domingo, 17 de agosto de 2014

Não ao voto nulo! - ELIANE CANTANHÊDE


FOLHA DE SP - 17/08


BRASÍLIA - As manifestações de junho de 2013 foram uma explosão de insatisfações. O acidente do Cessna 560 XL foi uma explosão que repõe as coisas no devido lugar.

A grande maioria dos brasileiros ou não conhecia ou tinha uma vaga ideia de quem era Eduardo Campos, este que aliados, adversários e jornalistas, antes tão críticos, agora descrevem (descrevemos) como um político excepcional e uma pessoa afável, virtuosa, de vida exemplar.

Em algum ponto entre a paixão destrutiva da eleição e a comoção endeusadora da morte, se encaixa o candidato Campos, com seus defeitos, suas qualidades e suas potencialidades. E é exatamente nesse ponto que devemos também ajustar os candidatos à nossa disposição, esses que tentam sobreviver às pressões deletérias pré-eleitorais.

O governo produz uma profusão de dados preocupantes na economia (portanto, para o futuro), mas Dilma é uma mulher honesta, bem intencionada, empenhada fazer o que julga melhor para o país.

O jeitão alegre, de festas e noitadas, gera desconfiança em relação a Aécio Neves, mas, tal como Campos, seu avô fez história e seus dois governos em Minas estão no topo dos mais bem avaliados do país.

Eduardo Jorge (PV) tem ótimos serviços prestados à saúde e à mulher. Luciana Genro (PSOL) tem o frescor dos idealistas. Até o Pastor Everaldo (PSC), goste-se ou não, representa um forte segmento.

E vem aí Marina Silva, com um carimbo conservador, mas a promessa de um "novo jeito de fazer política" e de um país equilibrado entre o crescimento econômico e a distribuição mais equitativa do bem-estar. Se preferirem, entre PSDB e PT.

A prateleira de opções é rica, variada e expõe os melhores produtos do mercado político. Depende de você, eleitor, escolher o melhor para o país e o futuro. A crítica é construtiva, a descrença é estéril.

Como pregou Campos, "não desista do Brasil!". Não ao voto nulo!

O impasse da terceirização - CELSO MING


O ESTADO DE S.PAULO - 17/08


Em vez de resolver conflitos de interesse entre trabalhadores e empregadores, a Justiça do Trabalho segue criando problemas novos. Um deles envolve as questões da terceirização, ou seja, a contratação de empresas para prestar serviços em outras empresas.

A Súmula 331, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), de 2011, que deve ser observada pelas instâncias inferiores, definiu que nenhuma empresa pode transferir para outras atividades que lhes são próprias (atividades- fim). Só pode terceirizar atividades-meio (serviços de limpeza, de segurança, etc. - desde que não sejam empresas de limpeza, segurança, etc.).

Um dos problemas consiste em saber o que seja, na prática, atividade-fim e atividade-meio. A questão chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF) por recurso da Celulose Nipo Brasileira S.A. (Cenibra) contra a decisão da Justiça do Trabalho, que a condenou por ter contratado empresas para cortar madeira, considerada atividade-fim da empresa pelo Tribunal Superior do Trabalho. A denúncia original foca as precárias condições dos que extraem madeira utilizada pela Cenibra.

No entanto, se a Cenibra, cuja atividade-fim é produzir celulose e não madeira, matéria-prima que pode ser adquirida de outros fornecedores, fica proibida de terceirizar corte de madeira, então nenhuma empresa agrícola poderia contratar outra empresa para executar serviço de preparo de terra ou uma especializada em aplicar defensivos agrícolas. Nesse caso, também uma montadora de veículos estaria proibida de contratar uma empresa para fornecer e montar pneus nos seus veículos? Uma editora de jornais e revistas estaria proibida de contratar outra empresa de serviços fotográficos ou de impressão?

Hoje, existem 35 mil empresas intermediárias que prestam serviços para outras no Brasil, como informa o Sindicato das Empresas de Prestação de Serviços a Terceiros do Estado de São Paulo (Sindeprestem). O segmento, ainda não regulamentado por lei, compõe uma massa salarial de R$ 27,2 bilhões.

Como explica o diretor da Faculdade de Direito da PUC-SP e ministro aposentado do TST, Pedro Paulo Teixeira Manus, há visões muito polarizadas sobre a terceirização. Há os sindicatos e juízes do trabalho que temem o que chamam de "precarização do trabalho", ou seja, a contratação de pessoal com salário mais baixo e piores condições. Mas há também uma prática já consolidada na economia que precisa de parâmetros. "A lei não pode amordaçar a economia nem o comportamento social. O monstro a combater não é a terceirização, mas sim sua má utilização", argumenta Manus.

A desembargadora aposentada Magda Barros Biavaschi, integrante do Fórum Nacional em Defesa dos Trabalhadores Ameaçados pela Terceirização, defende posição mais favorável aos sindicatos: "A terceirização precariza as condições de trabalho e aprofunda a cisão da classe trabalhadora. Não aumenta a competitividade. Tanto não aumenta que o Brasil é um dos países que mais ampliaram a terceirização desde a década de 1990 e, no entanto, não aumentou a sua produtividade".

O outro lado rebate. Alexandre Furlan, vice-presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e presidente do Conselho de Relações do Trabalho da CNI acredita que a terceirização é uma opção estratégica de ordenação do processo produtivo. "Sem ela, a indústria perderia mais competitividade do que já perdeu. Terceirizar não é precarizar. O que precisa ser combatido são empresas prestadoras de serviços de terceirização que não cumprem os direitos dos trabalhadores."

Levantamento da CNI, divulgado na quarta-feira passada, indica que 70% das empresas industriais brasileiras (transformação, extrativa e construção) utilizam serviços terceirizados. Ainda conforme a sondagem da CNI, mais da metade delas terceiriza montagem ou manutenção de equipamentos (56,3%) e logística e transporte (51,1%).

A questão é uma enorme fonte de encrencas. Só neste ano, tramitam no TST 16.820 processos (veja o gráfico) que envolvem apenas questões de terceirização. Projeto de lei que regulamenta a matéria (PL 4.330) está emperrado no Congresso desde 2004. O processo que tramita no Supremo espera parecer da Procuradoria-Geral da República e não tem data para sentença.

Tribunais do faz de conta - SUELY CALDAS

O ESTADO DE S.PAULO - 17/08


Instrumento que se tornou vital para o controle da gastança dos políticos, a Lei de Responsabilidade Fiscal entrou na adolescência (completa 15 anos em 2015) produzindo resultados positivos: desde sua criação, em 2000, obriga presidentes, governadores, prefeitos e quem mais tem poder de manejar dinheiro público a frear o ímpeto gastador e adequar suas despesas às receitas. Apesar disso, é uma lei que segue incompleta, porque a estrutura de fiscalização dos gastos públicos não acompanhou a lei e continua com os mesmos vícios e distorções de antes, deixando o caminho livre para contas reprováveis de políticos serem aprovadas (às vezes com louvor) e para a prática de corrupção de agentes que deveriam fiscalizar e punir.

Essa estrutura é formada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e mais 33 tribunais de contas de Estados (TCEs) e municípios (TCMs), responsáveis por fiscalizar, aprovar ou rejeitar a prestação de contas de presidentes, governadores, prefeitos, empresas estatais e órgãos sustentados com o dinheiro dos impostos. Quem não se lembra do ex-governador Paulo Maluf proclamando "minhas contas foram aprovadas com louvor pelo TCE de São Paulo", quando questionado sobre o dinheiro dos contribuintes paulistas que foi parar em 20 contas da família Maluf na Suíça e na Ilha Jersey? E os casos dos conselheiros Robson Marinho (TCE-SP) e Domingos Lamoglia (TCE-DF), que respondem na Justiça por crimes de corrupção? E tantos outros (para ficar só nos casos mais recentes) dos tribunais do Rio, Bahia, Mato Grosso, Espírito Santo, Rondônia e mais sete (quase o pleno inteiro) do pobre Amapá, acusados de desviar R$ 100 milhões do tribunal?

Os erros já começam pela lei: eles são parte do Poder Legislativo, quando deveriam pertencer ao Judiciário, já que sua função é fiscalizar e julgar a gestão financeira de deputados, senadores e vereadores que se tornaram governadores e prefeitos. E o erro continua com os critérios para escolha de ministros do TCU e de conselheiros dos TCEs. Pela lei, 1/3 é escolhido pelo presidente da República ou por governadores e 2/3, pelo Congresso Nacional e Assembleias dos Estados.

Com esse modelo, obviamente, a escolha dos felizardos candidatos a ganhar, em média, R$ 37 mil (entre salário, auxílios alimentação e moradia e abono de permanência) resulta de acordos político-partidários que, invariavelmente, indicam para as vagas parlamentares aposentados ou derrotados em eleições. E o acordo, claro, contempla a regra "aprova as minhas contas que eu aprovo as tuas", já que eles fiscalizam a si próprios. O critério, escrito na lei, de possuir conhecimento jurídico e reputação ilibada vira mera formalidade na decisão da escolha, vistos os inúmeros casos em que conselheiros são acusados de receber propina em troca de decisões favoráveis a envolvidos em processos. Ah, e tem mais: os cargos são vitalícios.

A mesma equipe que concebeu a Lei Fiscal preparou, em 2000, uma proposta de emenda constitucional (PEC) propondo as seguintes mudanças nos tribunais de contas: 1) como no Judiciário, os cargos de ministros e conselheiros seriam ocupados por técnicos de carreira concursados; 2) o mandato vitalício seria substituído por mandato fixo de seis anos; 3) criar um conselho nacional para controlar e fiscalizar os tribunais de contas; 4) vedar nomeações de funcionários sem concurso público (hoje o apadrinhamento inflaciona os tribunais); 5) extinção dos tribunais de contas dos municípios do Rio de Janeiro e de São Paulo; e 6) definir com mais rigor os critérios de notório saber e reputação ilibada na escolha de conselheiros. Obviamente, o poder dos contrariados venceu e a PEC nem sequer tramitou no Congresso.

O presidente da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), Valdecir Pascoal, reconhece o problema: "Não ganhamos confiança da população se isso não mudar, mas não posso sair por aí chutando feito um black bloc", diz, referindo-se à resistência de parlamentares e de governadores. Recente encontro da Atricon recomendou mudanças, mas sem poder de implementá-las.