sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Piketty: "A educação, sozinha, não reduz a desigualdade"

O economista francês disse, na USP, que são necessários impostos progressivos e boas política salariais para evitar a concentração excessiva

IVAN MARTINS
26/11/2014 19h19 - Atualizado em 27/11/2014 15h35
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O economista Thomas Piketty no debate realizado na Universidade de São Paulo (Foto: Rogério Cassimiro)

Thomas Piketty, o economista mais comentado da atualidade, disse na quarta-feira, dia 26, durante um debate na Faculdade de Economia e Administração da USP, que o investimento em educação sozinho não basta para reduzir a desigualdade de renda. "É preciso a ação combinada de um conjunto de fatores", disse o acadêmico francês, autor do livro O capital no século XXI, lançado no Brasil pela editora Intrínseca. "Além do acesso à educação, é importante ter um sistema de impostos progressivos e boas políticas salariais." Imposto progressivo é o que se propõe a cobrar mais de quem tem mais, como o Imposto de Renda brasileiro. Imposto regressivo é o que cobra mais, proporcionalmente, de quem tem menos, como o ICMS que incide sobre mercadorias e serviços. 
O economista francês usou o exemplo do Brasil para pedir mais transparência dos governos e acesso aos dados sobre tributos. Mostrou que os estudos da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), realizados com entrevistas em domicílio, mostram uma forte queda da desigualdade. Mas que outros estudos, feitos com dados da Receita Federal, mais difíceis de obter, sugerem que os 10% mais ricos concentram mais de 50% da renda nacional e que esse porcentual vem subindo acentuadamente, ao contráriodo que diz a PNAD. "Qual é a verdade?", disse Piketty. "A única maneira de descobrir é tendo acesso aos dados dos impostos coletados pelo governo". 
Piketty chegou ao Brasil na manhã da quarta-feira, vindo do França. Falou em inglês - com forte sotaque francês, pelo qual se desculpou - para um auditório lotado de estudantes, acadêmicos e jornalistas. Ao seu lado, como mediadores, estavam os economistas André Lara Resende e Paulo Guedes. O encontro, promovido pela editora Intrínseca e por ÉPOCA, foi coordenado pela professora Fernanda Estevan, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP. Durante 45 minutos, Piketty explicou a essência do seu livro: um estudo sobre o crescimento, renda e propriedade, que envolve 20 países e recua, em alguns casos, até 300 anos. Desse vasto e inédito painel, ele e seu grupo extraíram algumas conclusões.
A primeira é que a distribuição de riqueza e de renda, que havia melhorado acentuadamente entre o fim da Segunda Guerra e o final dos anos 1970, voltou a piorar depois disso. Atualmente, ela se encontra, nos Estados Unidos, em patamares semelhantes aos do final do século XIX, quando os 10% mais ricos da população detinham cerca de 50% da renda.
"Nessa situação, dois terços dos ganhos do crescimento econômico vão para os 10% mais ricos da população", afirma Piketty. "Isso contribui para a fragilidade do sistema social e financeiro."
A segunda conclusão do livro é que o movimento de concentração não será revertido espontaneamente. Piketty afirma que, nos EUA, as deficiência educacionais (que excluem os mais pobres das melhores universidades) e desvios nas formas de remuneração das empresas (que, nos altos escalões, são muitos elevados, sem guardar relação com o desempenho) explicam o aumento da desigualdade de renda.
A grande preocupação dele, entretanto, é com a concentração de riqueza, que se acentua por causa dos mecanismos financeiros de remuneração (que permitem que a fortuna de um bilionário cresça três ou quatro vezes mais rápido que o crescimento da economia) e da ausência de impostos progressivos sobre o capital financeiro e imobiliário. "Uma pessoa que tenha um apartamento em hipoteca paga o mesmo tipo de imposto que uma pessoa que tenha uma fortuna pessoal de centenas de milhões de dólares", diz Piketty.
Para evitar o retorno ao que ele chama de "sociedades patrimonialistas" do século XIX, que gozavam de baixo crescimento e ofereciam poucas oportunidades de ascensão pessoal, ele propõe a aplicação de impostos progressivos sobre a propriedade, a fortuna e as heranças em todos os países. Isso ajudaria, segundo ele, a evitar a concentração excessiva de privilégios, sem  prejudicar o crescimento. "Não precisamos da concentração de renda do século XIX para obter o crescimento no século XXI", diz Piketty.
Paulo Guedes, depois de fazer uma longa defesa da globalização e da redistribuição mundial de riqueza que ela provocou, sugeriu a Piketty que olhasse para a situação mundial do ponto de vista de um novo equilíbrio, e não apenas da perda de renda para a maior parte da população da Europa e dos Estados Unidos. Piketty, depois de elogiar os efeitos positivos da globalização, disse que eles "não justificam qualquer nível de desigualdade". Citou os exemplos da China e da Rússia, onde a desigualdade atingiu níveis que considera alarmantes e pode transformar-se numa grave questão crucial, sobretudo para os jovens.
Quando Lara Resende sugeriu que deveriam ser cobrados impostos sobre o consumo, e não sobre a fortuna, Piketty contou que Bill Gates, o fundador da Microsoft, disse a ele que gostou muito do seu livro, mas que não queria pagar mais impostos. Depois de uma gargalhada no auditório, ele prosseguiu. "Não se pode perguntar aos milionários de que forma eles querem contribuir", diz Piketty. Doar dinheiro a partidos políticos ou a fundações dirigidas por sua própria mulher não é o mesmo que consumo, mas talvez não sejam a melhor aplicação social da riqueza.
Piketty repetiu o que havia dito a ÉPOCA - que nada tem, filosoficamente, contra a desigualdade, desde que ela contribua para o bem comum, sobretudo melhorando a vida da parcela menos favorecida da sociedade. "Não queremos voltar a ser sociedades pobres e igualitárias, como a China dos anos 1970", diz ele. Piketty contou que se dedicou a estudar a desigualdade não por inclinação ideológica ou política, mas por ser uma área vital da economia desde o século XIX, à qual faltavam dados históricos confiáveis.
"Minha conclusão, depois de escrever o livro, é que tanto Marx, que previa a acumulação de riqueza infinita nas mãos de poucos, quanto Simon Kuznets, que previa a distribuição automática de renda pela evolução da economia, estavam errados", diz ele. "Há forças puxando na direção da acumulação e da distribuição. As instituições a nossas escolhas vão determinar qual delas prevalecerá"

Lixo produzido em universidade na Califórnia vira energia para campus

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28 de novembro de 2014

Por Heitor Shimizu, de Davis (EUA)
Agência FAPESP – A principal área de pesquisa de Ruihong Zhang, professora no Departamento de Engenharia Biológica e Agrícola da University of California, Davis, tenta resolver de uma só vez dois importantes problemas na atualidade: a falta de energia e o excesso de lixo.
Zhang e os cientistas do grupo que coordena estudam o uso de bactérias para transformar lixo orgânico – principalmente sobras de alimentos – em energia. Ela pesquisa o tema há quase 20 anos em busca de solução para uma questão que se resume em “como transformar o máximo possível de lixo orgânico em energia renovável”.
A pesquisa deixou de ser básica para ser aplicada quando, em abril deste ano, a UC Davis inaugurou uma usina de biodigestão de lixo a partir da pesquisa de Zhang.
A usina ganhou o nome de Digestor Anaeróbico de Energia Renovável da UC Davis – ou simplesmente Read, na sigla em inglês. O custo foi de US$ 8,5 milhões.
Instalado no antigo depósito de lixo da universidade, o Read usa uma tecnologia desenvolvida por Zhang e licenciada pela UC Davis para a CleanWorld, empresa formada por ex-alunos de Zhang e da universidade. No sistema, microrganismos em grandes tanques sem oxigênio consomem o lixo orgânico produzido no próprio campus e lá armazenado.
O sistema utiliza um processo no qual, por meio da fermentação, bactérias devoram o lixo e produzem metano e gás carbônico, ou seja, biogás.
A usina foi projetada para converter 50 toneladas de lixo em 12 mil quilowatts/hora de energia por dia. Além de produzir energia renovável, o Read livra a UC Davis de 20 mil toneladas de lixo por ano.
Os números são importantes, pois destacam uma vantagem na tecnologia desenvolvida por Zhang. O uso de digestores anaeróbicos para produzir energia é conhecido, mas a diferença nesse caso está na eficiência. Segundo a pesquisadora, o sistema utiliza variedade e quantidade muito maiores de lixo do que em modelos tradicionais.
Denominada HSAD (High Solids Anaerobic Digestion), a tecnologia é capaz de usar uma grande variedade de dejetos orgânicos, tem uma taxa de digestão rápida e elevada produção de energia.
“Também destrói patógenos presentes no lixo, resultando na produção de biofertilizantes”, disse a pesquisadora, que dirige o Centro de Pesquisa em Biogás na UC Davis. Durante a pesquisa de Zhang, uma usina piloto foi construída em 2004.
Por estar instalada em um antigo depósito de lixo, que produz naturalmente grande quantidade de metano, a usina também combina o biogás produzido por meio das bactérias com o metano do antigo lixão. O resultado é a capacidade de gerar 5,6 milhões de quilowatts/hora de energia.
Além disso, por transformar os gases em energia, a usina reduz em 13,5 mil toneladas por ano a emissão de gases causadores do efeito estufa. Tanto a energia produzida como os créditos de carbono ficam na UC Davis.
Para a produção de fertilizantes, o Read tem capacidade para gerar cerca de 15 milhões de litros por ano, suficiente para suprir a demanda de cerca de 600 mil metros quadrados de área cultivada.
“É preciso destacar que o sistema de biodigestão não é importante apenas por produzir energia ou fertilizantes, mas também por trazer uma utilização para o lixo que produzimos. Trata-se de uma tecnologia que permite que sejamos mais sustentáveis, tanto econômica como ambientalmente”, disse Zhang, uma das palestrantes da FAPESP Week California, realizada em dois campi da University of California (Berkeley e Davis) de 17 a 21 de novembro.
O evento contou com apoio do Brazil Institute do Woodrow Wilson International Center for Scholars, em Washington.
Mais informações sobre a FAPESP Week California www.fapesp.br/week2014/california 
 

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Setor sucroalcooleiro enfrenta uma das maiores crises da história

Edição do dia 22/07/2014
23/07/2014 00h29 - Atualizado em 23/07/2014 02h09


Nos últimos dois anos, setor de açúcar e etanol perdeu 60 mil empregos.
Acompanhe a situação no interior de São Paulo, Pernambuco e Minas.

João Carlos Borda / Cacyone Gomes / Faeza RezendeRio de Janeiro, RJ / São Lourenço da Mata, PE / Uberaba, MG
O setor sucroalcooleiro enfrenta uma das maiores crises da história. Endividamento, perda da competitividade diante da gasolina e até problemas climáticos afetaram os usineiros.
Desde 2007, 58 usinas fecharam as portas só na região Centro-Sul do país. E só neste ano 12 encerraram as atividades. Com isso, nos últimos dois anos, o setor de açúcar e etanol já perdeu 60 mil empregos.
Nossos repórteres foram ver como está a situação de quem depende da cana-de-açúcar em Minas Gerais, Pernambuco e São Paulo.

JG (Foto: Rede Globo)
SÃO PAULO
São Paulo produz 60% da cana do país. Nos últimos quatro anos, 26 usinas foram fechadas no estado, cinco só na região de Ribeirão Preto (SP). Milhares de trabalhadores perderam o emprego e outros setores sentem o reflexo da crise.
As máquinas não param porque é preciso colher a cana que foi plantada. Mas nas usinas, o ritmo é outro. Uma delas não suportou a crise e fechou há três meses.
"É a pior crise e não sai dela. No ano passado, a gente achava que neste ano ia melhorar, mas não melhorou. Piorou", diz Antônio Eduardo Tonielo Filho, presidente do Ceise (Centro Nacional das Indústrias do Setor Sucroenergético e Biocombustíveis).
Para esse economista o setor de açúcar e álcool enfrenta a pior crise dos últimos 30 anos.
"Está vinculada a um aumento dos custos de produção nos últimos cinco anos e preços muito baixos relativo à queda do preço internacional de açúcar e também um teto que o etanol tem na produção. Hoje os custos superam o preço que a usina recebe pelo etanol que produz", analisa Roberto Fava, professor de Economia da USP (Universidade de São Paulo).
Sertãozinho, no interior de São Paulo, concentra o maior pólo de indústrias que fornecem peças e equipamentos para as usinas. São 700 fábricas, que empregam mais de 10 mil trabalhadores. 800 já foram demitidos. As empresas cortaram o terceiro turno, hora-extra e tentam, agora, evitar os calotes.
"Só se ele pagar à vista e pagar parte da dívida anterior porque, senão, não tem condições, não temos mais condições de bancar o usineiro", afirma Osvaldo Mazer, dono de uma metalúrgica.
Nesta época do ano, as empresas deveriam contratar trabalhadores, mas o que está ocorrendo em Sertãozinho (SP) é exatamente o contrário. Uma das maiores fábricas da cidade demitiu 85 trabalhadores e agora quer pagar as rescisões em até oito vezes.
E quem perde o emprego, sabe que vai demorar muito tempo para arranjar outro. Se conseguir. "Nunca chegou a esse ponto porque nunca fiquei parado. Nunca fiquei parado, está difícil encontrar emprego agora", conta o soldador Gustavo Ferreira.
Na região de Ribeirão Preto (SP), onde 90% das cidades dependem da cana, alguns segmentos perderam até 60% das vendas.

JG (Foto: Rede Globo)
PERNAMBUCO
Pernambuco, que nas primeiras décadas do século XX liderava a produção de açúcar no Brasil, hoje responde por apenas 3% do que é produzido no país.
Nos últimos dez anos, oito usinas encerraram as atividades no estado. A Unaçúcar, no litoral sul pernambucano, foi a última a fechar. Em março, a usina parou a moagem e deixou 2 mil trabalhadores desempregados.
Nos anos 1980, Pernambuco chegou a moer 25 milhões de toneladas de cana. Na safra 2013-2014 vão ser apenas 14 milhões de toneladas.
O relevo acidentado da Zona da Mata, região que concentra a produção de cana no estado, é apontado como fator decisivo para a decadência da atividade em Pernambuco.
É que isso impede a mecanização do campo diminui a competitividade das usinas pernambucanas em relação as de outras regiões do país, como o Sudeste e o Centro-Oeste.

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JG (Foto: Rede Globo)
MINAS GERAIS
Minas Gerais é o segundo maior produtor de açúcar do país e o terceiro na produção de etanol. Só na região do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba são 22 usinas que empregam cerca de 65 mil trabalhadores.
Nos últimos cinco anos em todo o estado, oito usinas foram fechadas. E, desse total, quatro estão no Triângulo e Alto Paranaíba.
Segundo a Associação das Indústrias Sucroenergéticas de Minas Gerais, foram mais de 8 mil demissões, o que representa também a perda da moagem de 8 milhões de toneladas de cana e cerca de 600 milhões de litros de etanol.