domingo, 22 de maio de 2016

Suíços discutem renda mínima de US$ 2,5 mil, OESP


No próximo mês, país vota projeto que estabelece que cada cidadão terá direito a uma renda básica garantida até o fim da vida

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Jamil Chade / GENEBRA
14 Maio 2016 | 16h 23
Foco. Para criadores do projeto, renda básica pode trazer ‘existência digna e participação'
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Em 1516, em seu livro Utopia, o britânico Thomas More relatava uma conversa entre um bispo e um viajante. Ambos debatiam a pena de morte e chegavam à constatação de que ela não estava sendo eficiente para frear a onda de assaltos. Ao examinar eventuais soluções, uma delas foi escolhida como a mais adequada. “Em vez de infligir punições horríveis, seria muito melhor prover a todos algum meio de subsistência, de tal maneira que ninguém estaria se submetendo à terrível necessidade de se tornar primeiro um ladrão e depois um cadáver”, disse More.
De uma forma revolucionária, ele propunha pela primeira vez que uma renda básica fosse criada como forma de garantir que todos tivessem uma forma de sobreviver.
Exatos 500 anos depois, o que era uma utopia ganha sua primeira chance de se tornar uma realidade para todo um país. Ironicamente, será justamente num dos países mais ricos do mundo, com um índice de desemprego de menos de 4% e com as menores taxas de criminalidade do mundo: a Suíça.
No próximo dia 5, os suíços vão às urnas para dizer se aceitam ou não uma proposta para a criação de uma renda básica incondicional, que seria dada do nascimento à morte de todos os cidadãos, independentemente de sua profissão, grau de escolaridade, fortuna acumulada ou história pessoal.
Os proponentes da ideia apontam que esse salário seria a maneira de garantir “uma existência digna e a participação na vida pública”, seja qual for a circunstância. Para a entidade Bien (sigla em inglês para Basic Income Earth Network), a proposta pode erradicar a pobreza e acabar com a dependência em sistemas de ajuda social.
Liberdade. A tese é de que, sabendo que contam com uma renda básica, as pessoas teriam a liberdade de escolher suas profissões, agir de forma voluntária para causas sociais, passar por períodos de treinamento e mesmo se concentrar em suas famílias. O argumento aponta até mesmo para o fato de que a produtividade de uma economia poderia aumentar, com as pessoas livres para serem criativas, testar ideias e projetos.
“Precisamos de uma renda básica para permitir que cada pessoa seja seu próprio empresário”, defende o vice-presidente da Bien, Gabriel Barta.
No texto que vai a votação nacional, o valor da renda não está estabelecido. Mas aqueles que defendem a ideia trabalham com uma projeção de que ela seria estabelecida em cerca de 2,5 mil francos suíços por mês para cada adulto (o equivalente a US$ 2.562, ou a R$ 8.976, pelo câmbio de sexta-feira). Menores de 18 anos ganhariam 625 francos (ou R$ 2.244).
Na prática, quem ganha menos que a base receberiam um acréscimo para garantir que tenham uma renda de pelo menos 2,5 mil francos.
Em março, para promover a ideia, o campo do “sim” no referendo distribuiu notas de 10 francos para cada pessoa na estação de trem de Zurique. O objetivo era sensibilizar os eleitores de que não deveriam viver suas vidas baseados em necessidades financeiras.
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A economia agropecuária brasileira. O que fazer?, OESP


Dinamização do setor agropecuário teria efeitos positivos, por sua capilaridade, sobre toda a economia
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15 Maio 2016 | 05h 00
São notórios os inúmeros fatos e estatísticas que apontam e comprovam o sucesso da agropecuária empresarial brasileira. Entre 1990 e 2015, o saldo comercial total do Brasil atingiu US$ 380 bilhões, mas somente foi positivo porque a agropecuária contribuiu com US$ 942 bilhões nesse período, enquanto a contribuição dos demais setores econômicos foi negativa em US$ 562 bilhões, assim indicando um setor que tem sido, de fato, a salvação da economia brasileira. Essa é uma das evidências acerca do novo sistema agroalimentar brasileiro, fortemente movido pela busca permanente da produtividade, a excelência produtiva e a eficiência econômico-financeira.
Apresenta-se nesse breve documento um conjunto de proposições sobre ações consideradas urgentes. Espera-se que possam ser discutidas e implantadas e seu foco primordial é a economia agropecuária brasileira. São argumentos oferecidos às autoridades do País como contribuição para o enfrentamento da atual crise econômica e se referem a ações assentadas em dois pressupostos determinantes. Primeiramente, a verificação de ser gigantesca a crise fiscal e, em consequência, os recursos disponíveis são (ainda mais) escassos e, necessariamente, as iniciativas precisarão conformar-se a uma rígida escala de prioridades. Em segundo lugar, a certeza de ser a dinamização produtiva do setor agropecuário uma das principais vias de superação da atual crise econômica (senão a principal), por seus efeitos de capilaridade virtuosa em todo o restante da economia, também influenciando positivamente inúmeras regiões do interior.
A dinamização produtiva do setor é uma das principais vias de superação da atual crise econômica
Os temas propostos são concisamente apresentados a seguir e organizam-se em torno de eixos estratégicos, os quais sustentam que a economia agropecuária e suas organizações, em associação com as iniciativas governamentais, devem:
(i) Fomentar o crescimento produtivo e ampliar o comércio global, assegurando assim que o setor possa manter seu indiscutível papel positivo na economia, sobretudo em um período de crise;
(ii) Estimular os investimentos, desde aqueles em torno das cadeias produtivas, incluindo a recuperação do setor de bioenergia, ou então aqueles destinados à infraestrutura logística;
(iii) Mitigar tensões sociais no campo, a partir de uma forte estratégia de debates públicos com as diversas organizações e os atores sociais envolvidos;
(iv) Liderar a elaboração de uma estratégia de desenvolvimento rural para o Brasil, a qual possa ser posta efetivamente em execução a partir de 2017-2018.
São os seguintes os principais temas e as propostas sugeridas:
1. Produção e comércio
(a) É urgente estabelecer prioridades (em face dos recursos escassos) no tocante ao aperfeiçoamento rápido da infraestrutura que maximize o crescimento sustentável e sustentado do setor nos próximos anos. Uma agenda que sinalize o rol de obras que realmente serão concluídas, estimulando novos investimentos dentro e fora da porteira. Essa agenda incluiria, prioritariamente, ajustes e ampliação do programa de financiamento destinado à construção de armazéns privados; o encaminhamento da solução definitiva da expansão e da qualidade da malha viária que liga o Centro-Oeste aos portos e pontos de embarque e, finalmente, a modernização dos portos de exportação;
(b) Concretizar uma ação de colaboração estatal e privada efetivamente agressiva em relação aos mercados de exportação, realizando esforços de conhecimento acerca da segmentação desses mercados em termos dos níveis de renda e as características das demandas diferenciadas. As exportações são hoje concentradas em matérias-primas de baixo ou nenhum processamento agroindustrial. Os objetivos principais são dois: elevar a participação de produtos industrializados na pauta de exportações e, adicionalmente, adensar as cadeias produtivas, gerando mais emprego e renda no País, desenvolvendo capacidades que permitam ao Brasil produzir e exportar produtos portadores de mais tecnologia e inovações, mais valorizados nos mercados internacionais do que as commodities;
(c) Estabelecer programas de estímulos (creditícios ou de outra natureza) destinados ao aumento da produção sustentável, baseada fundamentalmente em ganhos de eficiência e elevação da produtividade. Para esse intento, entretanto, são necessários esforços muito mais criativos e decisivos para oferecer novas fontes de financiamento para a agropecuária, em face do visível esgotamento relativo da via convencional de mobilização de recursos para assegurar o Plano Safra, em cada ano;
(d) Garantir a permanência nos mercados internacionais já conquistados, mas ensejando esforço mais robusto para conquistar a exportação de mercadorias agropecuárias brasileiras também em novos mercados. Apenas por essa via será possível incluir economicamente um número crescente de produtores rurais brasileiros, pois o crescimento do mercado interno é mais lento e a exportação é a única saída de curto prazo para uma proporção expressiva de produtores de tamanho médio;
(e) Sob tal estratégia, uma ação de maior agressividade no confronto com as barreiras comerciais ainda existentes, sempre ressaltando que o comércio externo é absolutamente fundamental e não pode falhar, pois, se assim não for, destruiria tudo o que já foi conquistado em termos da modernização da agropecuária brasileira;
(f) Atualmente, uma pequena proporção de produtores rurais responde por 90% do total da produção agropecuária, com parcela considerável dedicada à venda nos mercados externos. Embora tecnologicamente muito avançados, precisam ser acompanhados pelo Estado brasileiro, pois se forem bem-sucedidos em sua integração aos mercados globais, também estarão assegurando o abastecimento interno com solidez. Para tanto, é preciso intensificar o diálogo e as parcerias com o setor privado da agropecuária.
2. Desafios estratégicos (principais) dentro da porteira
(a) No tocante aos estabelecimentos rurais mais modernizados, o objetivo, de curto a médio prazo, será concretizar em proporções crescentes uma “agricultura de precisão”, expressão que sugere a combinação de diversas tecnologias, inclusive de gestão, as quais poupem recursos naturais, maximizem as sinergias internas aos estabelecimentos, potencializem a eficiência tecnológica e econômica e ampliem as chances de rentabilidade final da atividade. A agricultura de precisão é o fundamento econômico e técnico da intensificação sustentável na agricultura moderna;
(b) A agricultura brasileira está submetida a um contexto de intensa concorrência que, se por um lado, tem operado como força motriz para a elevação dos patamares de produtividade e o fomento às inovações, por outro, também tem produzido processos nítidos de darwinismo social. É preciso difundir mais informações para minimizar as imperfeições de mercado e oferecer mais chances de sobrevivência aos produtores de menor porte econômico;
(c) É preciso avançar muito mais na concretização de uma “agropecuária sustentável”. Os avanços notáveis em produtividade têm garantido efeitos poupa-recursos (especialmente no que diz respeito ao uso da terra), além de aprofundar a consciência ambiental dos produtores. O Código Florestal, no geral, foi um avanço para esse objetivo, mas é preciso realizar mais para garantir a eficiência econômica e produtiva em correspondência com a sustentabilidade ambiental;
3. Estado e políticas para as regiões rurais
(a) Estabelecer uma lógica de ação governamental muito mais consistente e consequente. A existência de dois ministérios competidores entre si, um dedicado à agricultura empresarial e o outro aos produtores mais pobres, perdeu o seu significado. Propõe-se a extinção de ambos, o Mapa e o MDA, e a constituição de único ministério, o qual poderia ser intitulado Ministério do Desenvolvimento Rural. O novo ente público poderá criar sinergias operacionais, reduzir custos e estabelecer uma estratégia de ação governamental que interrompa a divisão social e, pelo contrário, estimule as formas de cooperação entre os produtores, sobretudo as organizacionais;
(b) A política de redistribuição de terras mostrou-se incapaz de oferecer chances econômicas às famílias rurais mais pobres e não alterou os índices de concentração fundiária. Como não existe mais demanda social pelo acesso à terra, a extinção do Incra é uma consequência lógica e deveria ser substituído por um Instituto de Terras, conforme propõe o sindicato dos técnicos da autarquia;
(c) Os assentamentos rurais deverão ser objeto de políticas públicas únicas destinadas ao grande público dos pequenos produtores (a chamada “agricultura familiar”), sendo abandonada a distinção programática e de políticas diferenciadas entre as categorias de produtores;
(d) O Estado precisa organizar mais eficientemente um serviço de defesa sanitária, assegurando a proteção da produção, mas minimizando os riscos sanitários, introduzindo cuidados que os mercados e a população exigem e, assim, reduzindo ao mínimo as ameaças desse campo;
(e) Em relação às políticas mais tradicionais que fazem parte do cardápio atual do Mapa e do MDA, a maioria delas precisa sofrer uma atualização correspondente às transformações estruturais recentes da agropecuária, pois estão obsoletas. Para isso, é urgente o desenvolvimento de um conjunto de mudanças administrativas, no âmbito do Estado e na esfera privada, para criar uma genuína agenda de ações nas regiões rurais que possa promover a prosperidade social, com equidade, inclusão produtiva e sustentabilidade. Como são muitas as recomendações sob esse foco, registre-se nesta parte apenas a proposição geral relativa à necessidade de mudar substancialmente a ação governamental;
(f) A agropecuária é uma “ilha cercada de riscos”. Precisamos de mecanismos de gestão de riscos sustentáveis para todos os envolvidos: produtores, Estado e indústria de seguro. Não obstante a crise fiscal, o seguro agrícola pode ser consolidado no País, também aperfeiçoando as demais ferramentas de gestão de risco;
(g) Assim como ocorre em outros países que ostentam uma agropecuária forte, como é o caso dos Estados Unidos, o Brasil deveria também instituir e atualizar regularmente sua lei agrícola, organizando normativamente o funcionamento da ação governamental e justificando o conjunto de políticas existentes;
4. Desafios estratégicos (principais) fora da porteira
(a) É preciso estabelecer diversas iniciativas e esforços, ainda que sob projetos-piloto, em regiões determinadas e sob focos específicos, para desenvolver a miríade dos novos produtos que estão sendo propostos. Desde os biocombustíveis de novas gerações aos plásticos biodegradáveis que talvez possam ser gerados pelo setor alcoolquímico, dos alimentos nutracêuticos à nanucelulose;
(b) Um esforço de urgência estratégica se relaciona ao conhecimento fino das demandas dos consumidores oriundas dos múltiplos mercados, seja o interno ou os mercados globais. São demandas diferenciadas decorrentes da difusão da informação, de um lado, e da elevação dos níveis de renda, por outro lado. O Brasil poderá ser um dos maiores beneficiários desse conhecimento sobre os novos mercados e as novas demandas atualmente sendo apresentadas.
5. O desafio estratégico redistributivo – a nova forma da questão social
(a) Uma alta proporção de estabelecimentos rurais (algo entre 75%-85% do total) ficou à margem do processo de modernização produtiva, sendo muito pobres. A tecnologia moderna, mesmo quando acessível, não tem sido o caminho econômico para esses produtores rurais. Atualmente, seu maior desafio é o organizacional, o que permitirá a esses pequenos estabelecimentos rurais vender seus produtos competitivamente, igualmente comprando insumos em condições mais favorecidas. Por essa razão, um esforço forte e efetivo necessita ser incentivado em relação à multiplicação das cooperativas, beneficiando-se das experiências bem-sucedidas já existentes, especialmente no sul do Brasil, pois poderão servir de modelos para regiões e atividades nas quais se concentrem atividades agrícolas mantidas por pequenos produtores. Minimizar a pobreza rural vai demandar a combinação de diversas ações, sobretudo públicas, para criar mais oportunidades para as famílias rurais afetadas;
(b) Deve-se desenhar, com urgência, uma estratégia específica para o Nordeste rural, onde se concentra a metade das famílias rurais consideradas tecnicamente pobres. A ação deverá combinar iniciativas agronômicas e produtivas, assistência técnica apropriada, esforços para garantir acesso à água, assim como políticas públicas de sustentação de renda mínima, as quais garantam melhores condições de vida;
(c) Se não for desenhada uma estratégia correta destinada a esse vastíssimo grupo social de pequenos produtores, atualmente encurralado pelas forças econômicas e pelos processos sociais e demográficos nas regiões rurais, o Brasil poderá repetir, no próximo decênio, o mesmo fenômeno ocorrido nos Estados Unidos, entre o pós-guerra e até o fim da década de 70, que foi a eliminação de pouco mais da metade dos imóveis rurais existentes.
6. Ações de médio prazo: pesquisa agrícola e legislação trabalhista
(a) A agropecuária brasileira, particularmente nas regiões mais dinâmicas e em seus ramos produtivos de maior densidade monetária, é movida celeremente pelo conhecimento científico e a sua tradução prática em inovações e novas tecnologias. A pesquisa agrícola é um pressuposto essencial à continuidade do processo de aperfeiçoamento produtivo do setor. Mas o chamado “sistema nacional de pesquisa agrícola” (a Embrapa e os organismos estaduais de pesquisa agrícola) precisa passar por uma reestruturação que o faça mais convergente com as exigências atuais do crescimento agropecuário. São urgentes as medidas de desburocratização da pesquisa agrícola, realizando-se esforço que concretize as chances de promover atividades mais ágeis, sem a problemática camisa de força que atualmente tolhe o desenvolvimento do setor. A Anvisa, por exemplo, precisa ser capaz de aprovar muito mais rapidamente as novas ofertas tecnológicas, de moléculas aos diferentes processos inovadores que promovam a integração virtuosa entre a ciência e a produção;
(b) Especificamente em relação à Embrapa, duas exigências em relação ao período vindouro são necessárias. A primeira delas é instituir normativamente um processo de ocupação de seus cargos dirigentes que seja essencialmente público, transparente e fundado exclusivamente no mérito. O segundo tema diz respeito ao forte investimento que a Empresa deveria realizar no campo da “biologia pura”, pois é campo multidisciplinar no qual as tendências de transformação produtiva mais têm avançado;
(c) Um desafio igualmente problemático e que somente produzirá resultados no médio prazo diz respeito à legislação trabalhista, em face da natureza distinta das atividades agropecuárias. A legislação não atende a essas especificidades e, também, às mudanças que vêm ocorrendo no campo, as quais exigiriam adaptações diversas. Esse é tema de difícil discussão política, mas precisará ser enfrentado nos anos vindouros, como uma exigência para a continuidade da modernização do setor.
ANTÔNIO MÁRCIO BUAINAIN
ECONOMISTA E PESQUISADOR DO INSTITUTO DE ECONOMIA DA UNICAMP
ARNALDO JARDIM
ENGENHEIRO CIVIL, ATUAL SECRETÁRIO DE AGRICULTURA DE SÃO PAULO
ELISEU ALVES
ECONOMISTA E PESQUISADOR DA EMBRAPA
JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS
ECONOMISTA E DIRETOR-PRESIDENTE DA MB ASSOCIADOS
OCTACIANO NETO
SOCIÓLOGO E ATUAL SECRETÁRIO DA AGRICULTURA DO ESPÍRITO SANTO
ZANDER NAVARRO
SOCIÓLOGO E PESQUISADOR DA EMBRAPA

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quarta-feira, 18 de maio de 2016

O tamanho da encrenca - ALEXANDRE SCHWARTSMAN Folha de S. Paulo - 18/05



As contas públicas se encontram em estado grave, fruto de anos de descaso, e a solução para o problema envolve uma equação política complicada. Não está claro que o novo governo consiga resolvê-la, embora suas chances sejam bem melhores do que as da administração anterior.

Para dar uma ideia do tamanho da encrenca, no ano passado o governo federal gastou quase R$ 1,2 trilhão (é "trilhão" mesmo), quase um quinto de tudo o que foi produzido no país, o PIB, em 2015. O conjunto dos Estados gastou R$ 536 bilhões, quase um décimo do PIB.

Sem contar, portanto, os mais de 5.500 municípios, a despesa não financeira do setor público "comeu" pouco menos de 30% do PIB, montante que deve se manter aproximadamente constante em 2016. Muito gasto, mas pouco investimento, que, entre Estados e União, não passou de 2% do PIB, irrisório diante das necessidades do país.

Não é só o tamanho do gasto que preocupa; também seu ritmo de crescimento tem superado persistentemente o do produto. Entre 2012 e 2015, descontada a inflação, os gastos federais cresceram 5% ao ano, enquanto no caso dos Estados a expansão foi algo mais modesta, na casa de 2% ao ano. Já o PIB...

Essa dinâmica perversa se origina principalmente do dispêndio obrigatório do governo, que subiu 6% ao ano no caso do governo federal e 3% ao ano para o conjunto dos Estados. Os motivos são vários: regras de reajustes de Previdência e funcionalismo, ausência de idade mínima para aposentadoria, vinculações orçamentárias, limites mínimos para certas despesas, para mencionar apenas alguns.

Isto se traduz num Orçamento público no Brasil extraordinariamente amarrado. No caso federal, de cada R$ 100 de gasto, o governo pode dispor livremente de pouco menos de R$ 10; o resto é mandatório.

Boa parte disso resulta de disposições constitucionais, algumas datando ainda de 1988, outras de períodos mais recentes. De uma forma ou outra, contudo, significam que, sem mudança de regras, as despesas seguirão crescendo em ritmo superior ao do PIB, impossibilitando na prática qualquer ajuste fiscal e, portanto, o controle do endividamento público.

A conclusão inescapável é que a principal tarefa da nova administração envolve convencer o Congresso a mudar a Constituição para adequar o ritmo de crescimento das despesas à expansão do PIB, escapando da armadilha em que fomos colocados pela política econômica anterior.

No entanto, o que parece óbvio para nós, tecnocratas, envolve custos significativos para qualquer político, que certamente terá imensas dificuldades para explicar a seu eleitor ter apoiado medidas que postergaram seu acesso à aposentadoria ou que reduziram o montante de recursos direcionado à saúde ou à educação.

Houve, é bom que se diga, momentos em que o país conseguiu se mobilizar para levar adiante reformas significativas, esforço que se estendeu por vários mandatos, de Collor a Lula, e que foi imprudentemente negligenciado nos últimos dez anos.

Não é claro, porém, que a atual configuração das forças políticas se alinhe no sentido de avançar sobre esses temas; pelo contrário, o Brasil permanece dividido, se não hostil, à mensagem reformista. Apesar de bons nomes na equipe econômica, simplesmente não consigo ficar otimista com o que nos espera.