sábado, 22 de março de 2014

Sem efeito aspirador


21 de março de 2014 | 21h00
Celso Ming

Em depoimento no Senado, na última terça-feira, o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, passou a informação de que a cotação do dólar já não está, como antes, atuando a favor da inflação. Ao contrário, passou a ser deflacionária, na medida em que, mais barato em reais, o dólar passou a derrubar também em reais os preços dos produtos importados e os de boa parte dos alimentos cotados em moeda estrangeira nas bolsas internacionais de mercadorias.
O mais notável é que a declaração de Tombini não disfarçou o alívio pelo tombo da cotação da moeda estrangeira. Pergunta inevitável que se pode fazer a partir dessa manifestação de alívio é sobre o que, afinal, vinha sendo perseguido: a desvalorização do real (alta da cotação do dólar) para dar competitividade ao setor produtivo, como tantas autoridades do governo vinham repetindo? Ou um câmbio mais baixo, a fim de segurar a inflação?

Tombini. Que alívio? (FOTO: Ed Ferreira/Estadão)
O ministro Guido Mantega, por exemplo, é sempre desconcertante sobre o que quer. Lá pelas tantas, reclama dos efeitos da guerra fiscal comandada pelos grandes bancos centrais cuja política de expansão monetária derruba as cotações da moeda estrangeira nos países emergentes e asfixia as indústrias locais; e, semanas depois, lamenta o impacto inflacionário produzido pela perspectiva de reversão da política monetária do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos).
Por outra razão, Tombini parece surpreso com o que está acontecendo no câmbio interno. No fim de janeiro, em Davos, durante o Fórum Econômico Internacional, ele não escondeu o temor do que chamou de efeito aspirador. O Fed passaria a despejar menos dólares no mercado para, em seguida, começar o processo de enxugamento. E isso deixaria os países emergentes – o Brasil incluído entre eles – sujeitos à escassez de moeda estrangeira sugada pelo Fed, portanto, a alta do dólar e a mais inflação.
Não foi o que aconteceu. Ao contrário, de lá para cá, o Brasil passou a ser alvo de nova chuva de recursos. Ao longo de todo o ano de 2013, o saldo foi negativo em US$ 12,3 bilhões. Até 14 de março, tornou-se positivo em US$ 2,5 bilhões. Mas, de lá para cá, as indicações são de que entraram ainda mais.
Em boa parte, os juros altos em reais, que devem subir mais ainda, favorecem operações de arbitragem, ou seja, favorecem levantamentos de empréstimos em dólares no exterior a juros rastejantes para serem trocados por reais e renderem mais depois de aplicados aqui.
Embora não se saiba em que proporção, dois outros fatores contribuíram decisivamente para a nova entrada de dólares no câmbio interno. O primeiro desses fatores é a percepção dos analistas estrangeiros de que a economia dos emergentes, em especial a do Brasil, não está tão mal quanto lhes parecia. Foi, por exemplo, o que alardeou ainda na semana passada o Prêmio Nobel de Economia Paul Krugman. Não se trata de melhora da confiança, mas de tamanho do risco assumido no curto prazo.
O outro fator que ajudou a despachar dólares para o Brasil foram as declarações feitas quarta-feira pela nova presidente do Fed, Janet Yellen, de que seria ultrassuave na reversão da política monetária e só começaria a puxar pelos juros em 2015. Ou seja, o aspirador americano não será a ameaça temida por Tombini. Está funcionando ao contrário.
CONFIRA:
O gráfico mostra o comportamento do IPCA-15. Os dados ainda não incorporaram a alta do preço dos alimentos em consequência da seca que já foi captada no mercado atacadista.
É outra coisa
O Conselho de Administração da Petrobrás que aprovou a decisão de compra da Refinaria de Pasadena (Texas) em 2006, que se revelou altamente lesiva à empresa, tinha quatro empresários do setor privado: Claudio Haddad, Jorge Gerdau, Fábio Meirelles e Arthur Sendas. Pergunta: teriam eles aprovado esse negócio se a empresa fosse deles?

Para especialistas, Estado demora em despoluir rios


Reúso de água e sobretaxa ao consumo excessivo estão entre soluções para abastecimento em SP

22 de março de 2014 | 16h 14

Fabio Leite - O Estado de S. Paulo
SÃO PAULO - A demora em despoluir os rios urbanos e a busca por fontes de abastecimento cada vez mais distantes das regiões metropolitanas devem intensificar ainda mais "a guerra da água" nos próximos anos, segundo especialistas ouvidos peloEstado.
"As obras para captar água a distância não são as melhores soluções. Além de investir em água de reúso, estimular o uso racional de forma permanente e despoluir os rios, as cidades deveriam regular a ocupação do solo de acordo com a disponibilidade hídrica da região. E, neste caso, as prefeituras têm sido omissas", afirmou o coordenador da ONG Vitae Civilis, Marcelo Cardoso, especializado em gestão ambiental.
Segundo o presidente do Conselho Mundial da Água, Benedito Braga, mais do que grandes e custosas obras, o governo deveria investir na redução da demanda por água. "Estamos numa situação anômala de regime climático, marcada por pancadas de chuvas concentradas e grandes estiagens. A interligação dos sistemas é essencial, mas também é preciso restringir a demanda. A população estava mal acostumada", disse.
Para Braga, uma forma eficiente de reduzir a demanda seria sobretaxar o uso excessivo da água. "A prefeituras deveriam aprovar leis autorizando as companhias de abastecimento a cobrar o preço da água a partir de determinado consumo. Só pegando pelo bolso é que as pessoas vão economizar para valer", afirmou.
O coordenador do Laboratório de Poluição Atmosférica da Universidade de São Paulo (USP), Paulo Saldiva, disse acreditar que, se medidas mais eficientes não forem tomadas, a tendência é de que a disputa por água ganhe proporções continentais. "O que vimos nesse embate entre São Paulo e Rio acontecia antes entre os municípios. Como a demanda é crescente e os rios cortam Estados e países, se não mudarmos a estratégia, os conflitos serão mais frequentes e intensos", afirmou, referindo-se ao projeto de transposição de água da Represa Jaguari, em Igaratá, que abastece o Rio, para a Atibainha, no Cantareira.
Segundo o secretário de Saneamento e Recursos Hídricos, Edson Giriboni, o governo paulista tem feito o dever de casa com o projeto de despoluição do Rio Tietê, o programa de redução de perdas de água pela Companhia Paulista de Saneamento Básico de São Paulo (Sabesp) e com o aumento da oferta hídrica em 15,6 mil litros por segundo nos últimos 15 anos.
"Já vamos iniciar as obras do Sistema São Lourenço, no Vale do Ribeira, e vamos desapropriar as áreas para fazer as barragens no PCJ (Piracicaba, Capivari, Jundiaí), todas elas consensuais. Só esta transposição do Jaguari que gerou polêmica. Mas nós garantimos que ela não vai afetar o abastecimento no Vale do Paraíba e no Rio. Eles também serão beneficiados com a obra", disse. 

Plano para abastecer SP já deflagra disputas por água com Rio, Minas e PR


Para atender à demanda da macrometrópole, governo projeta transposições em 'zonas de conflito'

22 de março de 2014 | 15h 47

Fabio Leite - O Estado de S. Paulo
SÃO PAULO - A recém-deflagrada disputa com o Rio para transpor água da Represa Jaguari, no Vale do Paraíba, para o Sistema Cantareira é apenas uma das brigas políticas que São Paulo terá de comprar para suprir a crescente demanda por abastecimento nos próximos 20 anos. O plano paulista com novas alternativas de captações necessárias até 2035 lista outras quatro obras em "zonas de conflito", onde há represas e rios que também abastecem outros Estados ou são fontes para gerar energia elétrica.
Habitantes pescam na disputada Represa Jaguari - Carlos Villalba Racines/EFE
Carlos Villalba Racines/EFE
Habitantes pescam na disputada Represa Jaguari
Entre elas está um segundo projeto de transposição envolvendo o Rio Paraíba do Sul, responsável pelo abastecimento de 11 milhões de fluminenses. A proposta é captar água na região de Guararema e levá-la até Biritiba-Mirim para aumentar em até 4,7 mil litros por segundo a oferta na Bacia do Alto Tietê, que abastece 17,2% da Grande São Paulo. A obra custaria cerca de R$ 760 milhões e precisaria do aval da Agência Nacional de Águas (ANA) porque envolve captação em rio federal.
Isso torna o projeto ainda mais polêmico que a transposição proposta na semana passada pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB). Mesmo envolvendo a ligação de uma represa paulista (Jaguari), que é apenas afluente do Rio Paraíba, a obra foi contestada pelo governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB).
Autoridades fluminenses temem que ela comprometa o abastecimento do Estado e cobram estudos de impacto. Nesse caso, porém, São Paulo não precisa de aval federal para fazer a ligação, orçada em R$ 500 milhões e prevista para 2015.
O presidente do Comitê da Bacia do Rio Paraíba do Sul, Danilo Vieira Júnior, critica a obra. "O projeto de São Paulo traz diagnóstico e potencial de impacto diferentes do nosso. Eles alegam que o rio tem uma qualidade melhor do que apuramos e uma quantidade de vazão para atender à demanda paulista divergente da disponibilidade hídrica", afirmou Vieira Júnior.
Os dois projetos estão no Plano Diretor de Recursos Hídricos que projeta a demanda por água nos próximos 20 anos em 180 cidades das Regiões Metropolitanas de São Paulo, Campinas, Baixada Santista, Vale do Paraíba e entorno. Será preciso aumentar a oferta em 60 mil litros por segundo, o equivalente a quase dois sistemas Cantareira, conforme o Estado antecipou em fevereiro. A região tem 74% da população paulista - 30 milhões de pessoas.
Ousadia. Para suprir a demanda, o plano prevê a transposição de água da Represa Jurumirim, em Avaré, até a Estação de Tratamento de Cotia, na Grande São Paulo. O ambicioso projeto aumentaria em até 15 mil litros por segundo a oferta de água.
Além do custo, estimado em R$ 9 bilhões, a obra pode impactar na produção de energia da usina hidroelétrica que leva o nome do reservatório, a principal da região. Para compensar a reversão, rios que abastecem cidades do Paraná poderiam ter suas vazões reduzidas.
"Nós temos uma disponibilidade hídrica muito grande, mas é um assunto delicado e precisará de estudos aprofundados. Ainda é cedo para avaliar o impacto", disse David Franco Ayub, secretário executivo da Bacia do Alto Paranapanema.
Na bacia vizinha, no Vale do Ribeira, a preocupação envolve os projetos de captação de água nas Represas Juquiá e Cachoeira de França para abastecer a Grande São Paulo. Na semana passada, as companhias de saneamento paulista (Sabesp) e paranaense (Sanepar) discutiram os impactos do Sistema São Lourenço, que levará 4,7 mil litros por segundo a mais até Cotia. "Nesse caso, não há mais conflito", garantiu a gerente da Bacia do Alto Ribeira, Olga Polatti, no Paraná.
Outra disputa envolve Minas, que quer uma cota maior da água que deixa o Estado para abastecer o Sistema Cantareira, em São Paulo - hoje perto do colapso. "Também precisamos de água para o desenvolvimento industrial. Uma alternativa é São Paulo pagar pelos serviços ambientais que prestamos, que conservam a mata e aumentam a disponibilidade hídrica", disse Marília Melo, diretora do Instituto Mineiro de Gestão de Águas (Igam).