domingo, 30 de março de 2014

PT paulista enfrenta seca de puxadores de voto


Condenações no mensalão e cargos em prefeituras tiram da disputa um terço dos deputados federais eleitos em 2010; Assembleia tem ainda mais baixas

30 de março de 2014 | 2h 03

FERNANDO GALLO - O Estado de S.Paulo
O PT amarga em São Paulo, maior colégio eleitoral do País, uma seca de puxadores de voto e enfrenta dificuldades para conseguir eleger, em outubro, o mesmo número de deputados federais e estaduais paulistas conquistado pelo partido em 2010.
Em Brasília, corre o risco de ir na contramão do projeto nacional do PT de aumentar a bancada na Câmara. No Estado, onde espera eleger governador o ex-ministro Alexandre Padilha, pode não repetir o desempenho de 2010, quando empatou com o PSDB como maiores bancadas.
Os motivos para a seca são vários: direitos políticos cassados pelo mensalão; licenças para servir a administrações petistas; renúncias após a posse como prefeitos; missões partidárias importantes no PT e na campanha de reeleição da presidente Dilma Rousseff; entre outros.
A recomposição, no entanto, deixa a desejar, pois faltam nomes de expressão. Para conter ao menos em parte os danos, o PT paulista vai recorrer a uma prática a que nunca cedera: lançar personalidades do mundo do futebol, como o ex-presidente do Corinthians Andrés Sánchez (federal) e o ex-jogador Marcelinho Carioca (estadual).
Na chapa para deputado federal, dos 15 petistas eleitos em 2010, cinco não concorrerão à reeleição, inclusive os dois mais votados: João Paulo Cunha, condenado pelo mensalão, e Jilmar Tatto, secretário municipal em São Paulo. Juntos, somaram mais de 500 mil votos.
Também deixarão de concorrer Ricardo Berzoini, recém-escolhido ministro de Dilma; José de Filippi Jr., também secretário paulistano; e Carlinhos Almeida, prefeito de São José dos Campos desde 2012. Completa as baixas José Genoino, condenado no mensalão, que em 2010 foi eleito segundo suplente.
Para compensar, o PT vai colocar na chapa aliados dos ausentes: o vice-prefeito de Osasco, Valmir Prascidelli, vai para o lugar de João Paulo; Jilmar Tatto lançará o irmão Newton; na Diadema de Filippi sai candidato Mário Reali, também ex-prefeito; Carlinhos Almeida apoiará a mulher, Amélia Naomi; e Berzoini lançará o deputado estadual Luiz Cláudio Marcolino, bancário como ele.
Assembleia. A corrida pela bancada estadual tem um desfalque de 7 dos 11 deputados petistas mais votados em 2010: Edinho Silva será tesoureiro de Dilma; Rui Falcão ficará como presidente do PT; Carlos Grana (Santo André) e Donisete Braga (Mauá) hoje são prefeitos; Simão Pedro está no secretariado de Fernando Haddad; Ana Perugini vai tentar ser federal; e João Antonio renunciou para ser conselheiro no Tribunal de Contas do Município (TCM).
Também são desfalques Adriano Diogo e Hamilton Pereira, que tentarão a sorte como candidatos a deputado federal.
Para contrabalançar, a direção do PT escalou o presidente da Câmara Municipal, vereador José Américo, para engrossar a chapa de estaduais. Além dele, disputarão nomes regionalmente importantes, como Luiz Turco, de Santo André.
O presidente do PT paulista, Emidio de Souza, avalia que, apesar disso, o partido terá chapas competitivas. "Estamos suprindo tudo o que é possível. Talvez os substitutos não tenham a mesma quantidade de votos, mas são candidatos de bom porte", disse. Ele não quis informar as metas do partido no Estado, deixando entrever as dificuldades. "Nacionalmente vamos crescer, mas cada Estado é uma realidade."

Falta muita coisa no SUS


30 de março de 2014 | 2h 05

O Estado de S.Paulo
Faltam leitos, faltam profissionais de saúde, faltam medicamentos e insumos hospitalares, faltam equipamentos - e, quando há, podem estar obsoletos ou sem manutenção -, a estrutura física muitas vezes é inadequada e os recursos de tecnologia de informação são insuficientes. Estes são alguns dos "problemas graves, complexos e recorrentes" detectados por uma auditoria inédita do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre a assistência hospitalar no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Os brasileiros que precisaram recorrer aos serviços do SUS conhecem alguns desses problemas, mas o levantamento feito por auditores do TCU mostra com precisão numérica a real situação desses hospitais.
Em 2013, ano em que foi feito o levantamento, existiam 5.208 hospitais gerais e 417 prontos-socorros gerais ligados ao SUS. A pesquisa abrangeu 116 unidades (2% do total), distribuídas por todos os Estados e pelo Distrito Federal. Como a pesquisa foi concentrada nos hospitais maiores, o número de leitos da amostra (27.614) corresponde a 8,6% do total disponível no SUS (321.340 leitos).
A redução do número de leitos por habitante vem ocorrendo em boa parte do mundo. Esse fenômeno está sendo registrado também no SUS. Mas, ao contrário do que ocorre nos países industrializados, onde a redução não resulta em piora do atendimento da população, aqui ela torna piores os índices que já eram ruins.
Em 1995, o Brasil tinha, em média, 3,22 leitos hospitalares por 1.000 habitantes, mas em 2010 o índice tinha caído para 2,63. Também o índice médio dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) vem caindo (de 5,4 em 2000 para 4,6 em 2010). Na OCDE, porém, a redução se deveu em parte ao avanço da tecnologia, que permitiu o aumento do número de procedimentos que não necessitam de internação.
A consequência mais óbvia da redução do número de leitos no Brasil é a superlotação de boa parte dos hospitais, especialmente do setor de emergências. Dirigentes de 64% dos hospitais avaliados pelo TCU informaram que há superlotação nas emergências. Pacientes atendidos ou internados em corredores, em macas, em cadeiras e em bancos não são cenas raras nesses hospitais.
A falta de articulação entre os programas públicos de saúde e a provável ineficácia de alguns deles acabam empurrando mais pacientes para a área de emergência, tornando mais grave o problema da superlotação. Com dificuldade de acesso aos serviços de atenção básica, que não cobrem todo o País, parte da população procura os serviços de emergência. Dirigentes de 58% dos hospitais informaram que mais da metade dos pacientes atendidos na emergência apresenta problemas de baixa gravidade ou urgência.
Mais da metade dos estabelecimentos apresentou, em 2012, taxas de ocupação superiores a 85%, fato que se repetiu no primeiro semestre do ano passado. É um índice superior ao considerado desejável pelo Ministério da Saúde (de 80% a 85%), o que pode indicar superlotação. Das 116 instituições fiscalizadas, 94 (ou mais de 80%) não tinham o quadro profissional completo. A falta de pessoal resulta na não realização de procedimentos necessários, ou sua realização em padrões inferiores, e até no bloqueio de leitos, que já são escassos.
A falta de medicamentos e insumos foi apontada como problema por 25 hospitais avaliados. Mas não é improvável, segundo os auditores do TCU, que outros hospitais venham utilizando medidas paliativas, como a substituição de materiais por outros menos adequados para determinados procedimentos ou tratamentos.
Quanto a equipamentos, 89 hospitais careciam de algum aparelho. Por falta de equipamentos mínimos para seu funcionamento, 251 leitos estavam bloqueados. Quanto à estrutura física, 85 hospitais disseram que é inadequada, por causa do mau estado de conservação, projeto arquitetônico ruim ou defasado e utilização de imóvel projetado para outras finalidades. Em plena era do computador, 11% dos hospitais visitados disseram não possuir sistema informatizado.

Inicializando (sobre o marco civil)


'América Latina é terreno fértil para discussões iniciais, porém vibrantes, sobre os direitos e liberdades fundamentais na web', diz ativista francês

29 de março de 2014 | 16h 00

Juliana Sayuri
Adiada diversas vezes desde 2011, a discussão sobre o Marco Civil da Internet finalmente saiu da gaveta dos parlamentares que, na terça-feira, passaram o PL 21626/11, a "carta" com princípios e garantias, direitos e deveres na rede, em votação simbólica. Enquanto o texto caminha para o Senado, Jérémie Zimmermann caminha por Bogotá.
Após quase três anos engavetado, o PL 21626/11 foi aprovado na Câmara. Agora vai ao Senado  - Dida Sampaio/Estadão
Dida Sampaio/Estadão
Após quase três anos engavetado, o PL 21626/11 foi aprovado na Câmara. Agora vai ao Senado
Fora dos bastidores da política brasileira, Zimmermann, ativista francês e coautor de Cypherpunk (Boitempo) com Julian Assange, Jacob Appelbaum e Andy Müller-Maguhn, destaca a América Latina como terreno fértil para discussões mais vibrantes sobre os direitos na sociedade digital - incluída aí a tal neutralidade da rede, expressão intensamente googlada nos últimos dias. "Neutralidade é a universalidade da internet. Quer dizer que todo mundo deve ter acesso a tudo", define. "Uma ‘Constituição’ própria para a internet? Não sei se é preciso. Afinal, já temos um conjunto de princípios universais. É a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Nessa linha, não vejo tanta distinção entre o mundo online e o offline atualmente. É um mundo só", redefine.
A Zimmermann interessa o teor humano da tecnologia: "Não podemos pensar a tecnologia só por parâmetros econômicos, políticos, técnicos. Devemos pensar em termos de humanidade".
Fundador e porta-voz do movimento La Quadrature du Net, o ativista se considera um cidadão do mundo, com passaporte francês, vivendo entre aeroportos, conferências e hotéis. Nos últimos tempos, visitou Assange na embaixada equatoriana em Londres, conferiu o projeto Flok Society, em Quito, e o HackBo, em Bogotá. Dias antes de desembarcar em São Paulo, para a CryptoParty e depois para a Conferência Internacional sobre Governança Global da Internet, Jérémie Zimmermann deu esta entrevista ao Aliás.
Após quase três anos de discussões, parlamentares brasileiros aprovaram o Marco Civil da Internet na semana passada. Uma questão simples: por que é importante para um país ter uma legislação específica para a internet?
Nós precisamos garantir direitos e liberdades fundamentais no mundo online. Atualmente, muitos desses direitos, como a liberdade de expressão, estão sendo intensamente desrespeitados, tanto por companhias quanto por governos, mediante restrições comerciais e tecnológicas de acesso. As companhias restringem a internet a partir de interesses comerciais - exemplo clássico acontece quando Google e YouTube aceitam pedidos da indústria cultural para retirar automaticamente certos conteúdos que não lhes agradam por razões financeiras; assim, eles estão limitando a liberdade de expressão. Nos últimos 15 anos, as forças políticas também estão tentando jogar esse jogo, por vezes restringindo e controlando as comunicações na internet - e desrespeitando a privacidade, como vimos no caso da NSA. Por isso, é importante que os países possam contar com uma carta para legislar e garantir a neutralidade da rede, marcar os direitos fundamentais para todos. Nessa linha, não vejo tanta distinção entre o mundo online e o offline atualmente. É um mundo só.
Quão avançada está essa discussão em outros países?
Seria difícil ensaiar um balanço da discussão em âmbito mundial, mas abordarei alguns bons exemplos. Alguns países estão avançando principalmente na discussão sobre a neutralidade da rede. Neutralidade é a universalidade da internet. Quer dizer que todo mundo conectado à internet deve ter acesso a tudo na internet - e pode participar de tudo que quiser. É uma oportunidade aberta para a cultura, a economia e a sociedade. A Holanda foi o primeiro país a estabelecer a neutralidade da rede como lei, em 2011. Depois vieram as experiências de Chile, Eslovênia, Peru. Acredito que o Marco Civil foi idealizado mesmo antes de esses países assinarem suas leis - e não sei por que ficou tanto tempo em discussão. Na América Latina especialmente, vejo uma consciência maior sobre a importância da discussão. Aqui estão as discussões mais vibrantes sobre essas questões tão atuais. Sem esquecer o Equador, que agora aposta no projeto Flok Society, que está muito além de apenas proteger as liberdades na rede, mas pretende pensar uma transição do capitalismo para uma economia social para compartilhar conhecimento com culturas e softwares livres. E sem esquecer o Brasil, já que a presidente Dilma Rousseff foi a única a peitar Barack Obama nas Nações Unidas, após o estouro do escândalo Edward Snowden. Na Europa, estamos prestes a passar por um momento crucial sobre a regulação das telecoms no Parlamento. Por um lado, poderemos conquistar medidas legais para proteger a liberdade de expressão e a neutralidade da rede. Por outro, a depender do teor do texto, poderemos ver instituída uma falsa neutralidade cujas brechas permitirão às operadoras discriminar as comunicações online e usar essas informações para o mercado. Isso será discutido no dia 3 de abril. O timing mostra como a questão é atual. É o momento para mostrar se os europeus estão acompanhando os avanços de outros países, como o Brasil. Nossos parlamentares vão resistir às pressões do lobby das telecoms? Vão honrar seus compromissos com as liberdades fundamentais? Essas decisões políticas têm força simbólica, mas não é hora de cantar vitória ainda. Precisamos olhar para os próximos passos.
Há um paradoxo entre liberdade e regulação na internet?
Não, não há contradição. Os governos devem proteger as liberdades fundamentais de seus cidadãos. É seu dever, legal e político. Aí entra a neutralidade da rede. É uma intervenção do Estado para regular o comportamento das companhias que, por interesses particulares, tende a ameaçar os direitos de seus cidadãos. A liberdade é uma característica cultural, histórica e tecnológica da internet, que foi pensada assim, livre, há 25 anos. Mas, nos últimos 15, as operadoras viram como a tecnologia poderia servir para restringir as liberdades.
O Parlamento europeu rejeitou o projeto Acta em julho. Como você vê a questão do copyright na era digital?
Lutamos por muito tempo contra o Acta, um dos acordos mais escandalosos contra a cultura de compartilhamento na internet. No Brasil, vocês devem compreender essa ideia de cultura, não é? A mistura, o remix, o share é uma expressão cultural. Compartilhar é parte da cultura contemporânea, criada, inovada, recriada. Mas há uma grande indústria, principalmente nos Estados Unidos, que quer impor sua visão de mundo e pôr preço em tudo. Se aprovado, o Acta seria a maior ameaça à liberdade de expressão online, provocando uma incerteza legal para todos. Nem tudo deve estar sob a ordem de uma política capitalista de copyrights. É preciso reelaborar essas ideias, repensar o que seriam direitos autorais no nosso tempo. Na Europa, a campanha contra o Acta mobilizou milhares de cidadãos, pressionando o comitê europeu a rever a questão do copyright. E mais uma vez: talvez Brasil, Equador, Uruguai poderiam ser terrenos mais férteis para essa discussão. Quem sabe um dia os direitos autorais se preocuparão em proteger o autor - e não os interesses mercadológicos das companhias. No fim, acredito que a cultura deva ser livre para ser compartilhada, sem visar ao lucro.
Após a revelação do affair NSA, o Marco Civil considerou exigir que companhias internacionais mantivessem data centers em território nacional.
É complexo. Primeiro, há a questão da jurisdição diante de empresas globais como Google e Facebook, ancoradas em contratos na lei da Califórnia. Não sei se localizar o endereço físico de um servidor é a solução certa, afinal, um cidadão brasileiro poderia ter dados hospedados na Islândia e aí? No fim, a verdadeira questão é que os gigantes - Apple e Microsoft, Google e Facebook - já deram provas de seu estilo: eles fazem o que seus parceiros públicos e privados querem que façam, como mostrou o esquema da NSA. A vigilância global existe sobre tudo e sobre todos, o tempo todo. Que fazer? A essa altura, é preciso garantir que todo mundo compreenda isso. É preciso se informar sobre isso, para repensar nossa própria relação com a tecnologia: as pessoas estão vidradas no Facebook, fascinadas nas vitrines da Apple e seus produtos "cool", pensando que isso é ser livre. É? Não. Precisamos compreender que essas ferramentas tão interessantes se tornaram instrumentos de controle e de opressão nas esferas econômica e política. Essa discussão é crucial. Além do Marco Civil, espero que o Brasil viva um esforço político corajoso não só para discutir questões técnicas, mas as tecnologias que deveriam nos permitir ser mais independentes, mais livres, mais plurais.
Como seria uma ‘Constituição’ da internet perfeita? Num mundo ideal, quais seriam nossos direitos? E nossos deveres?
Não tenho certeza se a internet precisa de uma Constituição. Primeiro, isso exigiria um compromisso internacional imenso - e sabemos quão difícil é um consenso internacional e político atualmente. Além disso, não sei se uma nova Carta seria necessária, pois nós já temos um conjunto de princípios universais. É a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que deveria valer no mundo "real" e no mundo digital - quer dizer, como disse antes, é um mundo só. Direitos humanos na sociedade digital, uma capítulo antigo numa sociedade nova. Historicamente, foi um longo caminho para se firmar essa declaração. Ora, opressão e exploração também existem no mundo online. Assim, a defesa da humanidade também deveria ser pensada nessa esfera.
Que futuro você imagina para a internet?
Não posso ler o futuro, mas posso tentar ler o presente. O que inventamos na internet - novas formas de organização e de interação, novas formas de trabalho e de solidariedade - é muito poderoso. O poder econômico e político não pode destruir isso. Esse é o lado mais interessante da tecnologia: sua relação com o humano, com a liberdade humana nas dimensões cultural, intelectual, social. Se a internet for esmagada por esses poderes, o mundo inteiro será também. Quero acreditar que os seres humanos sejam mais inteligentes que isso. Sei que se nos organizarmos e se discutirmos essas questões que impactam em nossas vidas a história será outra. Em diversos países e diferentes contextos, as manifestações dos últimos tempos mostraram que as pessoas podem se organizar, enfrentar ditadores, chacoalhar a geopolítica, exigir direitos democráticos, confrontar a indústria, direcionar tempo e energia para defender seus ideais. Não quero pensar a tecnologia por parâmetros econômicos ou técnicos, mas em termos de sentimento e de humanidade.