Ele cobra 450 reais por consulta, é assistente de um dos urologistas mais caros do Brasil e apareceu na Folha como um candidato desencantado de um programa cujo alvo são médicos no início da carreira.
O urologista Cesar Camara, 38 anos, não se enquadra no perfil dos potenciais interessados em buscar uma vaga no programa ‘Mais Médicos’, com o qual o governo tenta recrutar doutores e colocá-los em regiões do país com carência médica.
O alvo são profissionais em início de carreira.
Embora o salário seja bom, 10 000 reais por mês, Camara em setembro passado, numa entrevista ao Estado de S. Paulo, revelou cobrar 450 reais por consulta.
Uma única consulta por dia e ele ganha mais do que o governo oferece.
Fora isso, ele é assistente de um dos mais renomados urologistas do Brasil, Miguel Srougi, o que significa participação em cirurgias que vão levantar consideravelmente sua renda mensal.
A agenda é preenchida ainda por uma sociedade médica e empresarial com o filho de seu chefe, Thomas Srougi.
Por que ele se candidataria a uma vaga no Mais Médicos e largaria, por um tempo mínimo de três anos, tudo aquilo?
Mas ele se candidatou, e depois desistiu sob a alegação de que o governo não está oferecendo os direitos trabalhistas tradicionais.
Sua desistência foi sublinhada pela Folha de S. Paulo numa reportagem cheia de omissões – e Carlos Camara acabou virando símbolo da resistência encarniçada dos médicos brasileiros à ideia de importar gente de fora.
Quem notou as incoerências da reportagem não foi algum editor da Folha, ou a ombudsman.
Foi o Ministério da Saúde.
Numa carta à Folha, o MS apontou as estranhezas de Camara como um ‘desistente’.
E informou: “A pedido do Ministério da Saúde, a Polícia Federal investiga a ação de indivíduos que, a pretexto de tentar adiar a vinda de médicos estrangeiros ao Brasil, estariam dispostos a se inscrever no Mais Médicos, mesmo sem efetivo interesse em receber a bolsa federal para atender a população das regiões mais carentes.”
Bom jornalismo é, essencialmente, jogar luz onde existe sombra.
No caso da polêmica da medicina brasileira, por exemplo, isso se traduziria em coisas simples, mas vitais, como informar os leitores de que países avançados como Inglaterra, Estados Unidos e Noruega, entre tantos outros, importam regularmente médicos estrangeiros para o benefício da saúde pública.
O Diário fez isso. No Reino Unido, para ficar num caso, 40% dos médicos são de fora.
Mas a Folha jogou mais sombra onde já havia uma profunda escuridão.
Diante do flagrante de mau jornalismo, eis a resposta da jornalista responsável pela reportagem: “Em nenhum momento da entrevista, Cesar Camara se identificou como assistente do urologista Miguel Srougi no HC ou no Sírio-Libanês. Disse, sim, que era médico de uma clínica particular em Heliópolis.”
A culpa, portanto, é da fonte.
Uma consulta básica no Google traria todas as informações que faltaram no texto da Folha.
No site de Camara está escrito: “O Dr. Cesar Camara graduou-se pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, especializou-se em Urologia e possui mais de 12 anos de experiência na área. Faz parte da equipe do Prof. Dr. Miguel Srougi.”
Depois da barrigada, a Folha voltou a procurar Camara.
“Gostaria de explicar que agi de boa-fé para tentar atuar como médico tutor no programa Mais Médicos. (…) Meu recuo (não confirmei a inscrição no programa) baseou-se apenas na falta de explicações sobre um programa de tutores e na questão da falta de garantias de estabilidade do programa.”
Num artigo publicado na própria Folha, o chefe de Camara, Miguel Srougi, escreveu, dias atrás, sobre o programa Mais Médicos.
“Não vale mais a pena discutir a vinda de médicos estrangeiros. Proposta falaciosa, destinada ao fracasso. O governo percebeu a indecência e descartou os médicos cubanos. Deu-se conta de que eles aqui atuariam em regime de escravidão, como bem demonstrou Flávia Marreiro, da Folha”, escreveu Srougi.
“Tampouco vale a pena discorrer sobre os médicos portugueses e espanhóis. Criados com padrão de vida inatingível para a maioria dos brasileiros, nunca se adaptariam aos rincões abandonados e carentes da nação. Teriam que praticar em condições desprovidas de dignidade e sem chance de propiciar vida honrada para si e seus familiares.”
“Ademais, dificilmente receberíamos profissionais competentes, prósperos em seus países. Sem um exame de competência, para cá viriam muitos médicos desqualificados, desconfio que até alguns insanos ou foragidos.”
Bem, este é Miguel Srougi, um dos mais renomados (e caros) urologistas do Brasil. Suas palavras falam por ele – e pelo jornal que as publica.
Cesar Camara iria afrontar seu chefe e se inscrever genuinamente num programa “falacioso e indecente”?
Quem acredita nisso, conforme a grande frase de Wellington, acredita em tudo.
Ele cobra 450 reais por consulta, é assistente de um dos urologistas mais caros do Brasil e apareceu na Folha como um candidato desencantado de um programa cujo alvo são médicos no início da carreira.
O urologista Cesar Camara, 38 anos, não se enquadra no perfil dos potenciais interessados em buscar uma vaga no programa ‘Mais Médicos’, com o qual o governo tenta recrutar doutores e colocá-los em regiões do país com carência médica.
O alvo são profissionais em início de carreira.
Embora o salário seja bom, 10 000 reais por mês, Camara em setembro passado, numa entrevista ao Estado de S. Paulo, revelou cobrar 450 reais por consulta.
Uma única consulta por dia e ele ganha mais do que o governo oferece.
Fora isso, ele é assistente de um dos mais renomados urologistas do Brasil, Miguel Srougi, o que significa participação em cirurgias que vão levantar consideravelmente sua renda mensal.
A agenda é preenchida ainda por uma sociedade médica e empresarial com o filho de seu chefe, Thomas Srougi.
Por que ele se candidataria a uma vaga no Mais Médicos e largaria, por um tempo mínimo de três anos, tudo aquilo?
Mas ele se candidatou, e depois desistiu sob a alegação de que o governo não está oferecendo os direitos trabalhistas tradicionais.
Sua desistência foi sublinhada pela Folha de S. Paulo numa reportagem cheia de omissões – e Carlos Camara acabou virando símbolo da resistência encarniçada dos médicos brasileiros à ideia de importar gente de fora.
Quem notou as incoerências da reportagem não foi algum editor da Folha, ou a ombudsman.
Foi o Ministério da Saúde.
Numa carta à Folha, o MS apontou as estranhezas de Camara como um ‘desistente’.
E informou: “A pedido do Ministério da Saúde, a Polícia Federal investiga a ação de indivíduos que, a pretexto de tentar adiar a vinda de médicos estrangeiros ao Brasil, estariam dispostos a se inscrever no Mais Médicos, mesmo sem efetivo interesse em receber a bolsa federal para atender a população das regiões mais carentes.”
Bom jornalismo é, essencialmente, jogar luz onde existe sombra.
No caso da polêmica da medicina brasileira, por exemplo, isso se traduziria em coisas simples, mas vitais, como informar os leitores de que países avançados como Inglaterra, Estados Unidos e Noruega, entre tantos outros, importam regularmente médicos estrangeiros para o benefício da saúde pública.
O Diário fez isso. No Reino Unido, para ficar num caso, 40% dos médicos são de fora.
Mas a Folha jogou mais sombra onde já havia uma profunda escuridão.
Diante do flagrante de mau jornalismo, eis a resposta da jornalista responsável pela reportagem: “Em nenhum momento da entrevista, Cesar Camara se identificou como assistente do urologista Miguel Srougi no HC ou no Sírio-Libanês. Disse, sim, que era médico de uma clínica particular em Heliópolis.”
A culpa, portanto, é da fonte.
Uma consulta básica no Google traria todas as informações que faltaram no texto da Folha.
No site de Camara está escrito: “O Dr. Cesar Camara graduou-se pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, especializou-se em Urologia e possui mais de 12 anos de experiência na área. Faz parte da equipe do Prof. Dr. Miguel Srougi.”
Depois da barrigada, a Folha voltou a procurar Camara.
“Gostaria de explicar que agi de boa-fé para tentar atuar como médico tutor no programa Mais Médicos. (…) Meu recuo (não confirmei a inscrição no programa) baseou-se apenas na falta de explicações sobre um programa de tutores e na questão da falta de garantias de estabilidade do programa.”
Num artigo publicado na própria Folha, o chefe de Camara, Miguel Srougi, escreveu, dias atrás, sobre o programa Mais Médicos.
“Não vale mais a pena discutir a vinda de médicos estrangeiros. Proposta falaciosa, destinada ao fracasso. O governo percebeu a indecência e descartou os médicos cubanos. Deu-se conta de que eles aqui atuariam em regime de escravidão, como bem demonstrou Flávia Marreiro, da Folha”, escreveu Srougi.
“Tampouco vale a pena discorrer sobre os médicos portugueses e espanhóis. Criados com padrão de vida inatingível para a maioria dos brasileiros, nunca se adaptariam aos rincões abandonados e carentes da nação. Teriam que praticar em condições desprovidas de dignidade e sem chance de propiciar vida honrada para si e seus familiares.”
“Ademais, dificilmente receberíamos profissionais competentes, prósperos em seus países. Sem um exame de competência, para cá viriam muitos médicos desqualificados, desconfio que até alguns insanos ou foragidos.”
Bem, este é Miguel Srougi, um dos mais renomados (e caros) urologistas do Brasil. Suas palavras falam por ele – e pelo jornal que as publica.
Cesar Camara iria afrontar seu chefe e se inscrever genuinamente num programa “falacioso e indecente”?
Quem acredita nisso, conforme a grande frase de Wellington, acredita em tudo.