Hillary. 
“Normalmente, ter experiência conta a favor, em uma entrevista de emprego”, observou Lee. “Nesse caso, o fato de ter experiência prejudicou Hillary”, continuou a democrata, referindo-se às altas taxas de rejeição à candidata de seu partido, que em algumas pesquisas se aproximam de 50%. “Hillary precisa entender de onde vem essa raiva.”
A rejeição a ideologias partidárias e a políticos experientes não ocorre apenas nos EUA, mas, também, na Europa, onde novos partidos de direita e de esquerda vêm crescendo na Alemanha, França, Reino Unido, Itália, Espanha e Grécia. E no Brasil, onde as eleições municipais deram vitória a candidatos sem experiência política, como no caso de São Paulo, e a partidos pequenos, como no caso do Rio, em que PRB e PSOL passaram para o segundo turno. 
O Brasil está um pouco à frente nesse processo, se é que se pode dizer assim, já que tem 28 partidos com cadeiras no Congresso. Obviamente, não representam 28 propostas do que fazer com o Brasil, mas, sim, 28 oportunidades de negócios – se não mais, considerando facções internas. A proibição das doações por empresas – que é moralizadora, no caso do Brasil – introduziu uma nova vantagem competitiva: candidatos com fortunas pessoais. 
Em São Paulo, o governador Geraldo Alckmin foi quem conseguiu a alquimia perfeita entre as velhas e as novas normas eleitorais. Atraiu o apoio do maior número de partidos, para ter mais tempo no horário eleitoral, e escolheu um candidato com dinheiro para bancar a própria campanha e sem passado político para ser cobrado. Bingo: João Doria obteve 53,3%, mesmo enfrentando rivais altamente competitivos.
O sucesso de Trump e de Doria tem a ver com a dissociação entre política e gestão: muitos políticos se mostram tão maus gestores, e colocam tanto o interesse político-partidário na frente do público, que o eleitor vai buscar alguém com êxito na iniciativa privada. Tudo somado, estamos diante da falência da ideologia, dos partidos e da própria política, tais como os conhecíamos. 

Gestão sem ideologia começa a recuperar a Petrobras - EDITORIAL O GLOBO


O GLOBO - 29/10
Com a defenestração do lulopetismo, empresa passou a ser administrada de forma profissional, e, por isso, preço da ação já quadruplicou

Parece um exercício impossível tentar imaginar como estaria a Petrobras se não houvesse a roubalheira do petrolão, mas fossem mantidas as linhas básicas da gestão estatista, intervencionista, com que a empresa foi tocada nos 13 anos de lulopetismo, período em que a estatal só não teve que pedir recuperação judicial — novo nome de “concordata” — por estar ligada umbilicalmente ao Tesouro.

Mas não é difícil especular com boa margem de acerto. Passando ao largo da discussão sobre se a corrupção é inerente ao estatismo — são estridentes as evidências de que a resposta é positiva —, tudo leva a crer que, mesmo se houvesse sido administrada dentro de razoáveis padrões éticos, a Petrobras estaria com problemas, devido aos erros de visão do lulopetismo.

Talvez, apenas, com dificuldades menos agudas. Os bilhões surrupiados da estatal chamaram a atenção do mundo. Em balanço, já existem R$ 6,2 bilhões contabilizados como perda patrimonial devido à corrupção. Mas, se forem levadas em conta perdas em investimentos malfeitos, induzidos de alguma forma pela quadrilha do petrolão, os prejuízos chegam às dezenas de bilhões.

O uso eleitoreiro dos preços de combustíveis, a política míope de substituição de importações de equipamentos, o afastamento de grupos privados do pré-sal, devido à mudança do modelo de licitações, teriam desestabilizado de qualquer jeito a companhia. A prova está em que correções acertadas têm sido feitas com a saída de Dilma do Planalto, a chegada de Temer e, com ele, Pedro Parente na empresa, e elas passaram a melhorar a avaliação da estatal nos mercados.

A cotação das ações PN da empresa pouco mais que quadruplicou em relação ao início de janeiro (de R$ 4,20 para R$ 18). Com isso, o valor de mercado da companhia passou de R$ 67,8 bilhões, para a faixa acima dos R$ 250 bilhões. A recuperação do preço mundial do petróleo, de US$ 28 para o nível de US$ 50, também ajudou, mas por si só não seria capaz de promover esta valorização da estatal. Mesmo ainda com a maior dívida entre as petroleiras, uma das mais elevadas do planeta, prevê-se que, a médio prazo, a Petrobras voltará a estar no grupo das seis grandes no setor em escala mundial. As perspectivas otimistas se consolidam, com uma política de preços transparente que enfim liga o mercado interno às cotações internacionais. Algo fundamental para melhorar a atratividade de ativos de que a empresa começa a se desfazer, para reduzir o endividamento. Por exemplo, o controle da BR Distribuidora.

Também contribui muito para pavimentar o caminho à frente da estatal a revogação, pelo Congresso, de parte substancial da regulação estatista da exploração do pré-sal, da qual constavam o monopólio da empresa na operação na área e a participação compulsória em 30% de todos os consórcios. Sequer haveria dinheiro para isso.

Com a empresa podendo escolher de qual consórcio participar, e sem o monopólio na operação, tudo ficou razoável. Os capitais privados voltarão a ter interesse no pré-sal, cuja exploração deverá ganhar alguma velocidade.

A mistura de ausência de preconceito ideológico com gestão profissional tem conseguido recuperar a estatal. O caso fica como lição para os partidos políticos.

O preço da greve - EDITORIAL FOLHA DE SP, FSP


FOLHA DE SP - 29/10

O Supremo Tribunal Federal deu mais um passo para corrigir grave omissão do Congresso. Seus ministros decidiram que a administração pública deve descontar do pagamento dos servidores os dias de paralisação do trabalho em decorrência de greve, assunto que desde a Constituição de 1988 espera regulamentação por meio de lei.

Há quase uma década o STF improvisara uma solução para a lacuna normativa ao enquadrar o funcionalismo na Lei de Greve, regime em tese voltado ao setor privado.

Nenhum desses julgamentos, contudo, eliminou —nem poderiam— o caráter incompleto da definição de direitos e deveres de servidores em greve.

Com a decisão desta semana, a regra do desconto dos dias parados, por exemplo, está sujeita a exceções que podem suscitar dúvidas e, pois, mais disputas judiciais.

Não haverá deduções no caso de atraso salarial e na hipótese bem mais discutível de atitude indevida do poder público, como a recusa de negociação. Ademais, se houver acordo entre as partes, os dias de paralisação podem ser pagos.

De mais importante, continua em aberto a questão dos limites do exercício do direito de greve em funções públicas, que obviamente têm características específicas.

Somente uma lei pode determinar quais são os serviços essenciais, que deveriam ser prestados em limites mínimos mesmo durante movimento paredista, ou proibir que certas categorias envolvam-se em mobilizações reivindicatórias.

A decisão do STF reduz o incentivo a atitudes impensadas, à retórica simplista de grevistas irresponsáveis, ao descaso como o cidadão que se vê privado do atendimento de suas necessidades pelo poder público.

A interrupção dos serviços não deveria ser recurso banal da reivindicação trabalhista. A lei deveria estabelecer procedimentos formais e específicos para, primeiro, conduzir a administração pública e os servidores à mesa de negociação; em casos difíceis, a uma instância externa de conciliação e resolução de conflitos.

Antes de tais ensaios compulsórios de acordo, o recurso à greve deveria estar sujeito a sanções.

Algumas dessas diretrizes constam de projeto de lei do senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), de 2011, ora parado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado.

A decisão do Supremo Tribunal Federal deveria servir de alerta para que os parlamentares deem fim a 26 anos de negligência em relação a direitos dos servidores públicos e da população, que não raro se vê desamparada por essa falta de disciplina legal e, muito mais, de serviços já tão escassos.