quinta-feira, 6 de agosto de 2015

STF condena três perigosos ladrões: de 1 par de chinelos, de 15 bombons e de 2 sabonetes, por Luiz Flavio Gomes

O Brasil enfrenta efetivamente profundas crises (econômica, política, social, jurídica e, sobretudo, ética). Quando a Corte Máxima de um país é chamada para julgar três ladrões (um subtraiu 1 par de chinelos de R$ 16, outro 15 bombons de R$ 30 e o terceiro 2 sabonetes de R$ 48) e diz que é impossível não aplicar, nesses casos, a pena de prisão, ainda que substituindo-a por alternativas penais, é porque chegamos mesmo no fundo do poço em termos de desproporcionalidade e de racionalidade. Usa-se o canhão do direito penal para matar pequenos pássaros (Jescheck).
Em países completamente civilizados, para esse tipo de questão adota-se a chamada “resolução alternativa de conflitos” (RAC). O problema (enfrentado por equipes de psicólogos, assistentes sociais etc.) nem sequer vai ao Judiciário (desjudicialização). Do que é mínimo não deve se encarregar o juiz (já diziam os romanos, há mais de 2 mil anos). O fato não deixa de ser ilícito, mas a cultura evoluída se contenta com esse tipo de solução (que faz parte de um contexto educacional de qualidade). É exatamente isso o que acontece nas faixas ricas no Brasil. Muitos filhos de gente rica, nos seus respectivos clubes ou nas escolas, praticam subtrações de pequenas coisas. Tudo é resolvido caseiramente (sem se chamar a polícia). A vítima pobre não tem a quem chamar, salvo o 190. Daí a policialização e judicialização de todos os conflitos, incluindo os insignificantes. Coisa de paiseco atrasado, de republiqueta (marcadamente feudalista).
STF condena trs perigosos ladres de 1 par de chinelos de 15 bombons e de 2 sabonetes
Vivemos a era da emocionalidade (J. L. Tizón, Psicopatologiía del poder). No campo penal, por força da oclocracia (governo influenciado pelas massas rebeladas), dissemina-se (com a intensa ajuda da mídia) o populismo penal irracional centrado no uso e no abuso da prisão desnecessária. A explosão do sistema penitenciário é uma tragédia há tempos anunciada. Agrava-se a cada dia (somente em SP, o saldo dos que entram e dos que saem chega a 800 novos presos por mês).
A pena de prisão para fatos insignificantes conflita com o bom senso (com a racionalidade). Os países desenvolvidos aplicam outros tipos de sanção. Em sistemas acentuadamente neofeudalistas como o nosso, tenta-se disseminar o chamado princípio da insignificância, que elimina o crime (evitando a condenação penal). Mas o legislador brasileiro nunca cuidou desse assunto (salvo no Código Penal militar). Cada caso então fica por conta de cada juiz. O STF tratou do tema em 2004, no HC 84.412-SP. Aí fixou vários critérios, mas todos “abertos” (sujeitos a juízos de valor de cada juiz). Uma “jabuticabada” (como diz Rômulo de Andrade Moreira).
O Plenário do STF voltou a enfrentar o tema em 3/8/15 (nos HCs 123734, 123533 e 123108): réu reincidente pode ser beneficiado com o princípio da insignificância? Se o furto é qualificado, pode incidir o citado princípio? O STF fixou algumas orientações (não vinculantes aos juízes do país). Os três casos julgados, somados, davam R$ 94. Pobre que furta é ladrão, rico que rouba é barão.
O min. Luís Roberto Barroso, no princípio, votava pela incidência do princípio da insignificância. Mudou de posicionamento a partir do voto-vista do ministro Teori Zavascki, que firmou orientação no sentido oposto (de não aplicar referido princípio nesses casos). O Pleno apenas sinalizou o caminho a ser seguido. Não fixou entendimento vinculante. Porque, em direito penal, cada caso é um caso.
Para o ministro Zavascki a não aplicação do princípio da insignificância (nos casos citados) se deve ao seguinte: (a) são crimes com circunstâncias agravadoras; (b) apenas a reparação civil é insuficiente (para a prevenção geral); (c) reconhecer a licitude desses fatos é um risco (risco do justiçamento com as próprias mãos); (d) a imunidade estatal pode se converter em justiça privada (com consequências graves); (e) cabe ao juiz em cada caso concreto reconhecer ou não a insignificância assim como fazer a individualização da pena.
Nos três casos concretos analisados não houve reconhecimento do princípio da insignificância, mas, tampouco se admitiu o encarceramento do agente. A saída para evitar a prisão é a aplicação de penas substitutivas (CP, art. 43 e ss.) ou a aplicação do regime aberto (que hoje, na quase totalidade das comarcas, é cumprido em domicílio, em razão da ausência de estabelecimentos penais adequados). Mesmo em se tratando de reincidente, nos casos de pouca repercussão social, pode-se aplicar o regime aberto (para evitar a prisão). Qualquer outro regime seria (mais ainda) desproporcional. País que não cuida da prevenção (e que conta com escolaridade média ridícula de apenas 7,2 anos, exatamente a mesma de Zimbábue) tem que se expor internacionalmente ao ridículo. Chega na sua Corte Máxima o furto de bombons, de um par de chinelos, dois sabonetes, um desodorante, duas galinhas etc. O País e os juízes que julgam penalmente coisas pequenas jamais serão grandes.
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terça-feira, 4 de agosto de 2015

José Dirceu: preventiva “versus” regime aberto. Uma visão Jurídica sobre o Tema


Publicado por Luiz Flávio Gomes - 5 horas atrás
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José Dirceu foi condenado em 2012 no processo do mensalão (7 anos e 9 meses de reclusão). Iniciou o cumprimento da pena no regime semiaberto e, atualmente, estava no regime aberto. Esse é o sistema progressivo brasileiro.
Com a notícia de prática de novos crimes (caso Lava Jato) pode haver regressão para o regime semiaberto ou fechado? Pode (LEP, art. 118). O sistema brasileiro é, portanto, tanto progressivo como regressivo.
Sua prisão preventiva nova (iniciada em 3/8/15) diz respeito a crimes apurados na Operação Lava Jato. Teoricamente, essa prisão era cabível. Resta saber se foi (ou não) bem fundamentada. Se foi, a prisão não será revogada.
Pode o STF converter a prisão encarceramento em prisão domiciliar? Sim, essa possibilidade existe (vários executivos ou donos de empreiteiras estão nessa situação). Se a prisão preventiva de José Dirceu não for revogada nem substituída, ficará recolhido no curso do processo.
No final, se condenado, as penas (a anterior, do mensalão, mais a nova, do Lava Jato) serão somadas. E aí será fixado o novo regime da pena (muito provavelmente o fechado, que é obrigatório quando o total da prisão passa de 8 anos).
Todo tempo que ele cumpriu da condenação anterior conta em seu benefício. Só irá cumprir agora o restante dessa pena. Que será somado com a pena nova (se for condenado).
Ele é reincidente? Se praticou um crime ao menos depois do trânsito em julgado da condenação anterior é reincidente. Mas essa reincidência somente será reconhecida na nova sentença (que pressupõe a existência de provas). A reincidência tanto é causa de agravamento da pena como é levada em conta na fixação do novo regime inicial.
A delação premiada é a maior revolução probatória que já aconteceu no nosso país. Ela facilita muito a colheita das provas (que a Justiça tinha muita dificuldade para conseguir). As bandas podres das classes dominantes (do mundo das finanças, do empresariado e políticos) nunca foram tão encurraladas. Isso se deve às delações premiadas (que os políticos tiveram que aprovar em 2013, por pressão popular). Outras 5 estão em andamento, incluindo a de Renato Duque que o “homem” de José Dirceu dentro da Petrobras. Novas descobertas bombásticas estão em andamento.

Uma máquina de fazer previsões, Revista Fapesp

Neurônios simulados por computador (imagem: Hermann Cuntz/Wikimedia Commons)


04 de agosto de 2015

Karina Toledo, do Rio de Janeiro | Agência FAPESP – Conversar, tocar instrumentos, jogar videogame, guiar veículos, praticar esportes ou qualquer outra ação que requer antecipação e planejamento seria impossível de ser realizada sem a habilidade do cérebro humano de medir o tempo.
Entender como ocorre esse processamento temporal é o objetivo de uma pesquisa apoiada pela FAPESP e coordenada por André Mascioli Cravo, professor do Centro de Matemática, Computação e Cognição (CMCC) da Universidade Federal do ABC (UFABC) e um dos coordenadores do laboratório de Timing e Cognição (http://neuro.ufabc.edu.br/timing/).
Resultados parciais foram apresentados durante a nona edição do Congresso Mundial do Cérebro (IBRO 2015), realizado no Rio de Janeiro entre os dias 7 e 11 de julho.
“Nosso cérebro usa informações temporais de maneira muito automática para planejar ações. É como uma máquina de fazer previsões. Por exemplo, quando apertamos o botão de nosso computador, sabemos quanto tempo ele demora para ligar. Se levar mais que um determinado intervalo, já desconfiamos que algo está errado. Ou a máquina quebrou ou está faltando energia. Quando compramos um computador novo esse intervalo é diferente e nos adaptamos muito rapidamente. Nosso interesse é entender como o cérebro aprende essa relação temporal e a utiliza em ações futuras”, explicou Cravo em entrevista à Agência FAPESP.
Para desvendar os mecanismos neurais envolvidos nesse processo, Cravo e seus colaboradores da UFABC registram com um equipamento de eletroencefalografia (EEG) a atividade elétrica do córtex de voluntários sadios enquanto eles participam de um jogo de tiro ao alvo no computador.
O alvo aparece e desaparece na tela em um determinado intervalo de tempo e o voluntário deve apertar um botão para dar um tiro e tentar acertá-lo. Quando a tarefa está sendo cumprida com excelência, o intervalo entre a ação de apertar o botão e o disparo do tiro é aumentado.
“A primeira vez que isso acontece, obviamente, o voluntário erra o alvo. Mas, para nossa surpresa, uma única tentativa frustrada é suficiente para o cérebro aprender a nova relação temporal e corrigir a ação motora”, contou Cravo.
Segundo o pesquisador, o mecanismo usado para codificar o erro e adaptar o comportamento parece se basear nas diferentes fases das oscilações cerebrais. “Essas oscilações refletem a excitabilidade de populações neurais. É uma medida indireta de quão preparado um determinado grupo de neurônios está para processar novos estímulos”, explicou.
Na literatura científica, as oscilações cerebrais têm sido relacionadas a diversas funções cognitivas, como atenção, memória e tomada de decisão. Uma das teorias propõe que o cérebro se basearia nessas oscilações para prever quando algo vai acontecer.
“Estudos têm mostrado que, se você sabe quando algo vai ocorrer, essas oscilações parecem ser um bom mecanismo para preparar uma região de nosso cérebro para processar a informação que vai chegar. Parece que esse mesmo mecanismo está envolvido no caso das informações temporais”, disse Cravo.
Segundo o pesquisador, o sinal registrado pelo equipamento de EEG representa a soma das ondas cerebrais do córtex em suas diferentes amplitudes, fases e ritmos. No experimento, o grupo focou nas chamadas oscilações Delta, que têm frequências entre 1 e 4 Hertz.
“Estudos anteriores mostraram que as oscilações Delta e Teta (de 4 a 8Hz) parecem ter um papel fundamental no controle da excitabilidade cortical. Além disso, a nossa tarefa envolvia uma dinâmica temporal que produzia um ritmo inerente de 1 Hz e, por isso, essas oscilações endógenas Delta poderiam se sincronizar ao ritmo da tarefa para melhorar o desempenho do participante”, explicou Cravo.
Os resultados do experimento mostraram que saber a fase da oscilação Delta no momento que o alvo foi apresentado ao voluntário permitiu aos pesquisadores prever o que o participante faria na próxima apresentação.
“Ficou claro em nossos estudos que, quanto maior era o erro temporal que o participante cometia, mais ele ajustava a ação na próxima apresentação do alvo. Porém, nossa única maneira de medir esse erro era observar o quão atrasado o alvo tinha sido apresentado. Decidimos então verificar se uma informação neural, no caso a fase das oscilações Delta no momento que o alvo era apresentado, nos ajudaria a prever o que o participante iria fazer na próxima apresentação. Era como se estivéssemos medindo não apenas o erro em si, mas também a expectativa que o participante tinha de quando o alvo deveria ser apresentado”, comentou Cravo.
Tal resultado, disse o pesquisador, sugere que ao fazer uma previsão nos preparamos não somente para o “quê” vai acontecer, mas também para “quando” vai acontecer.
“Essas oscilações parecem ser fundamentais para a codificação dessa previsão temporal, fazendo com que regiões ligadas à tarefa a ser executada estejam preparadas no momento certo”, explicou Cravo.
Relógios cerebrais
Estaria o cérebro humano usando oscilações elétricas para marcar o tempo assim como um relógio construído pelo homem usa oscilações de um pêndulo ou de um cristal de quartzo?
O pesquisador Dean Buonomano, do Departamento de Neurobiologia e Psicologia da University of California, Los Angeles (UCLA), nos Estados Unidos, acredita que não.
“Oscilações são um jeito poderoso de marcar o tempo, mas para isso é preciso contar o número de oscilações e o cérebro humano não é bom em fazer isso”, disse Buonomano, que esteve no Brasil para participar do IBRO 2015 com apoio da FAPESP.
Na avaliação do norte-americano, o mecanismo usado pelo cérebro para marcar o tempo seria baseado na dinâmica dos neurônios. Segundo ele, existem neurônios excitatórios e inibitórios que influenciam os neurônios vizinhos criando padrões de atividade que evoluem no tempo em um processo dinâmico bastante complexo.
“Uma analogia possível seria a de um auditório repleto de pessoas paradas em pé. Se eu empurrasse as pessoas da primeira fileira, cada uma empurraria um pouco a pessoa vizinha e isso criaria um padrão de movimento que evolui no tempo. Se analisarmos esse movimento com um filme, poderíamos marcar a passagem de tempo com base na posição das pessoas. Se tirássemos várias fotos desse processo e embaralhássemos as imagens, poderíamos depois colocar todas em ordem porque entendemos a dinâmica desse sistema”, explicou Buonomano.
Antigamente, contou o pesquisador, se acreditava que havia uma espécie de relógio central no cérebro, ou seja, um determinado circuito neuronal responsável pela maioria das funções temporais, como ocorre em um computador.
“Hoje sabemos que não é assim que funciona. O tempo é um aspecto tão fundamental para nossa interação com o mundo que praticamente todos os circuitos neuronais estão envolvidos nesse processamento em algum nível”, disse o pesquisador em entrevista à Agência FAPESP.
Cada circuito, na avaliação de Buonomano, teria uma diferente habilidade para processar o tempo que varia de acordo com o problema em questão.
“Por exemplo, o córtex auditivo precisa detectar e determinar a duração do som, dos intervalos e o ritmo para fazer o processamento da fala ou da música. Já o córtex motor precisa de funções temporais que permitam controlar a ação dos músculos, e assim por diante. Cada um processa de uma forma”, disse Buonomano.
Compreender como ocorre esse processamento, argumentou, é fundamental tanto para entender o cérebro como para descobrir as causas de distúrbios neurológicos que prejudicam a aprendizagem, memória e cognição.
Tempo subjetivo
Cravo e Buonomano iniciam atualmente uma colaboração com o objetivo de compreender a impressão subjetiva do tempo.
Ainda que o cérebro continue marcando o tempo de forma objetiva, comentou Buonomano, o tempo parece passar mais ou menos depressa dependendo da atividade que estamos realizando.
“Estamos desenhando experimentos para mostrar que essa nossa impressão subjetiva sobre a passagem do tempo está sujeita a muitas ilusões. Como parecem existir diferentes relógios em nosso cérebro, nossa pergunta é: será que todos eles estão sujeitos à mesmas ilusões temporais?”, acrescentou.