segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Desigualdade, o fracasso da esquerda, Por Clovis Rossi FSP 26 ago 12


á deve ser insuportável para os ufanistas de plantão receber a notícia, contida em relatório da ONU, de que o Brasil é o quarto país mais desigual de uma região, a América Latina, que é a mais desigual do mundo.
O Brasil só é menos desigual que dois Estados semifalidos, Guatemala e Honduras, e que a Colômbia, em virtual guerra civil faz mais de meio século.
Tenho, no entanto, um adendo triste para os ufanistas: é quase certo que não houve, ao contrário do que diz a ONU, uma redução na desigualdade brasileira.
Explico: o único metro usado para medir a desigualdade chama-se índice de Gini, no qual o zero indica perfeita igualdade e 1 é o cúmulo da desigualdade. O Brasil de fato melhorou, de 1999 a 2009: seu índice passou de 0,52 para 0,47.
Acontece que o índice mede apenas a diferença entre salários. Não consegue captar a desigualdade mais obscena que é entre o rendimento do capital e o do trabalho.
Escreve, por exemplo, Reinaldo Gonçalves, professor titular de economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, um dos raros economistas que continuaram de esquerda após o PT chegar ao poder:
"Com raras exceções, essas políticas [as do governo Lula] limitam-se a alterar a distribuição da renda na classe trabalhadora (salários, aposentadorias e benefícios) sem alterações substantivas na distribuição funcional da renda, que inclui, além do salário e das transferências, as rendas do capital (lucro, juro e aluguel)."
Há pelo menos um dado que faz suspeitar seriamente de que a tal distribuição funcional da renda piorou: no ano passado, o governo federal dedicou 5,72% do PIB ao pagamento de juros de sua dívida. Já o Bolsa Família, o programa de ajuda aos mais pobres, consumiu magro 0,4% do PIB.
Resumo da história: para 13.330.714 famílias cadastradas no Bolsa Família, vai 0,4% do PIB. Para um número infinitamente menor, mas cujo tamanho exato se desconhece, a doação, digamos assim, é 13 vezes maior.
Como é possível, nesse cenário, que se repete ano após ano, reduzir-se a desigualdade na renda?
O que, sim, diminuiu foi a pobreza, no Brasil como na América Latina. Em 20 anos (até 2009), a taxa de pobres caiu de 48% para 33%, informa a ONU. Mesmo nesse capítulo, o Brasil continua mal na foto: Argentina, Chile e Uruguai têm 12% de pobres, enquanto, no Brasil, a taxa quase duplica (22%).
Essa queda ajuda a explicar a popularidade de Lula/Dilma, Hugo Chávez, Rafael Correa, Michelle Bachelet (mais popular que seu sucessor, o conservador Sebastián Piñera), Evo Morales (em queda, mas ainda popular), José Mujica.
Para o pobre, que mal podia comprar arroz, adquirir geladeira importa mais do que saber se o rico, que já podia comprar um arrozal inteiro, compra agora helicópteros ou aviões, em vez de geladeiras, que sempre teve.
Mas os governos supostamente de esquerda e suas políticas pró-pobres não foram capazes de tirar a América Latina do papel de campeã mundial da desigualdade. Ou ela é inoxidável ou eles precisam reinventar-se.
Clóvis Rossi
Clóvis Rossi é repórter especial e membro do Conselho Editorial daFolha, ganhador dos prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Assina coluna às terças, quintas e domingos no caderno "Mundo". É autor, entre outras obras, de "Enviado Especial: 25 Anos ao Redor do Mundo e "O Que é Jornalismo". Escreve às terças, quintas e domingos na versão impressa do caderno "Mundo" e às sextas no site.

Aterro é destino de 90% do lixo reciclável



Em SP, 1.786 toneladas do lixo que poderiam ser reaproveitadas são levadas para áreas de descarte comum
Aterros continuam recebendo uma grande quantidade de lixo que deveria ser reciclado / DivulgaçãoAterros continuam recebendo uma grande quantidade de lixo que deveria ser recicladoDivulgação

Todos os dias, 90% do lixo que poderia ser reciclado em São Paulo vai parar em aterros sanitários. No total, são 1.786 toneladas, das 2.000 passíveis de reaproveitamento, que têm como destino final áreas para descarte de lixo comum, segundo dados da Secretaria Municipal de Serviços.

Entre os materiais não reciclados estão garrafas pet, caixas de alumínio e de papel. Eles acabam misturados às 10 mil toneladas de lixo comum produzidas diariamente pelos moradores da capital.

De acordo com a Secretaria de Serviços, a não separação do resíduos pela população é um dos fatores que mais contribui para o baixo percentual de reciclagem.

O diretor-executivo da Abrelpe (Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais), Carlos Silva Filho, concorda, mas aponta outras duas razões para esse quadro: falta de ações para incentivar o morador a aderir à reciclagem e de um programa de expansão da coleta seletiva.

A prefeitura afirma que realiza ações educativas para incentivar a reciclagem e que o volume de material enviado para centrais de triagem aumentou de 20 toneladas por dia, em 2003, para 214 toneladas neste ano.

No entanto, separar e destinar o resíduo sólido para centrais de triagem não implica diretamente no tratamento desse material.

Em março deste ano, o Metro mostrou que as 21 cooperativas conveniadas com a prefeitura trabalham acima da sua capacidade. Dessa forma, 50% do lixo que seria reciclado nessas centrais acaba nos aterros municipais.

Para tentar minimizar o problema, a secretaria de serviços informa que irá implantar mais quatro centrais de triagem e desapropriar áreas para construção de mais sete. Hoje, a capital conta com 21 pontos de reciclagem de resíduos.

Arte: Metro

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Uma sociedade em que os idosos explodem



23 de agosto de 2012 | 3h 02
Fernando Reinach
Para os animais sociais, os idosos podem ser um problema. Como o bem-estar da comunidade depende do trabalho de todos os membros, os idosos, por terem uma menor capacidade, contribuem menos para o grupo. Entre os Homo sapiens (nós) esse problema foi resolvido com o sistema de aposentadoria. A solução é compatível com nossa organização social por causa da grande ligação afetiva que existe entre as gerações.
Além disso, acreditamos que existe um grande valor no conhecimento acumulado pelos mais velhos durante sua vida. Imaginar que soluções semelhantes existam em outras sociedades complexas é um engano. Entre as formigas, as trabalhadoras mais velhas se dedicam à defesa do formigueiro, uma tarefa de alto risco que geralmente leva à morte. Do ponto de vista biológico faz pouco sentido sacrificar os jovens, que têm um alto potencial de contribuição, se existem indivíduos mais velhos que já não podem contribuir com o bem-estar do formigueiro.
Como disse Edward O. Wilson, um famoso estudioso das formigas: "Enquanto nós enviamos machos jovens para o campo de batalha, as formigas enviam senhoras idosas". Mas agora foi descoberto um processo ainda mais estranho em uma sociedade de cupins. Ao envelhecer, os animais se transformam em verdadeiras bombas ambulantes. Quando atacados por invasores, explodem. É o suicídio dos idosos em prol da segurança do grupo. Sem dúvida, um fim nobre em uma sociedade em que o afeto não existe.
Os Neocapritermes taracua são uma espécie de cupim que vive em florestas tropicais, no interior de troncos de madeira em decomposição. Observando esses animais, os cientistas verificaram que uma parte dos trabalhadores possuía duas manchas azuis nas costas, localizadas na junção do tórax com o abdome. Ao longo da vida, esses insetos sofrem diversas mudas (trocam de casca) à medida que crescem. Mas, apesar de trocarem todo seu esqueleto (que nos insetos está por fora do corpo e é chamado de exoesqueleto), as mandíbulas não são trocadas.
As mesmas mandíbulas são usadas durante toda a vida do animal. Com o passar do tempo, as mandíbulas se desgastam e vai ficando difícil para o animal cumprir suas tarefas. Esse desgaste das mandíbulas foi medido pelos cientistas e serve como uma indicação da idade do animal. O que foi observado é que, à medida que os animais envelhecem, surge essa mancha azul, que vai crescendo e inchando. Parece que o animal está carregando nas costas uma mochila azul.
Quando o ninho dos N. taracua é atacado por inimigos, os membros idosos do grupo, com sua mochila azul nas costas, podem ser observados na primeira linha de defesa. Eles são muito mais agressivos e atacam imediatamente o inimigo. Ao serem mordidos pelo inimigo, a mochila azul explode e espalha seu conteúdo gosmento e tóxico sobre o inimigo. Os cientistas observaram que também é possível induzir a explosão desses insetos-bomba com um pinça - basta apertar o corpo do animal, simulando uma mordida.
Método. Usando esse truque, os cientistas conseguiram isolar o "explosivo" azul presente nas mochilas. Ele é composto por uma proteína que se liga a íons de cobre (por isso é azul) e diversas enzimas poderosas produzidas pela glândula salivar do inseto. Os cientistas ainda não sabem como essa meleca grudenta elimina o inimigo, mas a observação dos combates entre os velhinhos azuis e os invasores mostra que o método é eficiente. No passo seguinte, os cientistas estudaram a anatomia das mochilas azuis. Elas são sacos que se formam na costas do inseto e o material azul acumulado no seu interior é produzido por uma glândula que se desenvolve com a idade e tem a função específica de produzir o "explosivo" azul. Quando as mochilas explodem, elas também libertam o conteúdo das glândulas salivares que se localizam exatamente abaixo da mochila. Nesses animais mais velhos, as glândulas salivares estão repletas de enzimas digestivas, uma vez que as mandíbulas já desgastadas não permitem que os vovôs mastiguem eficientemente a madeira do tronco onde vivem.
Esses resultados demonstram que nessa espécie de cupim, durante o processo de envelhecimento, os animais, além de perderem sua capacidade de trabalho, passam por mudanças profundas, desenvolvendo essa nova glândula, produzindo seu conteúdo azul, acumulando as enzimas da saliva e se transformando lentamente em verdadeiros "velhos-bomba". Tudo isso para se prepararem para sua última tarefa, defender o ninho do ataque inimigo, explodindo gloriosamente.
* BIÓLOGO
MAIS INFORMAÇÕES: EXPLOSIVE BACKPACKS IN OLD TERMITE WORKERS. SCIENCE,  VOL. 337,  PÁG 436,  2012