domingo, 17 de agosto de 2014

Excesso de Estado - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 17/08


SÃO PAULO - O papel do Estado como agente regulador é simplesmente inafastável. Imagine como seria viver em cidades de milhões de habitantes sem papel-moeda, pesos e medidas uniformes e convenções mínimas, como a de que se deve trafegar pela direita da via. Libertários têm minha simpatia, mas é tolice imaginar que o Estado possa um dia tornar-se dispensável.

Admitir esse truísmo não implica aceitar que o poder público deva se meter em tudo. Economistas são rápidos em sacar múltiplas explicações para o fato de o Brasil ser um país onde as coisas são caras, mas raramente lembram da hiper-regulação.

Por aqui, donos de cinema precisam fornecer meia-entrada a estudantes e idosos, companhias aéreas têm de pagar hospedagem de quem ficou sem voo por causa da chuva e planos de saúde são obrigados a custear psicólogos, psicoterapeutas, fonoaudiólogos etc. Não tenho nada contra essas comodidades, mas elas têm custos que só quem crê que leis têm poderes mágicos não percebe que são repassados ao consumidor.

E aí parece-me muito mais razoável deixar que o cliente escolha o que quer comprar. Se ele só quer cobertura para emergências médicas, deve poder escolher um plano sem muitos badulaques e por um preço mais em conta. Se confia em são Pedro, deve poder adquirir uma passagem sem seguro contra intempéries. Não entendo por que a venda casada é um ilícito quando praticada por particulares, mas um "direito" quando imposta pelo Estado.

Essa longa introdução serve para justificar minha posição contrária à norma que obriga o comércio a não diferenciar entre pagamentos à vista e com cartão. Se o custo da segunda modalidade é maior que o da primeira, não faz sentido estendê-lo a quem paga à vista. Se o temor é o de que a "ganância dos capitalistas" leve a preços maiores para usuários de cartão, então o remédio é mais concorrência e não mais normas. 

O invariável - MARTHA MEDEIROS


ZERO HORA - 17/08


Outro dia escutei uma mulher separada decretar o fim da mesmice: resolveu se esbaldar na vida. Disse ela que não queria mais saber de relação fixa e que saía quase todas as noites a fim de se divertir apenas. Tem conhecido muitos caras diferentes, com alguns chega às vias de fato, e é isso aí, adeus à monotonia.

Mas o olhar dela não soltava faíscas, ao contrário, parecia bem opaco.

Naquele momento, lembrei uma frase do blog de um amigo paulista, o Eduardo Haak. Ele recentemente escreveu: “Nada é mais invariável do que as supostas variedades”. De primeira, quando li, me bateu uma estranheza, fiquei na dúvida se ele estava sendo irônico ou o quê, até que, ouvindo a moça baladeira contar de seus recordes de revezamento, me dei conta de que a situação dela era ilustrativa: toda variação que se torna sistemática também é mais do mesmo.

Ou seja, nada impede que a busca de um amor a cada sexta-feira se torne uma situação igualmente sujeita ao tédio. Virar refém da variedade pode ser uma atitude tão rotineira quanto dedicar-se a uma única pessoa por anos – arrisco até dizer que, ao dedicar-se a uma única pessoa, a chance de se ter uma vida mais dinâmica dispara.

Por quantas fases passa uma relação? O frio na barriga inicial, a paixão febril, as surpresas a cada nova revelação, as descobertas feitas a dois, a aproximação dos corpos, a intimidade cada vez maior, os amigos e a família agregando-se, cada viagem uma lua de mel, a troca de confidências, as diferenças aparecendo, os acordos feitos para manter a coisa funcionando, ajustes necessários, a paixão virando amor, a segurança da companhia um do outro, as fotografias se acumulando, planos sendo feitos a longo prazo, a primeira briga, as saudades, a consciência de que aquela pessoa é essencial, o reatamento, as juras, os cuidados para que não desande nunca mais, todos os cinemas, cafés da manhã, leituras compartilhadas, risadas, os comentários de fim de festa, as piadas internas, a confiança, os cafunés, os pedidos de conselho, a hora de ser amigo, a hora de ser bandido, o sexo evoluindo, o amor se fortalecendo, a passagem do tempo trazendo novos desafios, o orgulho pelo que está sendo construído, os estouros, os gritos, os beijos de novo... ufa, alguém aí me alcança um copo d’água?

Amar não é para amadores, e quando a relação é honesta, sólida e os protagonistas têm algum tutano, duvido que o enfado dê as caras.

É a variedade de parceiros que evita o aborrecimento? Nunca funcionou comigo. Nem no amor, nem fora dele. A alucinada atualização de notícias, a velocidade das redes sociais, os dias pulsando em ritmo supersônico, tudo o que não permite foco e entrega, hoje em dia, só me causa bocejos. Aprofundar-se é que é a verdadeira vertigem.

E SE A PAULISTA EXISTISSE COMO FERROVIA PRIVADA ATÉ HOJE?, do Blog do Ralph (que legal)


A CP - V-8 entre Itirapina e Rincão ou Itirapina e Bauru - Foto atribuída a Clodoaldo Oliveira
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Exercícios de "e se" são extremamente difíceis de se fazer. Imaginar o que teria acontecido durante (neste caso específico da Companhia Paulista de Estradas de Ferro) os últimos 53 anos com a mais lucrativa empresa ferroviária do Brasil - assim como também a única ferrovia privada em 1961 do País - é simplesmente impossível, devido ao enorme número de vriáveis a se tomar em conta.

Antes que me corrijam, vale dizer que havia mais uma estrada de ferro particular no Brasil, nessa época: a Estrada de Ferro do Amapá, que, aliás, com seus cento e cinquenta quilômetros de extensão, continua privada até hoje.

Outra coisa a acrescentar é que a E. F. Santos a Jundiaí foi considerada durante sua existência como empresa particular (entre 1862 e 1946, com o nome de São Paulo Railway) a mais lucrativa empresa ferroviária do Brasil e uma das mais rentáveis do mundo. Em 1961, porém, já era estatal havia quinze anos e já apresentava contínuos deficits.

Finalmente, temos de estabelecer uma premissa para este exercício de imaginação: que a história política do Brasil e de suas ferrovias tivessem se desenvolvido da mesma forma que aconteceu durante todo esse tempo. É claro que a continuidade da Paulista como firma privada afetaria, bem ou mal, esta iguadade de desempenho - mas temos de trablhar com isso.

Não se trata, aqui, de nenhum trabalho espetacular, indo a fundo em detalhes.Apenas um rápido exercício. A história prossegue: de alguma forma, durante a greve de meados de 1961 na Companhia Paulita (CP), a empresa, mais uma vez, como conseguira por vários anos seguidos desde o final da Segunda Guerra Mundial, encerrou a greve com um acordo que satisfez as duas partes envolvidas - dirigentes e operários. Não houve interferência do Estado e muito menos a desapropriação das ações da empresa.

Na época, a CP havia fechado apenas duas de suas linhas: exatamente os dois ramais de 60 cm de bitola, Porto Ferreira a Vassununga e Descalvado a Aurora. Linhas curtas e certamente deficitárias. Desde o início dos anos 1950 a empresa vinha tentando seu fechamento, que ocorreu em 1960. Depois, na hisyótia real, o ramal seguinte a fechar foi o de Água Vermelha (São Carlos a Santa Eudoxia), em março de 1962. Assumamos que tal também teria ocorrido numa história paralela de CP privada, pois desde 1957-58 ela vinha tentando obter autorização do Estado para isto.

Assumo aqui que outros pequenos ramais que foram fechados na "vida real" entre 1964 e 1969, todos de bitola métrica, também seriam fechados pela empresa privada. Tomaria apenas uma exceção: o ramal São Carlos a Novo Horizonte, que englobava, na verdade, a linha-tronco da antiga Douradense, que havia sido adquirida pela Paulista em 1949. Assumo isto porque, durante toda a década de 1950, a CP investiu na recuperação dessa linha, com troca de trilhos, empedramento e dormentes, gastndo uma quantia considerável de dinheiro para favorecer o transporte melhor para os passageiros. Era considerada uma linha potencial pela CP - isto está escrito nos relatórios oficiais da empresa nos anos 1950 e início dos 1960.

A linha Bebedouro a Nova Granada, adquirida da E. F. S. Paulo-Goiaz em 1950, também sofreu melhoramentos. Poderia ter sido mantida por uma suposta CP particular. Possivelmente até prolongada e poderia ser uma concorrente à E. F. Araraquara. As bitolas teriam sido mantidas como métricas, mas dependendo do desempenho, teriam sido provavelmente ampliadas para bitola larga, como as outras linhas da Paulista.

As duas linhas-tronco continuariam operando até hoje: São Paulo a Colombia, com a bifurcação em Itirapina até Panorama (quando a estatização de 1961 veio, esta última tinha como terminal a estação de Dracena e as obras da continuação para Panorama estavam em andamento. A Paulista estatal a terminou, de qualquer forma, entregando-a no início de 1962).

Finalmente, havia os três ramais em bitola larga. Um deles foi desativado e desmontado entre 1968 e 1980, o Pirassununga a Santa Veridiana. Esta última linha, para ser rentável nesse tempo, teria de ser prolongada ate a região de Ribeirão Preto, pelo menos. Com a construção das variantes novas da Mogiana nos anos 1960 e 1970, a CP teria de concorrer com a Mogiana. Apesar de ter a vantagem da bitola larga, a concorrência não seria fácil: o trajeto teria de correr praticamente paralelo ao da Mogiana.

O outro, Cordeiropolis a Descalvado, se fosse prolongado a Ribeirão Preto, eliminaria de vez o rama de Santa Veridiana. Ou seja, somente um deles sobreviveria. Provavelmente o que chegava a Desclvado, que poderia seguir para Ribeirão não tão próximo à Mogiana. Especulações.

Por fim, o ramal de Piracicaba. Saía de Nova Odessa e chegava a Piracicaba, com pouco mais de 40 quilômetros. Ele poderia seguir até Torrinha - isto chegou a ser aventado pela CP estatal na "vida real" em 1969, mas apenas para se juntar ao tronco oeste entre Brotas e Jaú. Cortaria caminho? Para a região oeste do Estado, sem dúvida. Mas teria de vencer a serra entre Piracicaba e Torrinha. Com tecnologia moderna, viadutos e túneis seriam necessários. Descongestionaria a linha-tronco principal entre Nova Odessa e Itirapina. Provavelmente viável.

Em 1971, a FEPASA seria formada apenas com quatro ferrovias, sem a CP. Com isto, se não se chegasse a um acordo com a FEPASA governamental, a linha entre Jundiaí e Campinas não poderia ser utilizada. Na verdade, provavelmente o acordo seria assinado de tráfego mútuo, sim. Mas haveria uma altenativa para quem saísse de São Paulo e isto, somente para os trens de passageiros, pois as cargas vindas do interior poderiam seguir pela serra da Sorocabana para o porto. Se fossem para São Paulo, via Campinas-Mairinque. Evangelista de Souza-Julio Prestes. Já para trens de passageiros, sair de Julio Prestes e entrar por Mairinque para Campinas e daí para o interior ser  alternativa para não se usar o trecho Jundiaí-Campinas. Mas o tempo de viagem aumentaria muito. Admitamos que no nosso "passado alternativo" a CP atorizaria a passagem pelo menos dos trens de passageiros que seguiriam pelas linhas da Mogiana para o Triângulo Mineiro no seu trecho. Afinal, a CP também precisaria do trecho da E. F. Santos a Jundiaí para alcançar a Luz e da serra da Sorocabana para descer mais fácil suas cargas para Santos.

A CP chegaria, então, adotando a linha de raciocínio acima, até hoje com as seguintes linhas para o transporte de passageiros - que ela manteria, sempre investindo de forma a concorrer com a as alternativas aéreas e rodoviárias:
 - São Paulo-Santos, usando a linha da antiga EFSJ;
 - São Paulo-Campinas-Colômbia, usando a linha da antiga EFSJ entre São Paulo e Jundiaí. (prolongaria a linha até Frutal, no Triângulo Mineiro, como se desejava em 1940?)
 *Nestes dois casos, ela poderia consegiur a construção de linhas exclusivas para suas linhas de passageiros e cargas acompanhando de perto ou de longe as linhas da EFSJ - isto evitaria o problema da privatização efetuada em 1967, mais especificamente a MRS, que cuida das linhas apenas para cargas, ou seja, com menos "esmero". O poblema seria a dscida da serra. Recuperaria a CP a "serra nova", hoje em ruínas? Afinal, a MRS somente se utiliza da "serra velha", hoje a cremalheira.
 - São Paulo-Campinas-Piracicaba-Torrinha-Panorama;
 - Itirapina-Torrinha-Panorama;
 - São Carlos-Novo Horizonte (talvez prolongando a linha até o rio Paraná);
 - Bebedouro-Nova Granada (prolongaria?);
 - Cordeirópolis-Decalvado-Ribeirão Preto.

As ferrovias que já eram eletrificadas provavelmente continuariam a sê-las. E as outras, que ainda não eram? Teriam sido? Todas elas? Que locomotivas e carros a CP teria hoje? Que cores teria ela em suas composições?

Supõe-se aqui que a CP não abandonaria seus trens de passageiros, pois ela inda os defendia na época em que foi encampada em 1961. Como ela se relacionaria com a FEPASA? E com a MRS e a ALL? A filosofia da CP seria contaminada com a filosofia de capitalismo selvagem sem comprometimento com a infra-estrutura do País praticado pelas atuais concessionárias, que não têm os 140 anos de experiência que a CP teria se houvesse chegado até hoje?

É um cenário ao qual jamais teremos uma resposta. Enfim, pior do que prever o futuro, pois aqui você tem uma pequena chance de acertar. Nas minhas divagações sobre um passado que não existiu, as respostas corretas não existem.
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