quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Câmaras frias nas academias do futuro


Fernando Reinach
Imagine que um grupo de biólogos anuncie que foi descoberta uma nova espécie de macaco vivendo nas árvores do Parque do Ibirapuera. Descobrir um novo tipo de célula no corpo humano talvez não seja tão improvável e surpreendente quanto descobrir um novo macaco no centro de São Paulo, mas sem dúvida não é algo que acontece todos os dias.
A novidade é que um novo tipo de célula adiposa foi descoberto no tecido gorduroso dos seres humanos. E, mais importante, essa descoberta pode nos ajudar a combater a obesidade.
Existem dois tipos de tecido gorduroso. O primeiro é a conhecida gordurinha, tão combatida por todos nós. Ela acumula facilmente sobre os músculos, nas coxas e quadris dos gulosos e no interior da cavidade abdominal dos que apreciam litros de cerveja com quilos de linguiça. Sua função é estocar nossas reservas de energia na forma de lipídios. Esse tipo de tecido, chamado de gordura branca, é composto por células chamadas de adipócitos brancos. Como todos os que tentaram perder peso sabem, esses adipócitos não gostam de destruir suas reservas de gordura.
O segundo tipo de tecido gorduroso é a gordura marrom, composta pelos adipócitos marrons. Esses adipócitos adoram consumir lipídios quando estimulados. Eles destroem os lipídios rapidamente e liberam a energia na forma de calor.
Esse é o tipo de gordura que existe no corpo dos ursos e de outros animais que hibernam durante o inverno. No final do período de hibernação, os ursos ativam seu tecido gorduroso marrom. Os adipócitos degradam os lipídios e liberam calor. O corpo do animal esquenta e ele acorda.
Em outros mamíferos, a quantidade de tecido adiposo marrom é pequena. Nos seres humanos, ele se acumula entre as escápulas e próximo às clavículas, mas só existe em quantidade significante nas crianças recém-nascidas (acredita-se que ele ajuda o recém-nascido a não passar frio nas primeiras horas de vida). À medida que crescemos, a quantidade de tecido gorduroso marrom diminui muito e praticamente não existe no adulto.
Há alguns anos foi descoberto que parte dos adipócitos brancos de camundongos, quando submetida ao mesmo tratamento que ativa os adipócitos marrons, passava a degradar rapidamente os lipídios, produzindo calor. Agora esse fenômeno foi explicado. Descobriu-se que o tecido gorduroso branco na verdade é composto por dois tipos de células, de aparência muito semelhante, ambas capazes de estocar lipídios.
Semelhança aparente. Mas na verdade essa semelhança é só aparente. Uma dessas células é o já conhecido adipócito branco, que não gosta de queimar seus lipídios. A outra é uma célula diferente, que ainda não havia sido descrita, denominada de adipócito bege.
Esse adipócito, quando estimulado, degrada rapidamente os lipídios e gera calor. Mas na ausência de estímulo fica quieto no seu canto e é difícil de distinguir dos adipócitos brancos. Essa nova célula é diferente dos adipócitos marrons, pois se origina de uma linhagem celular diferente.
Até aí, a novidade só interessaria aos estudiosos das minúcias do tecido adiposo, mas os cientistas fizeram uma descoberta importante. Sabendo identificar estes adipócitos beges, eles foram procurar onde eles se acumulavam no nosso corpo. Uma mapa detalhado da presença de células adiposas beges demonstra que elas estão espalhadas por praticamente todos os locais onde está presente o tecido gorduroso branco (as banhas que tanto combatemos). Mas, como normalmente estão inativas, até agora não haviam sido detectadas.
Essa descoberta demonstra que embebido no tecido gorduroso branco de cada um de nós existem células que, devidamente estimuladas, têm a capacidade de queimar lipídios e produzir calor. O próximo passo é descobrir porque essas células ficam a maior parte do tempo desativadas e de que maneira elas poderiam ser ativadas.
Se descobrirmos uma maneira de ativar estas células, talvez induzindo o corpo a sentir frio, teremos uma nova maneira controlar a obesidade e suas consequências maléficas como, por exemplo, a diabete.
Hipóteses. Fico imaginando se o desenvolvimento tecnológico dos últimos milênios, que nos levou a descobrir diferentes maneiras de evitar o frio, como o fogo, as roupas e as habitações, não teria tornado nossas células adiposas beges inúteis ou preguiçosas. Se isso for verdade, não é só o excesso de comida que nos torna obesos, mas também a falta de frio.
Será que, juntamente com a perda dos pelos que nos protegiam do frio, perdemos nossa capacidade de ativar nossos adipócitos beges? Seria esse um dos custos do nosso desenvolvimento tecnológico? Se tudo isso for verdade e descobrirmos uma maneira de ativar nossos adipócitos beges, talvez, no futuro, as academias de ginástica tenham câmaras frias ao lado das esteiras e dos pesos.
* BIÓLOGO
MAIS INFORMAÇÕES: BEIGE ADIPOCYTES ARE A DISTINCT TYPE OF THERMOGENIC FAT CELL IN MOUSE AND HUMAN. CELL,  VOL. 150,  PÁG. 366,  2012

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Para entender a redução da conta de luz


Coluna Econômica - 12/09/2012 Luis Nassif

Até meados da década de 90, o modelo tarifário levava em conta os custos associados à geração, transmissão e distribuição da energia, mais uma taxa de remuneração do capital entre 10 e 12% ao ano (que incluía a depreciação dos equipamentos), mais uma quota de reversão e uma cota de equalização (que permitia uniformizar as tarifas em todo o país). O sistema era todo estatal e centralizado.
Quando do início de privatização do setor elétrico, em 1997, para as companhias privatizadas foram definidas fórmulas em contrato, para serem definidas pela agência reguladora, a ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica).
As tarifas passaram a se basear em dois princípios algo vagos: a modicidade tarifária e o equilíbrio financeiro das empresas. Em lugar da tarifa pelo custo do serviço, optou pelo modelo do Preo-Teto. Nele, define-se um valor máximo de tarifa, permitindo à concessionária obter maior remuneração do capital dependendo do seu desempenho.
Para balizar o custo dos serviços, a ANEEL criou uma Empresa de Referência, uma empresa fictícia que permitiria avaliar os custos gerais e as receitas das concessionárias em cada região.
Depois, dividiu a estrutura de custos das empresas em dois grupos: a Parcela A, do custo não gerenciável (sobre o qual a companhia não tem controle) e e a Parcela B, do custo não-gerenciável.
Na Parcela A entram a compra de energia, custos de transmissão e os encargos setoriais. Na Parcela B, os custos operacionais, a cota de depreciação e a remuneração do investimento.
Há uma enorme lista de encargos setoriais: Cotas da Reserva Global de Reversão (RGR), Cotas da Conta de Consumo de Combustível (CCC), Taxa de Fiscalização de Serviços de Energia Elétrica (TFSEE), Rateio de custos do Proinfa, e Conta de Desenvolvimento Energético (CDE).
E outra lista de encargos de Transmissão, como uso das Instalações da Rede Básica de Transmissão de Energia Elétrica; uso das Instalações de Conexão; etc.
***
Para reduzir o preço da energia, o governo começará a atuar no início da cadeia, a geração, permitindo a renovação das concessões com os investimentos já amortizados.
Grosso modo, o cálculo é assim:
1. Suponha que o gerador tenha adquirido uma concessão por 100.
2. Se a taxa de depreciação for de, digamos, 5% ao ano, a cada ano ele poderá incorporar 5 na tarifa, a fim de compensar a depreciação (isto é, o desgaste dos equipamentos).
3. Ao final da concessão, o bem, depreciado, estará em, digamos, 20. Se for feita uma nova concessão, a depreciação incidirá sobre os 100 que serão pagas. Renovando a concessão, incidirá sobre os 20, ainda não depreciados. Em vez de 5, a cota de depreciação cairá para 1, barateando a conta.

Nós, os inúteis, por João Pereira Coutinho, FSP


Posso oferecer uma sugestão de leitura? "The Revolt of Man" (a revolta do homem), de Walter Besant (1836-1901). O leitor não conhece? Acredito. Sir Walter foi um respeitável cavalheiro vitoriano que a história da literatura inglesa acabou por esquecer.
Injusto. O livro, uma novela distópica brilhantemente escrita, é um exemplo de misoginia que diverte as almas saudáveis.
Enredo: na Inglaterra do futuro, o mundo é governado pelas mulheres. Elas controlam tudo: política, economia, cultura, trabalho. E os homens? Os homens, pobre raça, são reduzidos a bestas de carga e escravos sexuais das triunfantes donzelas.
Fatalmente, essa vaginocracia começa a sair dos eixos: a sociedade a empobrecer, o caos a reinar, as instituições a colapsar --e as mulheres, em desespero de causa, apelam aos homens para salvar a honra do convento.
São eles que regressam das catacumbas para repor a ordem e a felicidade universal.
Besant viveu no século 19. Mas o que diria ele do nosso século 21?
Olho em volta. E concluo que só tenho amigas solteiras ou divorciadas. Casamento é artigo raro e breve por estas bandas.
A situação, confesso, seria a ideal para um rapaz disponível como eu, com hábitos de higiene adquiridos e uma sanidade mental, digamos, satisfatória. O problema é que os homens deixaram de ser ideais para elas.
As solteiras encontraram no trabalho a independência econômica que as mães e avós não tinham. Os homens, quando muito, servem para necessidades ocasionais que esta Folha, um jornal de família, me impede de mencionar.
As divorciadas já passaram pela experiência e não gostaram. Depois da paixão e do idílio dos primeiros anos (ou meses), descobriram com espanto que o príncipe, afinal, sempre foi um sapo. A barriga do infeliz cresceu. A comunicação desapareceu. E o sexo passou a ser, nas imortais palavras de Nelson Rodrigues, "uma mijada". Conclusão?
Depois de o amor virar farsa, elas pegaram nos respectivos girinos e jogaram-nos no charco da inutilidade.
Homem só atrapalha. E nem para filhos serve mais: ser mãe é como fazer inscrição na academia. Basta escolher o banco certo e a questão, nove meses depois, está resolvida.
Um livro recente, aliás, enfrenta o problema. Foi escrito por Hanna Rosin, intitula-se apocalipticamente "The End of Men: And the Rise of Women" (o fim do homem: e a ascensão da mulher) e, segundo resenha da "Economist", tem números que podem interessar aos brasileiros: 1/3 das mulheres do país já ganham mais do que os seus companheiros. Existe até um grupo de apoio para esses homens infelizes, sintomaticamente intitulado "Homens de Lágrimas". Será verdade, leitor? Não minta, não minta.
O Brasil não é caso único. Na Coreia do Sul, o excesso de mulheres na carreira diplomática obrigou o governo a instituir as fatídicas cotas para homens.
Moral da história? Os homens começam a ser bichos em vias de extinção. Sem a importância econômica, reprodutiva ou até social de outros tempos, os pobres coitados ainda tiveram uma suprema humilhação com a crise financeira de 2008: conta a mesma "Economist" que 3/4 dos empregos destruídos pela hecatombe --nas finanças, nas fábricas, na construção civil-- eram tradicionalmente masculinos.
Pelo contrário: a nova economia emergente, baseada cada vez mais em qualidades como "comunicação" e "adaptação", está pronta para o triunfo da sensibilidade feminina.
Se Edward Besant viajasse do século 19 para o século 21, imagino que a sua distopia seria outra: sim, o mundo estaria nas mãos das mulheres. Mas, dessa vez, os homens já não existiriam para o salvar.
Estariam demasiado ocupados, de bermudão e cerveja, com os amigos no botequim.
Porque essa talvez seja a verdade mais dolorosa de todas, que a "Economist" refere sem desenvolver o tema competentemente: não foi a economia ou a libertação sexual feminina que fez dos homens seres inúteis.
Os homens deixaram de ser úteis quando deixaram de ser homens --na atitude, nos comportamentos, nos "hobbies", até no vestuário e nas "tendências" (horrenda palavra).
Nenhuma mulher gosta de ter em casa dois adolescentes retardados: o filho e o pai.
João Pereira Coutinho
João Pereira Coutinho, escritor português, é doutor em Ciência Política. É colunista do "Correio da Manhã", o maior diário português. Reuniu seus artigos para o Brasil no livro "Avenida Paulista" (Record). Escreve às terças na versão impressa de "Ilustrada" e a cada duas semanas, às segundas, no site.