Os usuários da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) que embarcam em estações como a da Luz e a da Barra Funda, duas das mais movimentadas de São Paulo, já estão habituados a encontrar vagões com a logomarca da empresa de logística MRS estacionados nos trilhos vizinhos aos dos trens de passageiros. Com 1.643 km de malha ferroviária, a companhia carioca transporta cargas de gigantes como a Votorantim Metais, a BASF e a MMX. Por utilizar os mesmos trilhos do transporte público, que são prioridade da CPTM, a MRS, que faturou R$ 801 milhões no terceiro trimestre, tem o seu trabalho prejudicado.
A situação, no entanto, seria diferente caso a obra do Ferroanel, enfim, saísse do papel. Em uma terceira tentativa, o governo federal quer incluir o projeto nas negociações com as concessionárias de ferrovia, por meio da renovação antecipada das concessões. Em contrapartida, prolongaria as datas dos contratos por 30 anos e exigiria novos aportes. Parte do programa de investimento em ferrovias, orçado em R$ 99,6 bilhões, o Ferroanel é dividido em dois trechos: o Norte, com 52 km de extensão e custo estimado em R$ 2 bilhões, e o Sul, com 58 km e valor ainda indefinido.
Por enquanto, os estudos para viabilidade do projeto foram feitos apenas para o trecho Norte, que fará a ligação entre a região de Campo Limpo Paulista e Engenheiro Manoel Feio. Uma análise feita pela Empresa de Planejamento e Logística (EPL), do governo de São Paulo, aponta que a ferrovia poderá movimentar 40 milhões de toneladas de carga até 2040, tendo como principal demanda os produtos da indústria siderúrgica, de minério de ferro e de granéis vegetais.
Para o sócio da consultoria Macrologística, Olivier Girard, o fato do Ferroanel não dividir trilhos com a CPTM será fundamental para a logística desses produtos. "Hoje em dia, poucas cargas passam pela cidade de São Paulo”, diz Girard. "Com a abertura do Ferroanel, a locomoção poderá ser feita o dia todo”. A construção do anel ferroviário voltou a ser discutida depois de duas tentativas frustradas. O projeto foi apresentado em 2003 pelo governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, que previu a sua conclusão em três anos.
No entanto, a primeira tentativa concreta de tirar o plano do papel ocorreu apenas em meados de 2008, com uma parceria frustrada entre o governo federal e o estadual, em conjunto com a companhia MRS. Já a segunda tentativa, em 2012, veio com a inserção da obra na primeira versão do Programa de Investimento em Logística (PIL I), que também não obteve avanços por rejeição dos investidores. Agora, o governo federal quer propor uma renovação nas concessões de ferrovias atuais. A intenção é que, antecipando a renovação dos contratos, as concessionárias invistam direta e indiretamente em obras já acordadas com a União.
A abertura das negociações para a renovação das concessões foi anunciada em junho, com o lançamento do PIL II, porém, apenas ao final de outubro foi criada uma comissão na Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) para oficializar os pedidos contratuais. Além de proporcionar um frete logístico 25% menor que o rodoviário, o transporte sobre trilhos reduz o fluxo de caminhões. De acordo com a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), cada composição de trem de 50 vagões retira aproximadamente 195 caminhões de circulação.
No caso do Ferroanel Norte, a EPL projeta que a redução seria de 4,2 mil caminhões por dia. Segundo o coordenador do curso de engenharia civil da Universidade Presbiteriana Mackenzie Campinas, Luiz Figueiredo, se concretizado, o Ferroanel trará um ganho não apenas à logística nacional, mas à competitividade das empresas, que terão menos perdas de produto e, consequentemente, menos gastos. "Os caminhões passam por estradas esburacadas e parte da carga é deixada pelo caminho”, diz Figueiredo. Especialistas ressaltam ainda que o Ferroanel será um dos principais estimuladores do Porto de Santos, o mais movimentado da América Latina.
Atualmente, a dificuldade de acesso ao porto por rodovias acaba tornando-o ineficiente. No entanto, com a opção da ferrovia, isso pode mudar. Do total de cargas movimentadas nos terminais, 25% são feitas por trilhos, um crescimento de 80% nos últimos oito anos. A tendência, com o anel ferroviário, é que o movimento fique ainda maior. "O Ferroanel fará com que o Porto de Santos opere com mais eficiência”, diz Carlos Cavalcanti, diretor do departamento de Infraestrutura da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). "Hoje os terminais estão ociosos, esperando pelas cargas, que têm dificuldade de chegar.”