sábado, 10 de setembro de 2016

Populistas, picaretas e arengueiros ideológicos - BOLÍVAR LAMOUNIER


ESTADÃO - 10/09

Nem todo detentor de mandato eletivo merece ser visto como político


Os áugures da Antiguidade romana tentavam adivinhar o futuro observando o voo de certas aves ou examinando as entranhas de determinados animais. Tenho tentado aprender com eles, observo o voo dos tucanos e de outras espécies que vez por outra sobrevoam o Planalto Central. Graças a tais exercícios, inclino-me a crer que cedo ou tarde a ansiada reforma política será incluída na lista de prioridades.

Reformar a estrutura institucional é realmente um imperativo, mas não creio que seja suficiente. Penso que precisamos também nos entender quanto ao próprio conceito de política, quanto à política que gostaríamos de ter e quanto ao que realisticamente podemos esperar que aconteça nessa área.

No Brasil atual, como em muitos outros países, o cidadão médio parece acreditar que o grande problema é o excesso de política e políticos. Creio que se equivoca redondamente; não vejo excesso, e sim falta. O que temos em excesso são picaretas, populistas e arengueiros ideológicos; políticos, temos muito poucos.

Os arengueiros são os mais fáceis de reconhecer; ouvir a frase inicial de seus bolodórios é o quanto se necessita para prever a vigésima. Hoje em dia, Lindbergh Farias é ao mesmo tempo seu deus e seu profeta, como ficou claro na sessão de 31 de agosto do Senado Federal.

Populistas e picaretas são um pouco mais complicados. Um traço característico dos populistas do mundo inteiro é a gastança, o desatino fiscal. Aí está Dilma Rousseff que não me deixa mentir. Outro traço tipicamente populista, não menos importante, é o desprezo pela ideia de uma ordem normativa impessoal consubstanciada na Constituição e nas leis. Dele decorre o entendimento de que o essencial da vida política é a malícia e o blefe, e, no limite, uma irrefreável propensão a atropelar e subjugar o Legislativo. Essa combinação de malícia e desprezo pelo Legislativo transpareceu com nitidez em 1993, quando o então candidato Lula, com o evidente objetivo de se isolar como líder inconteste do campo populista, afirmou que pelo menos 300 deputados federais não passavam de picaretas.

Longe de mim duvidar da existência de picaretas não apenas na Câmara dos Deputados, como também no Senado e até no Supremo Tribunal Federal (STF), a julgar pela premeditação com que Renan Calheiros e Ricardo Lewandowski executaram o famigerado fatiamento do artigo 52, parágrafo único, da Constituição na sessão final do impeachment. Mas não creio que a Câmara seja majoritariamente integrada por picaretas. Lá, o que mais se vê são políticos que poderiam prestar um bom serviço na esfera dos Estados e municípios, mas acabam descendo de paraquedas em Brasília, transformados em despachantes federais pelo efeito conjunto do gigantismo da Câmara e por nossa capenga Federação, na qual os Estados e municípios sobrevivem numa condição de permanente mendicância.

Seja como for, as observações acima permitem inferir que nem todo detentor de mandato eletivo merece ser visto como político. O arengueiro não o é porque seu objetivo é propagar ideias preconcebidas, e não colaborar com outros integrantes do Congresso no exame de medidas conducentes ao bem comum. Tampouco o picareta de verdade, aquele que ingressa na disputa eleitoral com vista apenas a auferir vantagens pessoais, a receber o salário e as mordomias que o cargo eletivo lhe proporciona, a se promover por todos os meios que fortaleçam seus negócios privados; e até aquele, um tanto simplório, que apenas almeja contentar seu instinto gregário pelo convívio no meio político brasiliense. Nenhum desses enfrentaria as agruras da luta política se dispusesse de alternativas que mais facilmente lhe assegurassem tais vantagens.

Num plano mais geral, sabemos que política é essa luta que existe por toda parte, mediante a qual numerosos indivíduos e grupos tentam se apossar de uma fração qualquer do poder do Estado. Alguns o fazem porque a disputa em si e a eventual vitória lhes trazem recompensas; outros, porque se sentem convocados a colaborar permanentemente na busca de objetivos mais amplos, ligados ao bem comum da sociedade.

Em seu clássico ensaio A Política como Vocação, Max Weber referiu-se a esses dois tipos como aqueles que vivem da e aqueles que vivem para a política. Obcecado pela ideia de uma ciência política isenta de valores, ele não queria saber da expressão “bem comum”. Não se permitindo flertar com Aristóteles, limitou-se a constatar que políticos verdadeiros são os que vivem “para a política”, ou seja, os que a abraçam por vocação, como quem obedece a uma convocação ética ou divina.

Mas, convenhamos, não é em obediência a um chamado divino que populistas, picaretas e arengueiros ingressam na política. Esse é o busílis. Voltando ao início, essa é a constatação que levei em conta ao afirmar que os males do Brasil de hoje não se devem a um excesso, e sim a uma falta de políticos. Por motivos que não posso recapitular aqui, o restabelecimento do regime civil e democrático redundou num crescimento mais que proporcional dos três tipos mencionados relativamente ao político por vocação.

Uma disposição pessoal a lutar pelo poder é uma parte importante do conceito do Homo politicus, mas não o expressa em sua totalidade. Outro elemento importante é a “arte da associação”, ou seja, a capacidade dos membros de uma coletividade de se relacionarem entre si com o mínimo possível de blefe e malícia. Por último, mas não menos importante, com a devida vênia de Max Weber, é entender que o chamado (calling, vocação, Beruf) divino tem que ver com a busca do bem comum. Para os populistas, picaretas e arengueiros ele será sempre um ruído distante.

*Cientista político, é sócio-diretor da Augurium Consultoria e membro da Academia Paulista de Letras

sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Cidade é lugar de pessoas, ANTP

08/09/2016 09:30 - ANTP



Candidatos a prefeito precisam lembrar que "mobilidade é colocar moradia perto do trabalho e que só rua bonita, vibrante faz as pessoas querem caminhar" –Jaime Lerner (Folha de SP)

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Os jornais têm insistido, eleição após eleição, em analisar os problemas das cidades como se fossem setores estanques. Escolhem os principais problemas, colocam-nos em caixinhas separadas, e lhes postam nomes. Virou praxe pesquisar quais os principais assuntos que as pessoas identificam em suas cidades sem, no entanto, aprofundar a relação entre eles.
Falar de moradia e segurança pública, por exemplo, sem cruzar tais assuntos com transporte e trânsito, é uma dessas manias jornalísticas, assim como discutir a questão das calçadas sem levar em conta a importância que o carro tem na vida de muitos cidadãos, o que implica num fator complicador chamado “garagem”. A garagem, extensão do poder que o carro tem na sociedade, invade as calçadas, dá-lhes formatos e inclinações que, antes (e ao invés) de servir ao caminhante, determina uma perversa invasão do asfalto, subvertendo a hierarquia natural onde o pedestre sempre tem (e terá) prioridade.
A última Pesquisa de Percepção de Imagem da ANTP, realizada em 2012, percebeu isso quando passou a incluir, dentro de seus parâmetros de consulta, o que se denominou como ‘acesso ao transporte’. Os deslocamentos diários das pessoas que se utilizam do transporte coletivo não envolvem apenas a utilização de ônibus, trens ou metrô, mas englobam todo o ambiente urbano do entorno do deslocamento. Ou seja: o local onde a pessoa mora, e os problemas urbanos com os quais convive, afetam diretamente sua percepção de qualidade do transporte que utiliza, assim como de outros serviços públicos essenciais para sua vida. Some-se a isso o fator distância, típico das cidades brasileiras construídas à imagem e semelhança do uso do automóvel, onde a renda é inversamente proporcional ao tempo entre residência e trabalho.
Não é de hoje que os problemas urbanos colaboram diretamente para o stress que o cidadão vai acumulando ao longo de sua jornada diária, e que tende a se tornar maior quando entra no meio do transporte coletivo. Melhorias em outros serviços urbanos podem, de outra forma, colaborar com o aumento da qualidade do transporte coletivo na percepção do usuário. Calçadas melhores, informações amigáveis, iluminação pública eficiente, policiamento presente, são itens essenciais para definir o grau de qualidade de qualquer viagem.
Exatamente por isso é que o acesso ao transporte público tem se tornado uma aventura diária em todas as cidades brasileiras, em maior ou menor grau. O usuário se defronta com inúmeros desafios desde o momento em que sai de casa, que passam por maior ou menor insegurança, má iluminação, péssimas calçadas, pontos de ônibus em más condições (quando existem), entre outras tantas dificuldades.
A insegurança, como as calçadas, tornou-se um forte instrumento na desqualificação do transporte coletivo. No primeiro caso, falamos de um assunto cuja alçada é do poder estadual. No segundo caso, as calçadas, o problema é mais complexo ainda, por envolver a maneira como o cidadão enxerga o carro em seu imaginário. Ter um carro, e precisar guardá-lo junto a si, define muitas vezes uma absurda situação em que o veículo acaba por ocupar mais área da residência que um membro da família.
O trânsito é outro fator mais complexo ainda. Depende não só de engenheiros de tráfego, de regras e fiscalização, mas mais ainda da forma como a economia determina os investimentos na área de transportes. E aí o problema tem seu cerne na área federal.
Sistema de Informações da Mobilidade Urbana da ANTP (Associação Nacional de Transportes Públicos), que recém-divulgou seu mais novo relatório com dados atualizados até 2014, mostra o quanto é cruel a tarefa de governar uma cidade. Apesar do transporte não motorizado responder por mais de um terço dos deslocamentos diários (isso nas cidades brasileiras com mais de 60 mil habitantes), o grosso dos espaços e investimentos públicos continua preponderantemente direcionado ao transporte motorizado individual, justamente o que mais impacta nos gastos públicos de saúde pelos acidentes que provoca, pela poluição que causa, além de ser um dos grandes responsáveis pela degradação do transporte coletivo.
Quando candidatos definem suas principais ações eleitorais alardeando benefícios para o uso do automóvel como transporte diário, e ao mesmo tempo prometem para os demais um transporte público de qualidade, com calçadas melhores e acessíveis, é espantoso como não conseguem entender a impossibilidade lógica de se juntar tudo isso numa mesma cidade. Um exemplo dessa dessincronia é observada pelo jornalista Juca Kfoury, ao lembrar que “há candidatos à prefeitura paulistana que prometem restabelecer os limites de velocidade na cidade, aumentando-os para engrossar as fileiras da delegação paraolímpica brasileira — um quinto dela composta por vítimas do trânsito”.
Enquanto continuarmos aceitando lidar com os problemas de forma estanque, ignorando que qualquer cidade é algo complexo e dinâmico, o máximo que poderemos ter serão prefeitos esforçados à frente de cidades ingovernáveis. Ou, no pior dos mundos, prefeitos irresponsáveis à frente de cidades caóticas e desumanas. 

A ANTP lançou uma publicação cujo intuito é o de contribuir nos debates sobre mobilidade urbana nestas eleições. Ela está disponível para download em nosso site, e pode ser apropriada por qualquer instituição que deseje ampliar as discussões sobre o tema, bastando citar a fonte.


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São Paulo conquista 1º lugar em todos os níveis do Ideb, do site PSDB


Pela primeira vez, um Estado alcança primeira posição nos três ciclos avaliados pelo Governo Federal
São Paulo é o primeiro Estado a ocupar o topo do ranking dos três ciclos avaliados pelo Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica). O resultado histórico foi divulgado nesta quinta-feira (8) pelo Ministério da Educação (MEC) e diz respeito às provas aplicadas em 2015. De acordo com os resultados, a rede estadual paulista aparece na 1ª posição na análise do 5º e 9º anos do Ensino Fundamental e 3ª série do Médio.
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Nos Anos Iniciais (1º ao 5º do fundamental), São Paulo ocupa a liderança isolada da faixa, passando de 5,7 em 2013 para 6,4 em 2015. A média é superior à meta estabelecida pelo Governo Federal para o ano de 2019, que é de 6,3. Nos Anos Finais (6º ao 9º do fundamental), mais uma conquista importante: os alunos da rede estadual paulista avançaram de 4,4 para 4,7.
No Ensino Médio, ciclo que reúne a maior quantidade de alunos da rede estadual e os maiores desafios dos educadores de todo mundo, São Paulo também apresentou crescimento na média. Os estudantes saíram de 3,7 para 3,9.
Prova nacional confirma avaliação paulista
Em 2015, os alunos matriculados na rede estadual também obtiveram média histórica no Idesp (Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo). Na última avaliação, todos os níveis de ensino avançaram. No ciclo 1 do Ensino Fundamental, o índice chegou a 5,25. No ciclo 2 do Fundamental, alcançou 3,06 (a meta para daqui a 15 anos é 6,0). No Ensino Médio, 2,25 (a meta é 5,0 em 2030). Para o cálculo, a Secretaria une o resultado do Saresp (em provas de Língua Portuguesa e Matemática) a taxas de aprovação, reprovação e abandono.
Duas décadas
Nas últimas duas décadas, a rede estadual de São Paulo transpôs desafios importantes, como a inclusão escolar e a alfabetização.
São Paulo conta com um currículo unificado para todos os estudantes e materiais didáticos próprios para cada série desde 2008 (o currículo no Brasil está sendo discutido atualmente). Além disso, criou uma escola dedicada à formação de professores (EFAP) e implantou um sistema de meritocracia que bonifica todos os funcionários das escolas que apresentam melhora na qualidade do ensino.
Programas dedicados a ciclos de ensino específicos, como o Ler e Escrever, permitiram que a rede paulista alcançasse o melhor índice de alfabetização do país: hoje 98,7% das crianças até 7 anos sabem ler e escrever. O fato é reforçado com os resultados do índice federal (Ideb), no qual os primeiros anos apareceram em primeiro lugar no ranking Brasil e ultrapassaram, em 2015, as metas estabelecidas para 2019.