terça-feira, 3 de janeiro de 2012

O cineminha do padre



02 de janeiro de 2012 | 3h 03
JOSÉ DE SOUZA MARTINS - O Estado de S.Paulo
A molecada da minha rua era quase toda frequentadora do cineminha do Padre Ézio, na matriz nova de São Caetano. O subúrbio voltava a respirar aliviado depois das noites medonhas dos blecautes da Segunda Guerra mundial, alcaguetes disfarçados de patriotas caçando furtivamente quintas-colunas pelas ruas escuras, os supostos espiões do Eixo.
Seu Sales, subdelegado de polícia, mesmo de dia, ao encontrar alguém na rua, especialmente os moleques, levava o indicador esquerdo ao olho e puxava a pálpebra inferior para baixo, num gesto típico da época, que queria dizer "estou de olho em você". Acabou a guerra, passaram-se os anos e o subdelegado envelhecido e barrigudo continuava com o gesto ameaçador. Castigara-o a contumácia: de tanto arregaçar a pálpebra, ela não voltara mais ao lugar, aquele olho arregalado, o róseo avesso exposto, deformando-lhe o rosto como testemunho pavoroso da ditadura, da guerra e da repressão.
Terminara, também, o miserê de pão, das longas filas para conseguir um filãozinho de pão de trigo com o cartão de racionamento. Filas demoradas, de crianças, pois os pais não podiam perder tempo. A criançada se animava a ir à padaria mais para sentir o aroma do pão quente, saindo do forno. Nos bairros, nos arrabaldes, no subúrbio, os aromas eram monumentos olfativos que, com o tempo, a metrópole perderia. Eu podia cheirar o que não podia comer.
A molecada de minha rua chegara, também, à idade da primeira comunhão. Quem fosse à missa e comungasse recebia na porta da igreja um cartão carimbado que dava direito a ingresso no cineminha do padre Ézio, italiano de Trento, vigário da paróquia da Matriz Nova, na tarde do domingo. Muitas das crianças dos bairros operários de São Paulo e do ABC não tinham os tostões para pagar o ingresso dos cinemas de verdade. Mas algumas paróquias tinham o seu modesto cinema dos pobres de Nosso Senhor. Em silêncio e em nome de Deus, o padre disputava com os cinemas comerciais a alma pura das crianças. Era cinema mudo, de tela pequena, que projetava filmes antigos, em preto e branco, pequenas comédias do Carlitos, desenhos do Popeye, do Mickey. Eram filmes curtos, de poucos recursos, em que o maravilhoso dependia muito da imaginação de quem os via, distantes no tempo e antiquados em relação aos luxuosos filmes falados e coloridos.
Quase na metade do século 20, as crianças viam no cineminha do Padre Ézio os filmes que seus pais e avós haviam visto no começo do século. O que dava uma sensação muito boa de que o mundo mudava, mas não mudava tanto. As gerações continuavam juntas. Sendo os mesmos filmes de antes da guerra, a guerra parecia apenas indevida intromissão, mero e descabido incidente na vida das gentes simples, que viviam do suor do próprio rosto para ter na mesa o pão nosso de cada dia.

Flexibilizar relação poderia preservar emprego



21 de novembro de 2011 | 18h 12
ANNE WARTH - Agencia Estado
SÃO PAULO - A adoção de políticas flexíveis na área trabalhista pode ser uma alternativa às demissões durante crises econômicas. Mas, para utilizá-las, o Brasil teria que fortalecer o mecanismo das negociações coletivas para permitir entendimentos entre patrões e empregados que não seguissem estritamente a legislação vigente e permitissem soluções alternativas e que não sejam questionadas na Justiça, como acontece hoje.
A conclusão é de um estudo feito pelo professor de Economia da Universidade de São Paulo (USP) José Pastore, que preside o Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomercio-SP), e pelos pesquisadores Werner Eichhorst e Paul Marx, do Instituto de Estudos do Trabalho de Bonn, na Alemanha.
A pesquisa comparou as relações trabalhistas do Brasil e da Alemanha e a experiência de cada país para lidar com a crise financeira de 2008, considerando que ambas as nações sofreram impactos reduzidos. Na Alemanha, o desemprego, que estava em 7,8% em 2008, foi para 8,1% em 2009 e voltou para 7,7% em 2010. No Brasil, o desemprego estava em 7,9% em 2008, aumentou para 8,1% em 2009 e caiu para 6,7% em 2010.
De acordo com Pastore, a principal diferença entre Brasil e a Alemanha reside no fato de que as relações de trabalho são acertadas por negociações coletivas, enquanto no Brasil tudo é decidido pela lei e, caso seja firmada, uma negociação pode ser cancelada caso algum trabalhador entre na Justiça contra seus efeitos.
De acordo com o estudo, negociações coletivas na Alemanha permitiram a adoção de medidas flexíveis, como ajustes na jornada de trabalho, reduções salariais, banco de horas, afastamento temporário e contratos com prazo determinado. Essas medidas mantiveram taxas de desemprego mais baixas no país do que em outros integrantes da União Europeia, como a Espanha, que chegou aos 20%. No Brasil, a opção foi pela expansão do crédito, redução de impostos e subsídios para habitação popular, entre outras medidas.
Para Pastore, o fortalecimento das negociações são uma alternativa que pode servir ao País. "Não há nem dúvida, esse é o caminho mais urgente e mais viável para o Brasil. Quando se usam medidas negociadas, flexíveis, de entendimento, bom senso, dá para superar as crises com menos dor", afirmou. "No caso da crise de 2008, não houve tanto desemprego para as empresas que fizeram negociações. Agora, para aquelas que não fizeram, a dor foi intensa mesmo. A recomendação que tiramos é que precisamos prestar mais atenção a essas medidas flexíveis e dar mais apoio e segurança jurídica para que tanto empregados quanto empregadores as utilizem na hora de necessidade".
Uma das medidas mais ousadas utilizadas na Alemanha foi um modelo de flexibilização que uniu jornadas reduzidas a diminuição dos salários. A renda, porém, era complementada por um fundo, semelhante ao seguro-desemprego, mas que recebe contribuições dos empresários, do governo e também dos trabalhadores. No período em que a jornada era reduzida, os trabalhadores fizeram cursos de qualificação. O programa vigorou por até nove meses e o estudo estima que ele foi uma das maiores contribuições para evitar que a taxa de desemprego chegasse a algo entre 10% e 15%.
Presente ao debate, o senador Armando Monteiro Neto (PTB-PE), ex-presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), afirmou que a experiência alemã é uma referência que deve ser levada em conta, mas com ressalvas. "Eu acho que, nesse caso, é bom conhecer a experiência, mas temos que verificar o impacto fiscal disso, porque se hoje o Brasil tem limitações do ponto de vista do gasto público, é preciso verificar que impacto isso teria", afirmou. "Mas não há dúvida nenhuma que é uma compreensão muito adequada da questão, ou seja, antes de você gerar o desemprego, o Estado tem como atuar para evitar o desemprego. Eu acho que isso é um sistema inteligente, em que você não acode apenas no incêndio, mas evita o incêndio".
Para o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Sérgio Nobre, embora a realidade brasileira seja muito diferente da alemã, o princípio da preservação dos empregos é o mesmo. "Acho que quando os mecanismos de flexibilidade são implementados por atores representativos, por sindicatos e empresariado fortes, quando a negociação é acompanhada e é objeto de debate com os trabalhadores, que se envolvem e acreditam em um acordo feito de boa vontade, a experiência é bastante positiva", afirmou.
Na avaliação de Nobre, o problema é que, no Brasil, muitas vezes a representatividade do sindicato dos trabalhadores e mesmo do patronal é questionada, de forma que o Judiciário passa a regular as questões tendo em vista a lei. "Isso torna a negociação coletiva quase proibida no Brasil. Tudo é engessado pela lei e ninguém consegue avançar com a negociação coletiva.", afirmou.
Nobre disse ainda ser favorável à adoção de políticas flexíveis, que, segundo ele, podem ser mais efetivas na proteção do emprego. "O Brasil apostou no campo financeiro, de você criar uma multa de 40% sobre a indenização dos trabalhadores para inibir as demissões. Mas a crise de 2008 mostrou que isso não inibiu, as empresas de alguma maneira incorporaram esse custo e não houve dificuldade para ter as demissões", disse. "Nosso grande desafio é construir um mecanismo que nos permita atravessar um ano e meio ou dois de crise sem ter demissões. O caso alemão mostra isso, saíram rapidamente da crise porque preservaram empregos e o poder de consumo das famílias". 

Porto de Santos vai dobrar capacidade até 2013


Maior porto da América Latina vai movimentar a mesma quantidade de contêineres que todos os outros portos brasileiros juntos

02 de janeiro de 2012 | 22h 47
Renée Pereira, de O Estado de S. Paulo
O Porto de Santos, maior da América Latina, vai dobrar de tamanho até 2013. Sozinho, terá capacidade para movimentar a mesma quantidade de contêineres que todos os outros portos brasileiros juntos: 8 milhões de teus (unidade equivalente a um contêiner de 20 pés). Hoje esse número está em 3,2 milhões de teus, afirma o presidente da Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), José Roberto Correia Serra.
Segundo ele, o aumento da capacidade é resultado de uma série de ampliações, compra de equipamentos de última geração e a entrada em operação de novos projetos privados. Dois deles vão representar 65% de toda ampliação de Santos. O maior é a Embraport, terminal construído na margem esquerda do complexo santista pela Odebrecht Transport, DP World e Grupo Coimex. O empreendimento, de R$ 2,3 bilhões, terá capacidade para 2 milhões de teus e 2 bilhões de litros de etanol.
Na margem direita, está sendo construído o novo terminal da Brasil Terminais Portuários (BTP), controlado pela Europe Terminal. Também vai movimentar contêineres e granéis líquidos, a exemplo da Embraport. Na primeira fase, serão 1,1 milhão de teus e 1,4 milhão de toneladas de líquidos. O investimento total é da ordem de R$ 1,8 bilhão, especialmente por causa das soluções ambientais - o terminal está sendo construído numa área usada por mais de 50 anos como descarte de resíduos do Porto de Santos.
Tanto no caso da Embraport como no da BTP, as operações serão antecipadas para outubro do ano que vem, afirma Serra. Nesse primeiro ano, os dois projetos vão acrescentar cerca de 700 mil teus à capacidade do porto. O restante fica para 2013. O presidente da Codesp lembra que outros operadores do porto, como Santos Brasil, Libra e Tecondi, fizeram investimentos importantes, que vão resultar em aumento da expansão. A compra de equipamentos, por exemplo, eleva a quantidade de movimentos que as empresas podem fazer por hora.
Há ainda investimentos na infraestrutura existente para ampliar a capacidade de movimentação de granéis (líquidos e sólidos). A Copape, localizada na Ilha do Barnabé, iniciou as obras de construção de dois píeres, no valor de R$ 80 milhões. Além disso, a Codesp vai investir R$ 200 milhões no reforço de 1 quilômetros (km) de cais nos trechos operados pela Copersucar e pela Cosan. A obra vai permitir que navios de açúcar e soja aproveitem ao máximo sua capacidade e saiam mais cheios dos terminais, diz Serra.
Gargalo. Segundo ele, com esses investimentos, o importante agora é focar na operação do porto e no acesso terrestre, que não dá conta nem para atender o volume atual. "Do jeito que está não dá para aproveitar todo o aumento da capacidade." Uma prioridade será ampliar a participação da ferrovia em Santos - com expansão do sistema de cremalheira e com o Ferroanel. O executivo diz que apenas 1% da movimentação de contêiner e 10% dos granéis é feita pelos trilhos. O objetivo é elevar a participação média para 25%.
Hoje o porto recebe cerca de 14 mil caminhões por dia, nas duas margens. Cerca de 85% desses veículos chegam entre 8 da manhã e 18 horas. "Falta inteligência de agendamento da carga no porto. O caminhão sai do destino e acha que pode desembarcar em Santos a qualquer hora. Isso precisa mudar." Caso contrário, diz Serra, não adiantará nada investir nas perimetrais de Santos (margens direita e esquerda) e no mergulhão (passagem subterrânea no Valongo).
Além disso, Santos começará a implementar o sistema de tráfego marítimo para controlar desde a chegada do navio, atracação no cais até a saída de Santos. "Esse programa permitirá o tráfego duplo no canal de acesso do porto. Também podemos monitorar a pirataria, a meteorologia, as ondas, os ventos, etc. Com isso, haverá redução do tempo de entrada e saída das embarcações e ganhos de custos."
A implementação do Porto sem Papel, pela Secretaria de Portos, também deverá ajudar a acelerar as operações em Santos. Trata-se de um sistema que vai integrar os seis órgãos públicos - Polícia Federal, Receita Federal, Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), autoridade portuária, Vigilância Agropecuária Internacional e Marinha do Brasil - de forma a evitar a duplicação de informações e de formulários.