segunda-feira, 5 de dezembro de 2011


A nova direita. Alianças sob controle

Ao planejar políticas públicas, Kassab ouve e considera as aspirações do povão, mas como quem faz uma pesquisa de mercado e não como quem inclui cidadãos, afirma professor da Unicamp

04 de dezembro de 2011 | 3h 05
MARCOS NOBRE É PROFESSOR DE FILOSOFIA POLÍTICA DA UNICAMP, PESQUISADOR DO CEBRAP, ONDE COORDENA O NÚCLEO DIREITO, DEMOCRACIA. AUTOR DE DIREITO, DEMOCRACIA - UM GUIA DE LEITURA DE HABERMAS (MALHEIROS) - O Estado de S.Paulo
MARCOS NOBRE
Primeiro, Gilberto Kassab disse que o PSD não era "de direita, nem de esquerda, nem de centro". Depois, disse que o partido era "de centro". Acrescentou mais tarde que não era um partido nem de situação nem de oposição, mas "independente".
Ou seja, o PSD é um partido de direita. E, como todo partido de direita no Brasil, não consegue sobreviver fora do governo. Seja qual for o governo, seja qual for o nível da federação. É um padrão antigo da política brasileira, que foi atualizado nos últimos 30 anos de democratização segundo o modelo estabelecido pelo PMDB. É um padrão que pode ser chamado por isso de "peemedebista".
Essa é, em última instância, a razão da derrocada do DEM e do atual declínio do PSDB. Os partidos da aliança que elegeu FHC em 1994 não conseguiram reconquistar o poder federal, perderam espaço regional e bancada parlamentar. A partir do segundo mandato de Lula ganharam subitamente um carimbo de muito velhos e obsoletos do qual simplesmente não conseguem se livrar.
E aqui entra a diferença essencial do PSD: não é a direita vencida pelo PT. O PT venceu em 2006 e em 2010 com um argumento simples: a volta do PSDB significaria um retrocesso em relação a todas as conquistas dos últimos anos. E, se o discurso do retrocesso colou até o momento, é porque tinha alguma base na realidade: o tecnocratismo e a demofobia (o horror do "povão") do PSDB e o clientelismo tradicionalista do DEM/PFL.
Com o PSD, esse argumento não cola. Quem acompanha a política paulistana sabe que Kassab mudou o padrão clássico da direita na cidade: nada de concentrar investimentos em obras faraônicas, de grande visibilidade. A ênfase está em políticas públicas. São políticas focadas, dirigidas, pensadas.
Em lugar de se contrapor às políticas implementadas por Marta Suplicy no período 2000-2004, Kassab procurou se apropriar delas. À sua maneira, que não é a do clientelismo tradicional da velha direita, mas a de um neopaternalismo. Ao planejar e elaborar políticas públicas, ouve e leva em consideração as opiniões e aspirações dos interessados (incluindo o "povão"). Mas como quem faz uma pesquisa de mercado e não como quem inclui cidadãos que têm o direito de participar e de deliberar.
Não que, até o momento pelo menos, toda essa novidade chegue a ponto de o PSD poder sobreviver fora do governo, qualquer governo, escapando ao padrão peemedebista. Um levantamento recente feito pela revista Época (21 de novembro) mostrou não apenas o quase desaparecimento da oposição (que só existiu de fato enquanto o PT foi oposição). Mostrou também um índice de adesão aos governos estaduais nas Assembleias Legislativas de 81% para o PSD.
(Já o PMDB ele mesmo não é mais aquele: "apenas" 62% de adesismo, segundo o levantamento. Difícil dizer se o declínio do PMDB teria acontecido de qualquer maneira, se a aliança formal com o PT na verdade só impediu uma decadência mais rápida. Mas é fato que, a exemplo do DEM, o PMDB não conseguiu se renovar e está se segurando para não perder ainda mais em importância.)
Mas, ainda assim, o PSD é coisa nova. Só para dar mais um exemplo: é o primeiro partido de direita de tamanho respeitável a ter um dispositivo sindical à altura (a UGT). E que vai utilizar esse dispositivo sindical para administrar as próprias contas do partido.
Outra novidade é que, desde o início, o PSD joga junto com o PSB o tempo todo. A dupla PSD-PSB mira 2018. São complementares em termos regionais e têm um acordo tácito de não invadir terreno do parceiro. Na sua essência, é uma dupla que pode vir a ser a versão repaginada da aliança PSDB-PFL que elegeu FHC em 1994.
Dilma é continuidade de Lula II, assim como FHC II é continuidade do sucesso do Plano Real. Foram eleições ganhas com base no "fantasma de um retrocesso". Mas a situação hoje é outra. O PT pode até continuar batendo na tecla de que sem ele na liderança do condomínio as "conquistas" dos últimos anos estão em risco. Mas isso não vai colar por muito mais tempo.
Não que haja até o momento alguma alternativa real e competitiva a Dilma em 2014. Mas o projeto do PT, tal como enunciado por Lula em abril, é para "20 anos", vai além de 2018. E, para isso, são necessários novos avanços significativos em termos de diminuição das desigualdades e de distribuição de renda. E novos avanços dependem não apenas de aumentos exponenciais nos investimentos em educação e saúde, mas de se ir à raiz da radical injustiça tributária, por exemplo.
A grande virtude dos governos sucessivos liderados pelo PT é também hoje sua maior dificuldade: as expectativas de diminuição de desigualdade vieram para ficar. E não dá mais para corresponder a essas expectativas com uma coalizão de "A a Z" como é a atual.
Se um eventual segundo mandato de Dilma pode ou não ter uma cara mais enxuta e aguerrida como essa, é difícil dizer. O que se pode dizer é que, até lá, a dupla PSD-PSB já estará pronta para mostrar a própria cara. E já não dependerá mais do PT para tomar conta do novo condomínio pemedebista que está comprando ainda na planta.

sábado, 26 de novembro de 2011

Pensamentos e Sonhos sobre o Brasil, por Leonardo Boff



O brasileiro tem um compromisso com a esperança. É a última que morre. Por isso, tem a certeza de que Deus escreve direito por linhas tortas. A esperança é o segredo de seu otimismo, que lhe permite relativizar os dramas, dançar seu carnaval, torcer por seu time de futebol e manter acesa a utopia de que a vida é bela e que amanhã pode ser melhor.

Por Leonardo Boff, é teólogo e professor emérito de ética da UERJ.

1. O povo brasileiro se habituou a “enfrentar a vida” e a conseguir tudo “na luta”, quer dizer, superando dificuldades e com muito trabalho. Por que não iria “enfrentar” também o derradeiro desafio de fazer as mudanças necessárias, para criar relações mais igualitárias e acabar com a corrupção?
2. O povo brasileiro ainda não acabou de nascer. O que herdamos foi a Empresa-Brasil com uma elite escravagista e uma massa de destituídos. Mas do seio desta massa, nasceram lideranças e movimentos sociais com consciência e organização. Seu sonho? Reinventar o Brasil. O processo começou a partir de baixo e não há mais como detê-lo.
3. Apesar da pobreza e da marginalização, os pobres sabiamente inventaram caminhos de sobrevivência. Para superar esta anti-realidade, o Estado e os políticos precisam escutar e valorizar o que o povo já sabe e inventou. Só então teremos superado a divisão elites-povo e seremos uma nação una e complexa.
4. O brasileiro tem um compromisso com a esperança. É a última que morre. Por isso, tem a certeza de que Deus escreve direito por linhas tortas. A esperança é o segredo de seu otimismo, que lhe permite relativizar os dramas, dançar seu carnaval, torcer por seu time de futebol e manter acesa a utopia de que a vida é bela e que amanhã pode ser melhor.
5. O medo é inerente à vida porque “viver é perigoso” e sempre comporta riscos. Estes nos obrigam a mudar e reforçam a esperança. O que o povo mais quer, não as elites, é mudar para que a felicidade e o amor não sejam tão difíceis.
6. O oposto ao medo não é a coragem. É a fé de que as coisas podem ser diferentes e que, organizados, podemos avançar. O Brasil mostrou que não é apenas bom no carnaval e no futebol. Mas também bom na agricultura, na arquitetura, na música e na sua inesgotável alegria de viver.
7. O povo brasileiro é religioso e místico. Mais que pensar em Deus, ele sente Deus em seu cotidiano que se revela nas expressões: “graças a Deus”, “Deus lhe pague”, “fique com Deus”. Deus para ele não é um problema, mas a solução de seus problemas. Sente-se amparado por santos e santas e por bons espíritos e orixás que ancoram sua vida no meio do sofrimento.
8. Uma das características da cultura brasileira é a alegria e o sentido de humor, que ajudam aliviar as contradições sociais. Essa alegria nasce da convicção de que a vida vale mais do que qualquer coisa. Por isso deve ser celebrada com festa e diante do fracasso, manter o humor. O efeito é a leveza e o entusiasmo que tantos admiram em nós.
9. Há um casamento que ainda não foi feito no Brasil: entre o saber acadêmico e o saber popular. O saber popular nasce da experiência sofrida, dos mil jeitos de sobreviver com poucos recursos. O saber acadêmico nasce do estudo, bebendo de muitas fontes. Quando esses dois saberes se unirem, seremos invencíveis.
10. O cuidado pertence à essência de toda a vida. Sem o cuidado ela adoece e morre. Com cuidado, é protegida e dura mais. O desafio hoje é entender a política como cuidado do Brasil, de sua gente, da natureza, da educação, da saúde, da justiça. Esse cuidado é a prova de que amamos o nosso pais.
11. Uma das marcas do povo brasileiro é sua capacidade de se relacionar com todo mundo, de somar, juntar, sincretizar e sintetizar. Por isso, ele não é intolerante nem dogmático. Gosta e acolhe bem os estrangeiros. Ora, esses valores são fundamentais para uma globalização de rosto humano. Estamos mostrando que ela é possível e a estamos construindo.
12. O Brasil é a maior nação neolatina do mundo. Temos tudo para sermos também a maior civilização dos trópicos, não imperial, mas solidária com todas as nações, porque incorporou em si representantes de 60 povos que para aqui vieram. Nosso desafio é mostrar que o Brasil pode ser, de fato, um pedaço do paraíso que não se perdeu.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

É o emprego crescendo, por Celso Ming


Celso Ming

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24 de novembro de 2011 | 19h45
Celso Ming
Os números macroeconômicos apontam para algumas divergências quanto ao rumo da economia brasileira em meio a esta crise global.
Há, por exemplo, indicações de que a atividade econômica se encontra em desaceleração, como demonstraram os últimos levantamentos do Índice de Atividade Econômica do Banco Central e o estoque do crédito – que já não cresce com a mesma força de há alguns meses, embora isso também tenha tido a ver com a greve dos bancários, que reduziu o fluxo dos financiamentos.
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Em geral, os números da indústria também capengam. A produção automobilística, por exemplo, diminuiu 19,7% no mês de setembro. Além disso, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) divulgou nesta quinta-feira os últimos dados de sua Sondagem Industrial. Em outubro, ficou nos 48,8 pontos. Esse índice varia entre 0 e 100 pontos e, quando está abaixo dos 50, aponta atividade negativa. A mesma metodologia mostrou queda na utilização de capacidade instalada no Brasil dos já baixos 45,0 pontos, em setembro, para 43,9, em outubro.
Em compensação, a Balança Comercial vai dando show em plena crise global. Em 12 meses terminados em outubro, as exportações avançaram 20,5% e as importações, 19,5%. No início do ano, o Banco Central projetava para 2011 um saldo comercial de US$ 11 bilhões. O resultado deve ficar acima do dobro, entre US$ 24 bilhões e US$ 25 bilhões. O mesmo se pode dizer do Investimento Estrangeiro Direto (IED), para o qual o Banco Central previa entrada líquida de apenas US$ 45,0 bilhões. O volume final ficará ao redor dos US$ 65 bilhões.
E nesta quinta saiu o raio X do desemprego do País em outubro, exposto no gráfico. Anunciou-se desocupação de 5,8% da População Economicamente Ativa (PEA), melhor índice desde dezembro de 2010.
Esse número explica muita coisa da atual trajetória da inflação. Os especialistas têm lá suas divergências, mas geralmente concordam em que, no Brasil, um índice de desemprego abaixo de 6,5% deixa de ser neutro em relação à inflação.
O IBGE apontou nesta quinta-feira que o rendimento real dos trabalhadores com carteira assinada subiu 11% em 12 meses. Como o salário mínimo terá reajuste de nada menos que 14% em janeiro, a massa salarial tende a crescer e a ajudar a sustentar a demanda interna, grande responsável pelo salto de 9,34%, em 12 meses, dos preços dos serviços (até outubro).
Por falar nisso, a novidade no arranjo da economia brasileira é o forte avanço desse setor: 49% do IED em 2011 vieram para serviços (telecomunicações, comércio, produção e distribuição de energia, serviços financeiros, etc.). Crescem com vigor a construção civil, áreas de assistência técnica, call centers e transportes.
Isso cobra seu preço especialmente para a indústria, que vai perdendo participação relativa no produto nacional. Mas, para o bem e para o mal, esta é uma tendência clara deste momento da economia brasileira. Em outubro, a indústria (mais as atividades de extração) utilizava 16,3% da população ocupada. Enquanto isso, todo o setor de serviços ficou com 83,3%.
CONFIRA
Não e não. A chanceler da Alemanha, Angela Merkel, segue intransigente na rejeição sumária das propostas de instituição do Eurobônus – título que, em princípio, agrada ao mercado financeiro. Serviria para financiar despesas públicas de todos os países do bloco do euro em forma solidária. E teria o mérito de criar mecanismos institucionais de controle das dívidas. Merkel insiste em que o Eurobônus enfraqueceria todos.
Reformas. Ela está agora dando prioridade à reforma dos tratados da área do euro, cuja espinha dorsal implica controles dos orçamentos nacionais por um poder central.
Comprido demais. O problema é que esses tratados supõem longa negociação e, provavelmente, terão de ser submetidos ainda a referendos em cada um dos países-sócios do bloco, cujos resultados são uma incógnita. É um processo demorado demais diante da urgência de soluções rápidas que a crise está exigindo.