sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Cidade é lugar de pessoas, ANTP

08/09/2016 09:30 - ANTP



Candidatos a prefeito precisam lembrar que "mobilidade é colocar moradia perto do trabalho e que só rua bonita, vibrante faz as pessoas querem caminhar" –Jaime Lerner (Folha de SP)

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Os jornais têm insistido, eleição após eleição, em analisar os problemas das cidades como se fossem setores estanques. Escolhem os principais problemas, colocam-nos em caixinhas separadas, e lhes postam nomes. Virou praxe pesquisar quais os principais assuntos que as pessoas identificam em suas cidades sem, no entanto, aprofundar a relação entre eles.
Falar de moradia e segurança pública, por exemplo, sem cruzar tais assuntos com transporte e trânsito, é uma dessas manias jornalísticas, assim como discutir a questão das calçadas sem levar em conta a importância que o carro tem na vida de muitos cidadãos, o que implica num fator complicador chamado “garagem”. A garagem, extensão do poder que o carro tem na sociedade, invade as calçadas, dá-lhes formatos e inclinações que, antes (e ao invés) de servir ao caminhante, determina uma perversa invasão do asfalto, subvertendo a hierarquia natural onde o pedestre sempre tem (e terá) prioridade.
A última Pesquisa de Percepção de Imagem da ANTP, realizada em 2012, percebeu isso quando passou a incluir, dentro de seus parâmetros de consulta, o que se denominou como ‘acesso ao transporte’. Os deslocamentos diários das pessoas que se utilizam do transporte coletivo não envolvem apenas a utilização de ônibus, trens ou metrô, mas englobam todo o ambiente urbano do entorno do deslocamento. Ou seja: o local onde a pessoa mora, e os problemas urbanos com os quais convive, afetam diretamente sua percepção de qualidade do transporte que utiliza, assim como de outros serviços públicos essenciais para sua vida. Some-se a isso o fator distância, típico das cidades brasileiras construídas à imagem e semelhança do uso do automóvel, onde a renda é inversamente proporcional ao tempo entre residência e trabalho.
Não é de hoje que os problemas urbanos colaboram diretamente para o stress que o cidadão vai acumulando ao longo de sua jornada diária, e que tende a se tornar maior quando entra no meio do transporte coletivo. Melhorias em outros serviços urbanos podem, de outra forma, colaborar com o aumento da qualidade do transporte coletivo na percepção do usuário. Calçadas melhores, informações amigáveis, iluminação pública eficiente, policiamento presente, são itens essenciais para definir o grau de qualidade de qualquer viagem.
Exatamente por isso é que o acesso ao transporte público tem se tornado uma aventura diária em todas as cidades brasileiras, em maior ou menor grau. O usuário se defronta com inúmeros desafios desde o momento em que sai de casa, que passam por maior ou menor insegurança, má iluminação, péssimas calçadas, pontos de ônibus em más condições (quando existem), entre outras tantas dificuldades.
A insegurança, como as calçadas, tornou-se um forte instrumento na desqualificação do transporte coletivo. No primeiro caso, falamos de um assunto cuja alçada é do poder estadual. No segundo caso, as calçadas, o problema é mais complexo ainda, por envolver a maneira como o cidadão enxerga o carro em seu imaginário. Ter um carro, e precisar guardá-lo junto a si, define muitas vezes uma absurda situação em que o veículo acaba por ocupar mais área da residência que um membro da família.
O trânsito é outro fator mais complexo ainda. Depende não só de engenheiros de tráfego, de regras e fiscalização, mas mais ainda da forma como a economia determina os investimentos na área de transportes. E aí o problema tem seu cerne na área federal.
Sistema de Informações da Mobilidade Urbana da ANTP (Associação Nacional de Transportes Públicos), que recém-divulgou seu mais novo relatório com dados atualizados até 2014, mostra o quanto é cruel a tarefa de governar uma cidade. Apesar do transporte não motorizado responder por mais de um terço dos deslocamentos diários (isso nas cidades brasileiras com mais de 60 mil habitantes), o grosso dos espaços e investimentos públicos continua preponderantemente direcionado ao transporte motorizado individual, justamente o que mais impacta nos gastos públicos de saúde pelos acidentes que provoca, pela poluição que causa, além de ser um dos grandes responsáveis pela degradação do transporte coletivo.
Quando candidatos definem suas principais ações eleitorais alardeando benefícios para o uso do automóvel como transporte diário, e ao mesmo tempo prometem para os demais um transporte público de qualidade, com calçadas melhores e acessíveis, é espantoso como não conseguem entender a impossibilidade lógica de se juntar tudo isso numa mesma cidade. Um exemplo dessa dessincronia é observada pelo jornalista Juca Kfoury, ao lembrar que “há candidatos à prefeitura paulistana que prometem restabelecer os limites de velocidade na cidade, aumentando-os para engrossar as fileiras da delegação paraolímpica brasileira — um quinto dela composta por vítimas do trânsito”.
Enquanto continuarmos aceitando lidar com os problemas de forma estanque, ignorando que qualquer cidade é algo complexo e dinâmico, o máximo que poderemos ter serão prefeitos esforçados à frente de cidades ingovernáveis. Ou, no pior dos mundos, prefeitos irresponsáveis à frente de cidades caóticas e desumanas. 

A ANTP lançou uma publicação cujo intuito é o de contribuir nos debates sobre mobilidade urbana nestas eleições. Ela está disponível para download em nosso site, e pode ser apropriada por qualquer instituição que deseje ampliar as discussões sobre o tema, bastando citar a fonte.


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