quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Atraso na gestão do lixo


O Estado de S.Paulo opinião 29 de julho de 2012 | 3h 07
Há dois anos, ao sancionar a Lei n.º 12.305, o então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, parecia encerrar a espera de 20 anos por uma Política Nacional de Resíduos Sólidos, com diretrizes para a gestão do lixo no País e a mudança dos padrões de comportamento e consumo. As normas fortaleciam o conceito de ciclo de vida de produtos industrializados - impondo cuidados a serem observados desde a sua produção até a disposição final - e a prática da logística reversa, em que fabricantes, distribuidores e vendedores são obrigados a recolher o lixo tóxico como pilhas, pneus, lâmpadas, lubrificantes e eletrônicos. Das prefeituras, a política exigia planos de gestão para resíduos sólidos, proibindo os lixões a céu aberto. Determinava ainda que o poder público, os setores produtivos e toda a sociedade deviam fazer um esforço para enfrentar as principais questões ambientais e de saúde pública. Dois anos se passaram e em quase todo o País a população continua a fazer o descarte do lixo comum junto com os resíduos tóxicos.
Apenas iniciativas pontuais e sem coordenação foram tomadas por organizações não governamentais e algumas empresas, sem grande impacto no cenário nacional. Algumas poucas indústrias já agiam naquele sentido, antes mesmo da entrada da legislação em vigor, porque os produtos eram reaproveitáveis e tinham valor significativo para os custos da produção. Mas não houve nenhum movimento forte o suficiente para educar a população e mudar seus hábitos. E pouco se fez para oferecer ecopontos em número adequado e de fácil acesso para a população.
Falta também coordenação entre as ações que dependem das três esferas de governo. Em março, por exemplo, a Secretaria-Geral da Presidência da República anunciou os três eixos que sustentariam o programa para tratamento de resíduos sólidos: Brasil sem Lixão, Recicla Brasil e Pró-Catador. São ações planejadas para cumprir as determinações da Política Nacional de Resíduos Sólidos, entre elas a que estabeleceu o fim de todos os lixões do País, por meio da instalação de aterros sanitários, até agosto de 2014. Pela lei, para os aterros deverão ser enviados apenas rejeitos, ou seja, a parte do lixo que não pode ser reciclada ou reutilizada. Conforme o Plano Nacional de Resíduos Sólidos, o governo federal, os Estados e os municípios terão responsabilidade compartilhada nas ações destinadas a atingir essa meta, assim como para investir em cooperativas de catadores e em parcerias para aumentar a coleta seletiva e assegurar a destinação adequada do lixo não reciclável.
Os acordos setoriais e termos de compromisso entre empresários e o poder público para implantar o sistema de logística reversa já deveriam ter sido feitos. O primeiro passo, porém, só foi dado em novembro passado, quando o Ministério do Meio Ambiente publicou edital para a apresentação de propostas referentes ao descarte de embalagens de óleo. Elas ainda estão em estudo. No início de julho, o Ministério lançou editais para o descarte das lâmpadas fluorescentes e embalagens em geral. Os fabricantes, comerciantes, importadores e distribuidores têm 120 dias para fazer suas sugestões.
Nos governos locais, a lentidão também impera e poucas ações estão em curso. Mesmo São Paulo, a cidade mais rica do País, está muito longe de alcançar a gestão eficaz dos resíduos sólidos. O contrato de concessão dos serviços de coleta e destinação do lixo, firmado em 2005, dava prazo até 2009 para que cada subprefeitura tivesse uma central de triagem dos resíduos sólidos. A Prefeitura não conseguiu alcançar a meta fixada e fez uma nova promessa: instalar 51 centrais de triagem de recicláveis até o fim de 2011. Mas hoje pouco mais de 20 centrais operam em São Paulo. A capital encaminha para a reciclagem apenas 1,4% das 15 mil toneladas de lixo domiciliar produzidas por dia pelos seus 11 milhões de habitantes.
A esta altura já está muito claro que, para alcançar os resultados pretendidos, é preciso não só que o poder público faça mais do que tem feito, mas também que consiga agir em conjunto com as empresas privadas.

Luli Radfahrer - Presente contínuo 6 fev 12

Caetano Veloso já dizia que só é possível filosofar em alemão. Licenças poéticas à parte, é inegável a influência de certas línguas na comunicação de determinados processos. Por mais que as ideias apareçam independentemente de qualquer idioma (caso contrário seria impossível traduzi-las), seu debate e sua transmissão dependem e se apoiam em estruturas comuns.

A linguagem é um dos recursos simbólicos mais ricos à disposição do pensamento. Seu uso facilita, de forma clara e direta, a compreensão imediata de conceitos razoavelmente complexos -como "aflição" ou "impertinência". Regras gramaticais costumam dizer muito a respeito da forma de pensar coletiva daqueles que as utilizam. Da mesma forma, o uso de tempos verbais transmite uma boa perspectiva a respeito de um ambiente ou evento.

Em japonês, por exemplo, quase não há diferença de termos entre o que acontece e o que acontecerá. No dialeto usado na Sicília não se fala em futuro. Nossa língua conta com três passados para explicar por que tantas ideias teriam sido fantásticas, enriquecido seus inventores e melhorado o mundo se apenas um ou outro fato não tivesse ocorrido.

No planeta digital, todos exprimem suas identidades, anseios e pontos de vista com um linguajar curto, pragmático e sintético, em que só há espaço para um tempo verbal: o imediato. O passado é compilado, classificado e trazido a valor presente por buscadores como Google, Bing e Yahoo!. A programação atemporal da TV YouTube apresenta uma mistura de reminiscências e inovações à prova de qualquer critério. O acesso aos fatos é aleatório a tal ponto que, pela primeira vez na história, a ordem dos fatores parece incapaz de alterar o produto.

Em redes sociais, cada nome é um crachá, eternamente disponível. Todos são velhos conhecidos, já que podem consultar, sem maiores justificativas, o histórico pessoal de qualquer um na linha do tempo que resume indivíduos a páginas do Facebook. No LinkedIn, interfaces parecidas sintetizam carreiras e reputações em espaços ainda menores.

Twitter e Tumblr perguntam a seus usuários "o que está acontecendo" -assim, em presente contínuo. Cada resposta contribui para uma correnteza de atualizações tão imprevisíveis quanto rapidamente esquecidas. Gravadas, as conversas via Skype e MSN permitem que assuntos discutidos sejam retomados a qualquer instante. Nunca foi tão fácil ir direto ao ponto, seja lá qual for o ponto.

O espaço-tempo digital é achatado a ponto de fazer qualquer Einstein perder a perspectiva. Como o passado é acumulado e o futuro parece surgir por mágica nas fábricas de sonhos da Apple e da Amazon, é cada vez mais comum a vertigem causada pela falta de referências. Essa desorientação é reforçada pelos bastiões da autoajuda, rápidos em sua habilidade de resumir biografias a listas de tópicos.

É preciso ampliar os horizontes do mundo digital, explorar a natureza múltipla da rede para criar novas estruturas que só seriam possíveis por meio dela. A rede não é uma cópia pobre do mundo real, mas um ambiente de expansão. Se bem usada, pode ter o mesmo efeito que a física teve com a matemática avançada, que criou dimensões para chegar a lugares inimagináveis.

folha@luli.com.br

Hospitais criam rede por práticas 'verdes'


CLARISSA THOMÉ / RIO - O Estado de S.Paulo
Uma rede de hospitais "saudáveis e verdes" está sendo construída no Brasil. Iniciativa da organização internacional First Care Without Harm (Saúde sem Dano), a ideia é reunir as instituições que se comprometem a tratar resíduos, reduzir consumo de água e energia, substituir substâncias químicas perigosas e construir prédios sustentáveis, entre outras ações.
Hospital São Vicente de Paulo, no Rio: projeto sustentável inclui 'telhado verde' - Tasso Marcelo/AE
Tasso Marcelo/AE
Hospital São Vicente de Paulo, no Rio: projeto sustentável inclui 'telhado verde'
Vinte e cinco hospitais, entre eles o Sírio-Libanês, e redes de assistência, como Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM), Amil, Santa Casa de São Paulo e Pró Saúde aderiram à rede, fundada no mês passado.
Essas instituições se comprometem a cumprir metas sustentáveis. A expectativa é alcançar 700 dos 7 mil hospitais brasileiros em dois anos.
"Nós não certificamos o hospital, o que exige um rigoroso sistema de auditoria. Para entrar na rede, as instituições têm de cumprir ao menos dois dos dez objetivos e assumir o compromisso de forma séria de ampliar a atuação para se tornar um hospital sustentável", afirma o coordenador do conselho consultivo do Projeto Hospitais Saudáveis, Vital Ribeiro.
A proposta da rede é que as instituições - públicas e particulares - troquem experiências e encontrem soluções locais para problemas comuns.
O Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (Into) será o primeiro hospital federal a ingressar na rede. Entre as metas cumpridas está o banimento de mercúrio. Termômetros e instrumentos para medir pressão que utilizavam o metal pesado foram substituídos por aparelhos digitais.
Outros objetivos foram alcançados: mais de 20 toneladas de lixo foram recicladas em 6 meses, o resíduo biológico, que chegava a 30% do lixo, foi reduzido para 11%, o consumo de energia e água baixou. "Há um esforço mundial para termos hospitais saudáveis e verdes. Para ingressar na rede, precisávamos cumprir dois objetivos; alcançamos quatro", diz o gerente de resíduos de saúde, Robson Monteiro.
Tendência. Cresce no setor de saúde iniciativas de hospitais sustentáveis. Reaproveitamento de água e iluminação natural já são corriqueiros nas novas obras. Mesmo os mais antigos se adaptam. No Hospital São Vicente de Paulo, na zona norte do Rio, erguido no fim dos anos 1970, a solução foi criar tetos verdes, que reduzem a temperatura interna entre 6°C e 8°C. Nas reformas, árvores nativas foram mantidas e incorporadas ao projeto arquitetônico.
Em dezembro, será inaugurado no Rio o primeiro hospital certificado pelo Green Building Council, organização que atesta se prédios são sustentáveis, desde a construção à operação. O Hospital Unimed-Rio, na zona oeste, custou R$ 100 milhões - entre 15% a 20% empregados em materiais e equipamentos com suficiência energética.
"Há uma questão de consciência pela sustentabilidade, mas também uma redução nos custos de operação", afirma Flávio Kelner, sócio diretor da RAF Arquitetura, que desenvolveu projetos de prédios verdes no Rio e em São Paulo.