segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Mais médicos e menos improviso


Josef Barat

No jargão dos economistas, o termo estrutural expressa algo decorrente de características essenciais ou duradouras da economia – tratando, portanto, de mudanças que delineiam o longo prazo –, enquanto o termo conjuntural é relativo a variações ou ocorrências no curto prazo. Dar soluções conjunturais a problemas de natureza estrutural, visando ao curto prazo, pode representar uma séria contradição quando se trata de formular políticas públicas.
Por outro lado, fomentar conflitos para justificar políticas de curto prazo é postura de alto risco. Portanto, não é correto insuflar a população contra os médicos brasileiros. Os hospitais públicos e postos de saúde funcionam graças à abnegação de médicos, enfermeiros e atendentes brasileiros. Mal remunerados, sem equipes de apoio e sem equipamentos, dedicam-se a dar assistência médico-hospitalar com grande sacrifício pessoal. Claro que qualquer iniciativa que vise a melhorar o alcance e os padrões de qualidade dos serviços merece aprovação. Mas, dada a extrema complexidade da saúde pública no Brasil, é necessário fazer uma avaliação isenta e objetiva do programa Mais Médicos, sem ideologias nem reações emocionais.
É sempre oportuno lembrar que os problemas da saúde pública nas áreas desassistidas se acumulam há mais de duas décadas. Mais precisamente, desde que foram extintos, no Ministério da Saúde, o Departamento Nacional de Endemias Rurais (DNERu) e a Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (Sucam), criados em 1956 e 1970. Junto com a Fundação Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz), essas organizações de Estado davam suporte a um corpo de médicos sanitaristas de carreira, que exerciam uma função importante com relação não só às endemias, mas também à educação sanitária em comunidades afastadas e carentes.
Foram modelares os programas que contemplaram, de forma integrada, fossas sépticas, tratamento de água e educação sanitária, entre outros. Havia, pois, uma visão estrutural para a solução dos problemas de saúde pública, mesmo considerando a carência de recursos para investimentos e operação. Infelizmente, no governo Collor essas instituições e carreiras médicas foram desmanteladas e sua experiência acumulada se dispersou. A criação da Funasa deixou muito a desejar e se perdeu a visão dos médicos sanitaristas como merecedores de uma carreira de Estado, como têm os magistrados, diplomatas e militares.
Na gestão do ministro Adib Jatene foi criado o programa Médicos de Família, de alcance extraordinário na época, pela objetividade na concepção e condições de baixo custo na sua execução. Infelizmente, esse programa – que tinha visão de mudanças no longo prazo – foi também desestruturado, seguindo a terrível maldição das políticas publicas brasileiras de fazer malograr tudo o que dá certo.
A esta altura, é preciso separar bem e sem paixão a solução tapa-buraco, pela importação de médicos sub-remunerados e de qualificação duvidosa, do que seriam soluções sérias para cobrir de forma duradoura as deficiências dos serviços públicos de saúde, especialmente os que poderiam estar sendo prestados por médicos com carreiras de Estado estruturadas. É pertinente perguntar: 1) se os médicos cubanos terão permanência temporária, pois são impedidos de fixar residência no País, quem irá substituí-los?; 2) Se esses médicos não tiverem suporte de equipes e equipamentos, farão – só no curto prazo – o papel dos antigos médicos sanitaristas?; 3) Existe algum plano de estruturação de serviços de saúde, por meio de equipes multidisciplinares e equipamentos adequados, juntamente com a importação dos médicos?; e 4) Já se pensou em dar aos médicos brasileiros a oportunidade de uma carreira estruturada, com salários dignos e possibilidades de progressão, para alocá-los em áreas carentes, como se faz com magistrados e militares?
Infelizmente, em meio a tanta improvisação, como diria Nelson Rodrigues, o subdesenvolvimento não se improvisa, é obra de séculos...

*Josef Barat é economista, consultor de entidades públicas e privadas, é coordenador do Núcleo de Estudos Urbanos da Associação Comercial de São Paulo.

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Com 7% de biodiesel no diesel, Petrobras teria economia de R$ 2,3 bi


07/02/14 - Aguardado para 2014, o aumento da mistura de biodiesel no diesel fóssil não deve ser implementado neste ano.

A medida, no entanto, poderia ajudar a Petrobras e dar sobrevida ao setor de biodiesel, que opera com metade da capacidade ociosa.

Hoje, o percentual de biodiesel no diesel está em 5%. Se a mistura fosse elevada para 7%, geraria uma economia de pelo menos R$ 2,3 bilhões à estatal em 2014, segundo cálculos de Daniel Furlan, gerente de economia da Abiove (Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais).

A estimativa considera o volume de diesel importado no ano passado e a taxa de câmbio média em 2013 (entre R$ 2,30 e R$ 2,35). Incluindo na conta um possível aumento de consumo neste ano e o dólar mais recente (ao redor de R$ 2,40), o impacto poderia ser ainda melhor para o caixa da Petrobras.

No ano passado, o Brasil importou o equivalente a US$ 8,3 bilhões em óleo diesel, um aumento de 24% em relação a 2012, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento.

As importações são necessárias porque a Petrobras opera no limite da sua capacidade de refino, enquanto o consumo nacional cresce em ritmo acelerado.

Como a logística no Brasil é altamente dependente do modal rodoviário, à medida que aumenta a necessidade de transporte, cresce também o consumo do óleo combustível. "O diesel caminha junto com a safra", diz Furlan.

Assim, a estatal não consegue abastecer o mercado interno com a produção local e precisa importar o combustível a preços maiores do que os praticados no país, o que provoca perdas.

Além de socorrer a Petrobras, o aumento da mistura ajudaria também usinas que foram construídas exclusivamente para a produção de biodiesel no primeiro mandato do presidente Lula, quando foi lançado o Programa Nacional de Biodiesel.

O plano era aumentar a mistura obrigatória ao longo dos anos. Em 2008, ela foi instituída em 2%, subiu para 5% em 2010 e parou. Hoje, as usinas operam com 50% da capacidade instalada ociosa.

Segundo Erasmo Batistte lla, presidente da Aprobio (Associação Brasileira dos Produtores de Biodiesel), três fábricas foram fechadas no fim do ano passado: a Grupal, em Mato Grosso, a Camera, no Rio Grande do Sul, e a Biopar, no Paraná.

Pelas estimativas de Daniel Furlan, da Abiove, se a mistura de biodiesel no diesel aumentasse para 7%, haveria um consumo adicional de 1,2 bilhão de litros de biodieselpor ano.

Em 2013, o consumo nacional foi de aproximadamente 3 bilhões de litros, segundo estimativa da Abiove.

Ele destaca que, além de absorver o excesso de oferta, o maior uso do biodiesel ajudaria a corrigir distorções tributárias na cadeia da soja, matéria-prima de 75% do biodieselproduzido no Brasil.

Com o biodiesel, empresas que atuam também no esmagamento da soja conseguem recuperar créditos tributários que ficam acumulados durante o processo produtivo.

Além do aumento imediato da mistura de 5% para 7%, o setor também reivindica um novo marco regulatório que possibilite um planejamento de longo prazo.

Tatiana Freitas
Fonte: Folha de S. Paulo

Pior seca em 50 anos muda vida da população às margens do Cantareira


23 de fevereiro de 2014 | 2h 06

Diego Zanchetta , enviado especial / Atibaia - O Estado de S.Paulo
Agricultores perderam suas safras e ficam à espera de um caminhão-pipa da prefeitura, famílias convivem com cheiro de esgoto, poços e minas estão secos e hoje há mato e pedras onde antes havia represas e cachoeiras. Quatro anos após as enchentes que obrigaram mais de 6 mil pessoas a deixar suas casas na região do Circuito das Águas, no interior paulista, a pior estiagem em 50 anos mudou a vida da população às margens dos principais mananciais do Estado, que normalmente estariam transbordando nesta época do ano.
Quem já foi resgatado de barco de sua residência, como o aposentado Alex Viegas, de 65 anos, agora vive sem água para lavar roupa e sob a ameaça de racionamento. "O Rio Atibaia secou de um jeito que nunca vi. O que era rio virou mato. Dá pra atravessar a pé em alguns lugares. Só tem pedra", conta. Nessas condições vive boa parte da população de cinco municípios visitados pelo Estado, todos cortados por rios que abastecem quase 10 milhões de paulistas: Itapeva e Extrema, em Minas, e Joanópolis, Atibaia e Bragança Paulista, no interior.
Viegas mora no Parque das Nações, bairro de classe média ao lado do Rio Atibaia. Nesta mesma época do ano em 2010, a água chegou a quase 2 metros de altura na rua onde ele mora. Como outros 1,3 mil moradores da área, ele ficou 40 dias fora de casa. Em 2011, os alagamentos voltaram a se repetir e, mais uma vez, o aposentado e seus vizinhos foram resgatados em botes da Defesa Civil.
O mesmo rio que transbordou virou um filete de água fétido, raso e cheio de esgoto. No quarteirão ao lado de onde mora Viegas, as marcas das enchentes ainda estão nas paredes do sobrado da dona de casa Maria Helena Xavier, de 40 anos, também resgatada de barco em 2010. "Aqui estou lavando roupa a cada 15 dias. Mas o pior é o cheiro de esgoto do rio. Muita gente continua jogando lixo no Atibaia com ele seco, e o cheiro de esgoto está no bairro inteiro", diz a dona de casa.
O trecho do Rio Atibaia que corta o Parque das Nações chegou a 4,27 metros de profundidade no verão de 2010. Na quinta-feira, o nível do manancial era de 72 centímetros.
Diante do colapso iminente no abastecimento, a prefeitura está multando quem lava as calçadas - o valor é equivalente à soma das últimas três contas de água do infrator. Há quatro anos, porém, o temor era outro: a mesma prefeitura e boa parte da cidade temiam que as represas do Sistema Cantareira, à época com nível de água em 99,8%, pudessem romper. Anteontem, os reservatórios baixaram para 17,7%.
Drama. A situação é ainda pior para agricultores, moradores e donos de pousadas que vivem ao longo dos 90 quilômetros do Rio Jaguari, a mais importante fonte de água para os paulistas. A agonia de quem vive do Jaguari pode ser observada desde as nascentes do manancial, no sul de Minas, até seu encontro com o Rio Camanducaia, em Jaguariúna, na região de Campinas. A vazão, que chegou a 50 metros cúbicos por segundo nas cheias de 2010, hoje está em 11 m³/s.
Agricultores de Itapeva, no sul de Minas, que perderam a safra de milho dependem hoje de duas visitas semanais de caminhões-pipa para conseguir tomar banho e cozinhar. As minas e poços secaram à medida que o nível do Jaguari também baixava. "Aqui nós não temos água mais. Tínhamos um poço para quatro famílias, de 25 metros de profundidade, que secou. O milho não teve adubo que resolveu, ficou pequeno demais. Perdemos tudo", conta a agricultora Irene Gercina, de 69 anos, que teve de sair de casa durante as enchentes de 2010.
Donos de pousadas na estância turística de Extrema, também no sul de Minas, estão à beira da falência após a Cachoeira do Salto, reduto de praticantes de rafting, praticamente secar. Outras cachoeiras e trechos do Rio Jaguari usados por praticantes de esportes radicais também estão com baixa vazão. "Em 2010, nós paramos porque a correnteza do rio era muito forte, encheu demais. Agora estamos parados por causa da seca", diz o operador de turismo Carlos Santana, de 39 anos.
Mais para baixo, em Bragança Paulista, o Rio Jaguari, de tão pequeno e raso, parece um córrego. Na zona rural do município, onde o manancial transbordou em 2010 e deixou 700 desabrigados, hoje é necessário fazer uma trilha pelo meio do mato para encontrar seu curso, escondido na mata fechada, com 86 centímetros de profundidade.
"Nem os lambarizinhos conseguem mais nadar, está muito raso mesmo. Estou com medo é de quando chegar o inverno. Aí, sim, o Jaguari vai sumir de vez", lamenta o agricultor Salmo Ceni, de 49 anos, todos vividos às margens do Jaguari.
Silêncio. Procurados pela reportagem, a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) e o Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE) do Estado informaram, na sexta-feira, não ter porta-vozes disponíveis para comentar a estiagem que afeta os principais reservatórios do Estado.