Dinamização do setor agropecuário
teria efeitos positivos, por sua capilaridade, sobre toda a economia
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Maio 2016 | 05h 00
São notórios os inúmeros fatos e
estatísticas que apontam e comprovam o sucesso da agropecuária empresarial
brasileira. Entre 1990 e 2015, o saldo comercial total do Brasil atingiu US$
380 bilhões, mas somente foi positivo porque a agropecuária contribuiu com US$
942 bilhões nesse período, enquanto a contribuição dos demais setores
econômicos foi negativa em US$ 562 bilhões, assim indicando um setor que tem
sido, de fato, a salvação da economia brasileira. Essa é uma das evidências
acerca do novo sistema agroalimentar brasileiro, fortemente movido pela busca
permanente da produtividade, a excelência produtiva e a eficiência
econômico-financeira.
Apresenta-se nesse breve documento um
conjunto de proposições sobre ações consideradas urgentes. Espera-se que possam
ser discutidas e implantadas e seu foco primordial é a economia agropecuária
brasileira. São argumentos oferecidos às autoridades do País como contribuição
para o enfrentamento da atual crise econômica e se referem a ações assentadas
em dois pressupostos determinantes. Primeiramente, a verificação de ser
gigantesca a crise fiscal e, em consequência, os recursos disponíveis são
(ainda mais) escassos e, necessariamente, as iniciativas precisarão
conformar-se a uma rígida escala de prioridades. Em segundo lugar, a certeza de
ser a dinamização produtiva do setor agropecuário uma das principais vias de
superação da atual crise econômica (senão a principal), por seus efeitos de
capilaridade virtuosa em todo o restante da economia, também influenciando
positivamente inúmeras regiões do interior.
Os temas propostos são concisamente
apresentados a seguir e organizam-se em torno de eixos estratégicos, os quais
sustentam que a economia agropecuária e suas organizações, em associação com as
iniciativas governamentais, devem:
(i) Fomentar o crescimento produtivo
e ampliar o comércio global, assegurando assim que o setor possa manter seu
indiscutível papel positivo na economia, sobretudo em um período de crise;
(ii) Estimular os investimentos,
desde aqueles em torno das cadeias produtivas, incluindo a recuperação do setor
de bioenergia, ou então aqueles destinados à infraestrutura logística;
(iii) Mitigar tensões sociais no
campo, a partir de uma forte estratégia de debates públicos com as diversas
organizações e os atores sociais envolvidos;
(iv) Liderar a elaboração de uma
estratégia de desenvolvimento rural para o Brasil, a qual possa ser posta efetivamente
em execução a partir de 2017-2018.
São os seguintes os principais temas
e as propostas sugeridas:
1. Produção e comércio
(a) É urgente estabelecer prioridades
(em face dos recursos escassos) no tocante ao aperfeiçoamento rápido da
infraestrutura que maximize o crescimento sustentável e sustentado do setor nos
próximos anos. Uma agenda que sinalize o rol de obras que realmente serão
concluídas, estimulando novos investimentos dentro e fora da porteira. Essa
agenda incluiria, prioritariamente, ajustes e ampliação do programa de
financiamento destinado à construção de armazéns privados; o encaminhamento da
solução definitiva da expansão e da qualidade da malha viária que liga o
Centro-Oeste aos portos e pontos de embarque e, finalmente, a modernização dos
portos de exportação;
(b) Concretizar uma ação de
colaboração estatal e privada efetivamente agressiva em relação aos mercados de
exportação, realizando esforços de conhecimento acerca da segmentação desses
mercados em termos dos níveis de renda e as características das demandas
diferenciadas. As exportações são hoje concentradas em matérias-primas de baixo
ou nenhum processamento agroindustrial. Os objetivos principais são dois:
elevar a participação de produtos industrializados na pauta de exportações e,
adicionalmente, adensar as cadeias produtivas, gerando mais emprego e renda no
País, desenvolvendo capacidades que permitam ao Brasil produzir e exportar
produtos portadores de mais tecnologia e inovações, mais valorizados nos
mercados internacionais do que as commodities;
(c) Estabelecer programas de
estímulos (creditícios ou de outra natureza) destinados ao aumento da produção sustentável,
baseada fundamentalmente em ganhos de eficiência e elevação da produtividade.
Para esse intento, entretanto, são necessários esforços muito mais criativos e
decisivos para oferecer novas fontes de financiamento para a agropecuária, em
face do visível esgotamento relativo da via convencional de mobilização de
recursos para assegurar o Plano Safra, em cada ano;
(d) Garantir a permanência nos
mercados internacionais já conquistados, mas ensejando esforço mais robusto
para conquistar a exportação de mercadorias agropecuárias brasileiras também em
novos mercados. Apenas por essa via será possível incluir economicamente um
número crescente de produtores rurais brasileiros, pois o crescimento do
mercado interno é mais lento e a exportação é a única saída de curto prazo para
uma proporção expressiva de produtores de tamanho médio;
(e) Sob tal estratégia, uma ação de
maior agressividade no confronto com as barreiras comerciais ainda existentes,
sempre ressaltando que o comércio externo é absolutamente fundamental e não
pode falhar, pois, se assim não for, destruiria tudo o que já foi conquistado
em termos da modernização da agropecuária brasileira;
(f) Atualmente, uma pequena proporção
de produtores rurais responde por 90% do total da produção agropecuária, com
parcela considerável dedicada à venda nos mercados externos. Embora
tecnologicamente muito avançados, precisam ser acompanhados pelo Estado
brasileiro, pois se forem bem-sucedidos em sua integração aos mercados globais,
também estarão assegurando o abastecimento interno com solidez. Para tanto, é
preciso intensificar o diálogo e as parcerias com o setor privado da
agropecuária.
2. Desafios estratégicos (principais)
dentro da porteira
(a) No tocante aos estabelecimentos
rurais mais modernizados, o objetivo, de curto a médio prazo, será concretizar
em proporções crescentes uma “agricultura de precisão”, expressão que sugere a
combinação de diversas tecnologias, inclusive de gestão, as quais poupem
recursos naturais, maximizem as sinergias internas aos estabelecimentos,
potencializem a eficiência tecnológica e econômica e ampliem as chances de
rentabilidade final da atividade. A agricultura de precisão é o fundamento
econômico e técnico da intensificação sustentável na agricultura moderna;
(b) A agricultura brasileira está
submetida a um contexto de intensa concorrência que, se por um lado, tem
operado como força motriz para a elevação dos patamares de produtividade e o
fomento às inovações, por outro, também tem produzido processos nítidos de
darwinismo social. É preciso difundir mais informações para minimizar as
imperfeições de mercado e oferecer mais chances de sobrevivência aos produtores
de menor porte econômico;
(c) É preciso avançar muito mais na
concretização de uma “agropecuária sustentável”. Os avanços notáveis em
produtividade têm garantido efeitos poupa-recursos (especialmente no que diz
respeito ao uso da terra), além de aprofundar a consciência ambiental dos
produtores. O Código Florestal, no geral, foi um avanço para esse objetivo, mas
é preciso realizar mais para garantir a eficiência econômica e produtiva em
correspondência com a sustentabilidade ambiental;
3. Estado e políticas para as regiões
rurais
(a) Estabelecer uma lógica de ação
governamental muito mais consistente e consequente. A existência de dois
ministérios competidores entre si, um dedicado à agricultura empresarial e o
outro aos produtores mais pobres, perdeu o seu significado. Propõe-se a
extinção de ambos, o Mapa e o MDA, e a constituição de único ministério, o qual
poderia ser intitulado Ministério do Desenvolvimento Rural. O novo ente público
poderá criar sinergias operacionais, reduzir custos e estabelecer uma
estratégia de ação governamental que interrompa a divisão social e, pelo
contrário, estimule as formas de cooperação entre os produtores, sobretudo as
organizacionais;
(b) A política de redistribuição de
terras mostrou-se incapaz de oferecer chances econômicas às famílias rurais
mais pobres e não alterou os índices de concentração fundiária. Como não existe
mais demanda social pelo acesso à terra, a extinção do Incra é uma consequência
lógica e deveria ser substituído por um Instituto de Terras, conforme propõe o
sindicato dos técnicos da autarquia;
(c) Os assentamentos rurais deverão
ser objeto de políticas públicas únicas destinadas ao grande público dos
pequenos produtores (a chamada “agricultura familiar”), sendo abandonada a
distinção programática e de políticas diferenciadas entre as categorias de
produtores;
(d) O Estado precisa organizar mais
eficientemente um serviço de defesa sanitária, assegurando a proteção da
produção, mas minimizando os riscos sanitários, introduzindo cuidados que os
mercados e a população exigem e, assim, reduzindo ao mínimo as ameaças desse
campo;
(e) Em relação às políticas mais
tradicionais que fazem parte do cardápio atual do Mapa e do MDA, a maioria
delas precisa sofrer uma atualização correspondente às transformações
estruturais recentes da agropecuária, pois estão obsoletas. Para isso, é
urgente o desenvolvimento de um conjunto de mudanças administrativas, no âmbito
do Estado e na esfera privada, para criar uma genuína agenda de ações nas
regiões rurais que possa promover a prosperidade social, com equidade, inclusão
produtiva e sustentabilidade. Como são muitas as recomendações sob esse foco,
registre-se nesta parte apenas a proposição geral relativa à necessidade de
mudar substancialmente a ação governamental;
(f) A agropecuária é uma “ilha
cercada de riscos”. Precisamos de mecanismos de gestão de riscos sustentáveis
para todos os envolvidos: produtores, Estado e indústria de seguro. Não
obstante a crise fiscal, o seguro agrícola pode ser consolidado no País, também
aperfeiçoando as demais ferramentas de gestão de risco;
(g) Assim como ocorre em outros
países que ostentam uma agropecuária forte, como é o caso dos Estados Unidos, o
Brasil deveria também instituir e atualizar regularmente sua lei agrícola,
organizando normativamente o funcionamento da ação governamental e justificando
o conjunto de políticas existentes;
4. Desafios estratégicos (principais)
fora da porteira
(a) É preciso estabelecer diversas
iniciativas e esforços, ainda que sob projetos-piloto, em regiões determinadas
e sob focos específicos, para desenvolver a miríade dos novos produtos que
estão sendo propostos. Desde os biocombustíveis de novas gerações aos plásticos
biodegradáveis que talvez possam ser gerados pelo setor alcoolquímico, dos
alimentos nutracêuticos à nanucelulose;
(b) Um esforço de urgência
estratégica se relaciona ao conhecimento fino das demandas dos consumidores
oriundas dos múltiplos mercados, seja o interno ou os mercados globais. São
demandas diferenciadas decorrentes da difusão da informação, de um lado, e da
elevação dos níveis de renda, por outro lado. O Brasil poderá ser um dos
maiores beneficiários desse conhecimento sobre os novos mercados e as novas
demandas atualmente sendo apresentadas.
5. O desafio estratégico
redistributivo – a nova forma da questão social
(a) Uma alta proporção de
estabelecimentos rurais (algo entre 75%-85% do total) ficou à margem do
processo de modernização produtiva, sendo muito pobres. A tecnologia moderna,
mesmo quando acessível, não tem sido o caminho econômico para esses produtores
rurais. Atualmente, seu maior desafio é o organizacional, o que permitirá a
esses pequenos estabelecimentos rurais vender seus produtos competitivamente,
igualmente comprando insumos em condições mais favorecidas. Por essa razão, um
esforço forte e efetivo necessita ser incentivado em relação à multiplicação
das cooperativas, beneficiando-se das experiências bem-sucedidas já existentes,
especialmente no sul do Brasil, pois poderão servir de modelos para regiões e
atividades nas quais se concentrem atividades agrícolas mantidas por pequenos
produtores. Minimizar a pobreza rural vai demandar a combinação de diversas
ações, sobretudo públicas, para criar mais oportunidades para as famílias
rurais afetadas;
(b) Deve-se desenhar, com urgência,
uma estratégia específica para o Nordeste rural, onde se concentra a metade das
famílias rurais consideradas tecnicamente pobres. A ação deverá combinar
iniciativas agronômicas e produtivas, assistência técnica apropriada, esforços
para garantir acesso à água, assim como políticas públicas de sustentação de
renda mínima, as quais garantam melhores condições de vida;
(c) Se não for desenhada uma
estratégia correta destinada a esse vastíssimo grupo social de pequenos
produtores, atualmente encurralado pelas forças econômicas e pelos processos
sociais e demográficos nas regiões rurais, o Brasil poderá repetir, no próximo
decênio, o mesmo fenômeno ocorrido nos Estados Unidos, entre o pós-guerra e até
o fim da década de 70, que foi a eliminação de pouco mais da metade dos imóveis
rurais existentes.
6. Ações de médio prazo: pesquisa
agrícola e legislação trabalhista
(a) A agropecuária brasileira,
particularmente nas regiões mais dinâmicas e em seus ramos produtivos de maior
densidade monetária, é movida celeremente pelo conhecimento científico e a sua
tradução prática em inovações e novas tecnologias. A pesquisa agrícola é um
pressuposto essencial à continuidade do processo de aperfeiçoamento produtivo
do setor. Mas o chamado “sistema nacional de pesquisa agrícola” (a Embrapa e os
organismos estaduais de pesquisa agrícola) precisa passar por uma
reestruturação que o faça mais convergente com as exigências atuais do
crescimento agropecuário. São urgentes as medidas de desburocratização da
pesquisa agrícola, realizando-se esforço que concretize as chances de promover
atividades mais ágeis, sem a problemática camisa de força que atualmente tolhe
o desenvolvimento do setor. A Anvisa, por exemplo, precisa ser capaz de aprovar
muito mais rapidamente as novas ofertas tecnológicas, de moléculas aos
diferentes processos inovadores que promovam a integração virtuosa entre a ciência
e a produção;
(b) Especificamente em relação à
Embrapa, duas exigências em relação ao período vindouro são necessárias. A
primeira delas é instituir normativamente um processo de ocupação de seus
cargos dirigentes que seja essencialmente público, transparente e fundado
exclusivamente no mérito. O segundo tema diz respeito ao forte investimento que
a Empresa deveria realizar no campo da “biologia pura”, pois é campo
multidisciplinar no qual as tendências de transformação produtiva mais têm
avançado;
(c) Um desafio igualmente
problemático e que somente produzirá resultados no médio prazo diz respeito à
legislação trabalhista, em face da natureza distinta das atividades
agropecuárias. A legislação não atende a essas especificidades e, também, às
mudanças que vêm ocorrendo no campo, as quais exigiriam adaptações diversas.
Esse é tema de difícil discussão política, mas precisará ser enfrentado nos
anos vindouros, como uma exigência para a continuidade da modernização do
setor.
ANTÔNIO MÁRCIO
BUAINAIN
ECONOMISTA E PESQUISADOR DO INSTITUTO
DE ECONOMIA DA UNICAMP
ARNALDO JARDIM
ENGENHEIRO CIVIL, ATUAL SECRETÁRIO DE
AGRICULTURA DE SÃO PAULO
ELISEU ALVES
ECONOMISTA E PESQUISADOR DA EMBRAPA
JOSÉ ROBERTO
MENDONÇA DE BARROS
ECONOMISTA E DIRETOR-PRESIDENTE DA MB
ASSOCIADOS
OCTACIANO NETO
SOCIÓLOGO E ATUAL SECRETÁRIO DA
AGRICULTURA DO ESPÍRITO SANTO
ZANDER NAVARRO
SOCIÓLOGO E PESQUISADOR DA EMBRAPA
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