quinta-feira, 14 de julho de 2016

Cão de guarda, POR INÁCIO ARAUJO


Não entendo de ministérios, nem pretendo dizer muito a respeito.
Mas a ideia de colocar o mórbido secretário de Segurança do Alckmin como ministro da Justiça e rsrs Cidadania parece indicar o quão temível será o governo Temer.
(rsrs quer dizer: rir para não chorar…)
O espetáculo começa!
Pode-se argumentar que ele advogar para um suposto evangélico como Eduardo Cunha não significa muita coisa.
Trata-se de um profissional. Afinal, ele é, ou foi, secretário do católico ultramontano Alckmin.
Mas mandar tropa de choque para cima de estudantes é sua especialidade. Não distingue credos.
Matar pobre na periferia é, ao que parece, um prazer partilhado pela sua polícia.
Tratava-se de dar segurança aos paulistas…
Serão agora os brasileiros todos objeto e sujeito de tal conceito de segurança?
A não esquecer que este é o ministério que cuida da Lava Jato…
O Guardian, que não é bobo nem nada, já se deu conta de que a mudança de governo foi uma maneira de muitos políticos jogarem a bomba nas mãos da Dilma enquanto a coisa esfria.
Ou: será o novo ministro o cão de guarda da plutocracia? Ou também: da corrupção que permanece e precisa ser jogada para baixo do tapete?
Ou ainda: até onde é possível perceber, e tirando o vasto vazio da conversa fiada, parece que o único plano real de governo consiste em botar o Lula na cadeia. E ter polícias em alerta para bater nos dissidentes.
Desculpe, Clovis, mas que alguma coisa muda, muda.
O que não muda: o espetáculo continua nos mesmos canais, nos mesmos telejornais.
P.S. – Nenhuma mulher no ministério, reclamam todos.

Mas também nenhum negro… E índio nem pensar… Ninguém se incomoda com isso? Estão fora do espetáculo? (Filme de índio não dá público, sabe-se).

Guinada à direita no Itamaraty


CELSO AMORIM
ESPECIAL PARA A FOLHA
22/05/2016  01h22
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Uma imagem vale mais que cem palavras, diz o provérbio chinês; e uma ação vale por cem imagens, poder-se-ia complementar. E, no entanto, na diplomacia, as palavras podem ter grande peso.
A combinação das palavras com as ações em matéria de política externa, que se ouviram ou viram até aqui, inspira preocupação.
É até compreensível que o novo chanceler do governo interino defenda o processo que o guindou ao cargo, amplamente criticado no mundo, ainda que uma grande parte da população brasileira considere tal processo ilegítimo.
E não estamos falando apenas dos militantes do PT e do PC do B, mas de artistas e intelectuais, que, de maneira intuitiva, interpretam a alma do povo. Certamente, a imagem da equipe do filme "Aquarius", estampada pela Folhaem sua primeira página da edição de quarta-feira (18), contrasta, inclusive por sua diversidade, com as figuras cinzentas que aparecem na cerimônia de posse do presidente interino.
Evaristo Sá -18.maio.2016/AFP
Novo chanceler brasileiro, José Serra, em seu escritório no Itamaraty, Brasília
Por um momento, ao vê-las, com os áulicos de ontem e de sempre, fui transportado aos eventos palacianos do tempo do governo militar, quando não se viam mulheres, negros ou jovens.
O que assistimos no Itamaraty guarda semelhança com esse quadro mais amplo.
Em suas primeiras ações, o novo chanceler disse a que veio: com palavras incomumente duras, que fazem lembrar os comunicados do tempo da ditadura, como a acusação de que governos de países da nossa região estariam empenhados em "propagar falsidades", as notas divulgadas (aliás, estranhamente atribuídas ao Ministério das Relações Exteriores e não ao governo brasileiro, como de praxe, com o intuito provável de enfatizar a autoria) atacam governos de países amigos do Brasil, ameaçam veladamente o corte da cooperação técnica a uma pequena nação pobre da América Central e acusam o secretário-geral da Unasul (União das Nações Sul-Americanas), um ex-presidente colombiano, eleito pela unanimidade dos membros que constituem a organização, de extrapolar suas funções.
Um misto de prepotência e de arrogância pode ser lido nas entrelinhas, como se o Brasil fosse diferente e melhor do que nossos irmãos latino-americanos.
Talvez, por prudência (ou temor do sócio maior dessa entidade), as notas evitaram palavras equivalentes sobre a OEA (Organização dos Estados Americanos), a despeito das expressões críticas do seu secretário-geral e da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Até o momento, eximiu-se de manifestar-se sobre as preocupações expressadas pela pequena, mas altiva Costa Rica, insuspeita de bolivarianismo.
Mas o que mais preocupa é o afã em diferenciar-se de governos anteriores, acusados de ação partidária, como se esta só existisse na esquerda do espectro político. Quando o partido é de direita, e as opções seguem a cartilha do neoliberalismo, não haveria partidarismo. Tratar-se-ia de políticas de Estado.
Há muito que "especialistas", cujos discursos são ecoados pela grande mídia, acusam de "partidária" a política externa dos governos Lula e Dilma, esquecendo-se que muitas de suas iniciativas foram objeto de respeito e admiração pelo mundo afora, como a própria Unasul —aparentemente desprezada pelos ocupantes atuais do poder— os Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul; sem os quais não teria havido a primeira reforma real, ainda que modesta, do sistema de cotas do FMI e do Banco Mundial) e o G-20 da OMC (Organização Mundial do Comércio), que mudou de forma definitiva o padrão das negociações em nível global.
Ao mesmo tempo, busca-se derreter o Mercosul, retirando-lhe seu "coração", a União Aduaneira (para tomar emprestado uma metáfora do presidente Tabaré Vasquez).
Em matéria comercial, o afã em aderir a mega-acordos regionais do tipo do TPP (a Parceria Transpacífico ) denota total ignorância das cláusulas, que cerceiam possibilidades de políticas soberanas (no campo industrial, ambiental e de saúde, entre outros).
Chega a ser espantoso que alguém que se bateu, com coragem e firmeza, pelo direito de usar licenças compulsórias para garantir a produção de genéricos, não esteja informado da existência de cláusulas, intituladas enganosamente de Trips plus (na verdade, do nosso ponto de vista, seriam Trips minus), que, de forma mais ou menos disfarçada, reduzem a latitude para o uso de tais medidas, no momento em que comissões de alto nível criadas pelo secretário-geral da ONU alertam para o risco de debilitar a Declaração de Doha sobre Propriedade Intelectual e Saúde, consagrada pelos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, aprovada pelos chefes de Estado na 20ª Assembleia Geral da ONU.
A África, de onde provém metade da população brasileira e onde os negócios do Brasil cresceram exponencialmente —sem falar na importância estratégica do continente africano para a segurança do Atlântico Sul- ficará em segundo plano, sob a ótica de um pragmatismo imediatista. Sobre os Brics, o Ibas (Índia, Brasil e África do Sul), as relações com os árabes, uma menção en passant. Esqueça-se a multipolaridade, viva a hegemonia unipolar do pós-Guerra Fria. Nada de atitudes independentes.
A Declaração de Teerã, por meio da qual o Brasil, com a Turquia (e a pedido reiterado do presidente Barack Obama, diga-se de passagem) mostrou que uma solução negociada era possível, completou seis anos, no dia 17 de maio. Na época, foi exaltada por especialistas das mais variadas partes do mundo, inclusive nos Estados Unidos. Porém causou horror aos defensores do bom-mocismo medíocre em nosso país.
Mas as elites não terão mais nada a temer. Nenhuma atitude desassombrada desse tipo voltará a ser tomada. O Brasil voltará ao cantinho pequeno de onde nunca deveria ter saído.
CELSO AMORIM, diplomata de carreira, foi ministro das Relações Exteriores (governos Itamar e Lula) e da Defesa (governo Dilma) 
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A outra sucessão, por Janio de Freitas

Já se pode entender a atitude sinuosa de Lula desde que acelerada, há dois anos, a guerra aberta contra ele, contra o PT e contra Dilma. A cada ataque mais infeccioso, Lula falava de uma próxima mobilização petista, do breve início de viagens suas "por este país todo", da ocupação manifestante das ruas. Essas reviravoltas foram propaladas tantas vezes quantas descumpridas por marasmo inexplicado. Seu e do partido a reboque. É, porém, em mais uma sinuosidade que se encontra o esclarecimento.
Diz Lula que pode ser candidato para salvar os programas sociais, mas está trabalhando pela candidatura de alguém mais moço. Ou seja, é possível candidato nas palavras, mas na intenção não é. Não quer ser. Já não queria, vê-se, quando o conservadorismo se organizava para montar a barragem contra sua assustadora candidatura. A vontade negativa prevalece, invalidando as sucessivas promessas de ação. E agora entra, de leve ainda, no tempo de admitir-se.
Para quem goste das especulações infrutíferas, que têm tantos adeptos na imprensa, uma indagação se oferece: se Lula houvesse deixado clara e firme, bem lá atrás, a desistência à candidatura em 2018, a oposição partidária, o grande empresariado e a imprensa fariam a mesma campanha para liquidá-lo? Ou antes achariam mais útil gerar, para os seus interesses, as candidaturas promissoras que até hoje não têm?
Sem Lula na corrida, a situação do PT é dramática. Mas a da oposição não é melhor. Temer assegurou-a publicamente de que não será candidato em 2018, e isso deu maior ânimo aos pretendentes peessedebistas para impulsionar o impeachment que é, na forma, anti-Dilma, e no objetivo, anti-Lula. Mas quem no PSDB imagina que o bando mercantilista do PMDB abrirá mão das bocas riquíssimas, vai aprender o que Dilma demorou, mas aprendeu.
Aécio, Serra, Alckmim, e quem mais sonhe com candidatura no PSDB, estão dependentes do governo Temer. Se o arremedo de administração fracassa, nem passarem de governistas a oposicionistas lhes servirá: vão ser responsabilizados, perante o eleitorado, como criadores gananciosos da aventura que deu em desastre maior que o anterior. E estar dependente da competência e seriedade de Moreira Franco, Geddel Vieira Lima e congêneres é, no mínimo, beira de abismo. Mesmo o mais badalado, Henrique Meirelles, é experiente em área financeira, mas uma incógnita em direção econômica, além de sua visão ilusória da política brasileira.
Na oposição, o PT pode até não se beneficiar em grande escala do fracasso do governo. Mas prejudicado não será, por certo ganha alguma coisa. O PT hoje está como a Rede de Marina Silva, são partidos que dependem só de si mesmos. Se souber aproveitar as circunstâncias, o PT pode mesmo fazer e ter surpresas. Em seguida ao golpe de 64, o PCB recebeu adesões espontâneas no país todo. Era a reação natural dos indignados, que hoje são multidões. Caso o PT encontre alguma criatividade, com campanhas que busquem adesões à restauração da democracia, à defesa de direitos e à conquista de novos, pode dar-se sua tão falada e nunca iniciada refundação.
Muita coisa gira, já, em torno de 2018. O PSDB não tem muito a fazer, por mais que a imprensa faça pelos pretendidos pré-candidatos do partido. Assim como a Rede e o PSOL, os petistas têm escolha entre aproveitar ou não as circunstâncias: com ou sem candidatura de Lula, o futuro do PT não está no futuro, está no presente.
Jogadas
Nenhum interesse carreia mais dinheiro, nem com maior constância, para congressistas e determinados integrantes de governo do que a reabertura dos cassinos. É assim há dezenas de anos. Durante o governo Sarney, viagens de congressistas eram patrocinadas por donos de cassinos de Las Vegas, para se animarem com o jogo lá e, na volta, o promoverem aqui. Amaral Netto, que liderava a bancada do jogo, organizou numerosas caravanas. Em tempos recentes, o destino passou a ser o jogo no Uruguai.

As torneiras dos já donos de cassinos e dos desejosos de o serem, brasileiros e estrangeiros, não secam. 

brexit à beira-mar: cidade mais pobre da Inglaterra optou por sair da União Europeia, Aliás




Como a votação expressiva pela saída da União Europeia no lugar mais pobre da Inglaterra ajuda a explicar a crescente adesão à direita radical no Reino Unido – em Jaywick Sands, onde 70% optaram por sair, desigualdade e despolitização da classe operária oferecem pistas para entender a maior ameaça ao projeto de integração entre nações



Taisa Sganzerla / JAYWICK SANDS, INGLATERRA,
O Estado de S.Paulo
02 Julho 2016 | 16h00

 

Na terça-feira que antecedeu a realização do plebiscito que decidiu pela saída do Reino Unido da União Europeia, um pequeno alvoroço tomava conta da outrora pacata cidade litorânea de Clacton-on-Sea. Uma pequena multidão havia ido às ruas para receber Nigel Farage, presidente do Partido pela Independência do Reino Unido (UKIP) e uma das mais proeminentes figuras da campanha pelo Brexit. De cima de um ônibus panorâmico, Farage discursava para um plateia entusiasmada: “Sei que passei a maior parte da campanha no Norte, nas áreas dos Trabalhistas, mas guardei o melhor para o final, e Clacton é o melhor!”, clamava. Dois dias depois, 70% da população do distrito de Tendring, do qual Clacton é a maior cidade, votariam pela saída da União Europeia.
As palavras de Farage não eram em vão. Clacton, a 138 km de Londres, com 55 mil habitantes, pode ser considerada uma das cidades mais entusiasmadas com o UKIP – tendo eleito um membro do partido para o Parlamento (Douglas Carwswell). Além disso, a região também é conhecida por uma pequena vila costeira, localizada nos arredores de Clacton, a Jaywick Sands. Ou o “lugar mais pobre da Inglaterra”.
Jaywick, onde vivem pouco mais de quatro mil pessoas, fica encravada entre uma bela praia de águas calmas e pântanos salubres. A área sofre com inundações frequentes e por isso há um muro protegendo a orla da areia da praia. Sem calçadas nas ruas, transeuntes disputam espaço com os carros. Esse lugar outrora esquecido virou alvo da imprensa nacional em 2010, quando um estudo do governo central a declarou a cidade mais pobre da Inglaterra – em 2015, na mesma pesquisa, repetiu o feito. Mais de 50% da população da cidade recebia algum tipo de seguro desemprego, segundo um levantamento de 2013 – a média nacional na época era de 11%. No bairro de Brooklands, onde a pobreza é mais visivelmente concentrada, não há um supermercado, restaurante ou pub. A única praça está tomada pelo mato.
Na manhã seguinte à divulgação do resultado, um senhor de cabelos brancos inclinava-se consternado à escrivaninha do pequeno escritório do Partido Trabalhista. “Acordei hoje sem acreditar no que estava vendo”, dizia. O aposentado Daniel Casey, de 71 anos, 45 deles filiados ao partido, liderou a campanha pela permanência na União Europeia, mesmo enfrentando resistência da população. “Fui ameaçado diversas vezes, me chamaram de vergonha para a bandeira.”
Casey é uma voz solitária na região e uma exceção em seu grupo etário: a maioria dos aposentados do Reino Unido votou pela saída. “É claro que já sabia que não tínhamos como ganhar maioria aqui. Mas perdemos em nossos redutos históricos.” Nascido em Londres, aposentou-se há 13 anos e, como fazem muitos dos seus conterrâneos, mudou-se para perto do mar. Consigo, trouxe o seu ativismo no partido e elegeu-se em 2010 ao conselho do distrito de Tendring representando Jaywick Sands. No ano passado, perdeu a cadeira para um candidato do UKIP.
Mas na empobrecida Jaywick, Casey pregou no deserto. “Fui crescendo e vendo as coisas morrerem ao meu redor”, diz Daniel Sloggett, 41, que se mudou com a família para Jaywick, quando tinha 10 anos. “Pubs, casas noturnas, restaurantes... Tudo foi fechando até não sobrar mais nada.” Danny, como é conhecido na vizinhança, nunca se formou em uma universidade e trabalha com construção – a sua casa, onde vive com a filha de 17 anos, foi ele próprio quem fez.
Assim como outras casas da vizinhança, um cartaz da campanha “Vote Leave” está pregado à porta. “Não entendo muito de política, mas quero ver quais são as chances da Inglaterra sem a Europa. Porque obviamente temos uma grande história. Ganhamos guerras, tínhamos colônias no mundo inteiro.” Com relação à imigração, Danny acha que “passou um pouco dos limites”. “Muitos vêm apenas para se aproveitar dos nossos benefícios, do NHS (Serviço Nacional de Saúde). E aí fica difícil para a gente que realmente precisa deles. Mesmo que eles precisem, acho que temos que dar prioridade a quem é daqui.”
Na manhã seguinte à votação do referendo, carros circulavam por Jaywick com bandeiras da Inglaterra presas às janelas. Nas portas das casas, adesivos já gastos pelo salitre com os dizeres “Vote Leave” ou “Grassroots Out” – as duas principais campanhas pelo Brexit. Alguns ostentavam pôsteres de Douglas Carwswell, o primeiro membro do Parlamento britânico eleito pelo UKIP. “É claro que estou feliz com o resultado”, diz o encanador Raymond Tearle, de 64 anos, 28 deles morador de Brooklands, enquanto tomava uma cerveja na frente de casa. “Imigração é o problema, né? Um imigrante chegando nesse país a cada dois segundos. Não tem como sustentar isso.”
Segundo Jackie Steers, coordenadora do Centro Comunitário de Jaywick, localizado em Brooklands, o problema de Jaywick é a falta de emprego. “O único tipo de emprego nessa área é sazonal, e olhe lá. A única chance de ganhar dinheiro é ir a Colchester ou Londres. Se você não tem carro, tem que contar diariamente com o ônibus até Clacton para pegar um trem, o que não é exatamente uma maravilha.” Ela mesma vive em Jaywick desde 1984 e reconhece que a cidade já viu tempos melhores. “Quando a gente vê filmes antigos, dos anos 60, é impressionante, as pessoas andavam arrumadas nas ruas. Era tudo mais organizado, não tinha lixo pelo chão.”
Na biblioteca local, a bibliotecária Jean Bonnet, de 79 anos, diz que vive com uma aposentadoria confortável, mas reclama da falta de emprego para os jovens. “Meu neto tem 19 anos, tirou uma licença para operar máquinas na construção civil, mas não tem construção nenhuma por aqui. Precisa ir a Colchester de trem todos os dias, e os locais de trabalho são sempre distantes da estação.” Ela também diz ter votado pela saída. “Foi para isso que meu marido lutou na guerra. Pela nossa independência.”
Avanço do UKIP. Fundado por um professor da Escola de Economia de Londres (LSE) no início dos anos 90, o UKIP nasceu com uma única agenda: a saída do Reino Unido da União Europeia. Se antes compreendia a si próprio como um mero grupo de pressão, condenado às beiradas da política institucional e só conseguindo votações expressivas nas eleições ao Parlamento Europeu, provou-se nos últimos 10 anos um desafio verdadeiro aos grandes partidos. Nas eleições gerais de 2015 conseguiu 12,8% dos votos – além da eleição de um parlamentar, que inaugurou a presença do partido em Westminster ?, contra apenas 3,2% em 2010 e 2,3% em 2005.
Mas o que explica o crescente sucesso do UKIP em lugares tão empobrecidos quanto Jaywick? Para o cientista político da Universidade de Manchester Robert Ford, autor, junto com Matthew Goodwin, do livro Revolt on the Right – explaining the support for the radical right in Britain (em tradução livre, “Revolta na direita – explicando a adesão à direita radical no Reino Unido”, Routledge, 2014), a chave está nas mudanças sociais pelas quais passaram o Reino Unido nos últimos 20 anos, que excluiu um grupo social do processo – notadamente aqueles que não foram à universidade. “Existe toda uma cadeia de valores que, hoje, está fortemente ligada a uma formação universitária. Visões progressistas quanto às liberdades civis, apoio à imigração, e uma visão de mundo mais cosmopolita. Enquanto quem não se formou numa universidade tende a não compartilhar desses valores.”
Para Ford, o processo de globalização que mudou o perfil da economia do Reino Unido nas últimas três décadas não beneficiou igualmente todos os grupos sociais, e o apoio à direita radical do UKIP está ligado a isso. Por exemplo, em 1964, quando o Partido Trabalhista venceu as eleições gerais sob a liderança de Harold Wilson, metade da força de trabalho do país estava empregada em posições colarinho azul (classe operária), 70% não tinham qualificações formais, 40% da força de trabalho participavam de algum sindicato e 30% viviam em moradias sociais.
Em 1997, quando Tony Blair foi eleito também com uma votação expressiva, sua vitória foi dada por um eleitorado bem diferente: apenas 30% exerciam profissões de colarinho azul, 50% não tinham qualificações formais, 14% viviam em moradias sociais e apenas 20% participavam de sindicatos – e na era Blair, o próprio perfil do movimento sindical no Reino Unido já havia mudado significativamente, com os exércitos de mineiros, maquinistas e ferreiros perdendo o protagonismo para professores, enfermeiras e outros servidores públicos da classe profissional.
“Aqueles sem educação formal têm sido barrados dos benefícios do progresso econômico. Eles não veem as possibilidades de emprego que possivelmente viam há 30 anos, quando tínhamos grandes indústrias de manufatura”, diz. Para ele, não quer dizer que os eleitores que votaram “Leave” façam um cálculo econômico específico, e sim que se trata de uma percepção geral, e isso inclui a questão da imigração. “Apesar de todo mundo dizer o tempo todo como a imigração é algo bom, essas pessoas não veem nenhum benefício tangível em suas vidas. O que eles veem são milhões de pessoas vindo para a Inglaterra em busca de uma vida melhor e sendo bem sucedidas nisso, enquanto não veem nenhuma melhora para si próprios.”
A semana que se seguiu à divulgação ao resultado, o Reino Unido parece ter sido jogado no caos. O primeiro ministro David Cameron renunciou ao cargo, a Escócia discute realizar um novo referendo pela independência do Reino Unido e até a reunificação da Irlanda voltou à pauta. Nas redes sociais, uma petição para a realização de um novo plebiscito chegou a mais de 2 milhões de assinaturas e travou o site do Parlamento. Nas ruas, protestos pró-permanência aconteceram de maneira espontânea em frente a Westminster. Mais de 100 casos de racismo foram reportados em todo o país – algo que acredita-se estar relacionado ao resultado do plebiscito. Em meio à turbulência, é o UKIP de Nigel Farage a força política que pode ter saído vitoriosa.
Uma nova Jaywick. No último ano, Jaywick finalmente recebeu um pouco de investimento, pela primeira vez em muito tempo. O conselho municipal destinou £ 5 milhões para asfaltar as ruas, que não eram reformadas desde os anos 50 – muitas ainda eram de terra. No ano passado, uma companhia de energia instalou, sem custos, um sistema de aquecimento moderno e mais barato em algumas casas, como parte de um projeto social.
Para Danny Sloggett, que nas horas vagas mantém um canal no YouTube registrando o cotidiano da comunidade e sonha com uma carreira na televisão, as pequenas melhoras e o voto pela saída fazem parte de uma narrativa só – inauguram um novo capítulo em sua vida. “Jaywick está melhorando. Conseguimos finalmente que asfaltassem as ruas. Vamos deixar a União Europeia. Estamos tomando o controle de volta das coisas. Daqui a uns anos, Jaywick pode voltar a ser o que já foi um dia.”

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