terça-feira, 17 de agosto de 2010

Sérgio Besserman e as seis grandes crises ambientais

A ERA DOS DESASTRES


Para o economista e ambientalista Sérgio Besserman, o mundo vive hoje de forma contrária ao principal conceito econômico: o de que não há “free lunch”e, por isso, tudo o que fazemos no presente terá, inevitavelmente, consequências no futuro. De acordo com o especialista, esse comportamento já provocou seis grandes crises ambientais no planeta – algumas, irreversíveis –, que só tendem a piorar

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Mônica Nunes/Débora Spitzcovsky
Planeta Sustentável - 13/08/2010

A humanidade presencia, atualmente, um momento único e de extrema importância na história do planeta. Foi com essa afirmação que o economista, ambientalista e membro do Conselho Diretor daONG WWF-BrasilSérgio Besserman, iniciou sua palestra sobre “Mudanças Climáticas e Perspectivas do Brasil”, na última quarta-feira, 11 de agosto, no evento Projeto Brasil 2014.

Segundo o especialista, essa é a primeira vez na história da humanidade que enfrentamos um grande problema de forma consciente e temos plenas condições de resolvê-lo, o que não significa que o faremos. “Como não há precedentes na história, é impossível prever o comportamento do homem, mas por enquanto estamos nos saindo muito mal. Há 300 anos, por conta do crescimento econômico, começamos a agredir o meio ambiente e não paramos mais. Antes, causávamos danos locais. Hoje, o estrago já é global”, disse Besserman.

Para o ambientalista, a culpa é da teimosia do homem, que quer a todo custo ir contra o princípio mais básico da economia: o de que não há “free lunch” (expressão em inglês que quer dizer “almoço grátis”). “Ou seja, nada na vida sai de graça. Hoje, os recursos naturais do mundo são usados de forma irresponsável por cerca de 1 bilhão de pessoas – que vivem nos EUA, China ou constituem as classes média e rica dos países emergentes. Já os outros 4,5 bilhões que habitam o mundo lutam muito para, também, poder explorar o planeta de jeito exagerado. Toda essa exploração tem um preço e a conta a pagar já está aí”, explicou.

Segundo o especialista, já podemos contabilizar seis grandes crises ambientais no planeta que foram causadas pelo homem. “E esse número só aumentará até 2050, quando teremos, em uma previsão otimista, cerca de 9 bilhões de habitantes na Terra”, destacou.

AS AGRESSÕES AO ECOSSISTEMA PLANETÁRIO
desertificação e a perda da qualidade do solo constituem a primeira crise ambiental citada por Besserman. “Para mim, ela é gravíssima, porque compromete as plantações agrícolas. Se haverá tanta gente no mundo daqui a 30 anos, uma crise alimentar será inevitável”, disse. Segundo o especialista, o problema já é tão sério que no Brasil, por exemplo, o semiárido será totalmente árido em cerca de 50 anos. (Para saber mais sobre a campanha que a ONU lançou contra a desertificação, leia a reportagem ONU proclama Década de Combate à Desertificação)

O segundo colapso listado pelo ambientalista é o buraco na camada de ozônio, que para ele não é tão grave porque já está estabilizado – exceto na China – e possui solução tecnológica. No entanto, quando fala sobre a terceira crise ambiental que provocamos, Besserman não mostra tanta tranquilidade. “A escassez de água doce ainda causará muitos conflitos por todo o mundo e o mais irônico é que o recurso ainda estará no planeta, só que de forma inacessível”, disse o especialista, se referindo ao fato de que, por conta das mudanças climáticas, está cada vez mais difícil prever onde acontecem as chuvas, o que dificulta o processo de captura de água doce.

degradação dos oceanos é o quarto colapso global apontado por Besserman, que lembra que o fato dos mares ficarem mais ácidos compromete todo o ecossistema marítimo. “A população de fitoplânctons, por exemplo, diminuiu 40% em 120 anos e há muitas outras mudanças negativas, causadas pela alteração de ph da água, que já são irreversíveis”, disse. Essa aniquilação da vida marinha, inclusive, constitui parte da quinta crise ambiental citada por Besserman: a extinção da biodiversidade do planeta.

“Estamos acabando com a fauna e flora na mesma velocidade que a era Cretáceo – que teve a extinção em massa dos dinossauros e demais animais da Terra. Hoje, a previsão ambiental mais otimista diz que 30 a 40% das espécies vivas do planeta já estão extintas. É lamentável”.

Apesar disso, Besserman não teme pela existência da biodiversidade. Para ele, mesmo que sejam extintas pelo homem, a fauna e a flora reaparecerão no planeta, em cerca de 5 milhões de anos, ainda mais diversas. Já a vida humana não terá a mesma sorte. “Não temos ideia do quanto dependemos da biodiversidade para existir, mas é muito. Com certeza a humanidade estará sob sérios riscos”, afirmou.

UM CAPÍTULO A PARTE
As mudanças climáticas são a sexta e última crise ambiental que vivemos atualmente, na opinião de Besserman, e merecem uma atenção diferente da que deve ser dada aos outros cinco problemas globais. Isso porque o especialista considera essa crise muito mais grave, urgente e profunda do que qualquer outra.

“Ela é a mais grave porque intensifica todas as outras crises ambientais. É a mais urgente porque é histórica, ou seja, começou há muito tempo e já provocou muitos estragos, o que significa que não basta parar de emitir em grande quantidade para resolver a situação. E é a mais profunda porque não existe solução tecnológica para as mudanças climáticas, enquanto vivermos na era da energia fóssil. É preciso uma mudança radical no pensamento de toda a sociedade”, sentenciou o ecoeconomista.

Para ele, é exatamente esse terceiro aspecto que torna a resolução da sexta crise ambiental tão difícil, já que a sociedade, no geral, está acostumada a se sacrificar, apenas, pelo bem individual e não coletivo. “Para enfrentar as mudanças climáticas só há uma receita: ser, de fato, humanidade, o que é difícil, porque nem mesmo a política pensa no todo, atualmente, e a maioria das pessoas teme mudanças”, disse Besserman, que ainda completou: “O que as pessoas precisam entender é que a maior mudança de todas virá se não mudarmos nada agora, porque colocaremos incontáveis vidas humanas em jogo”
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segunda-feira, 16 de agosto de 2010

USP cria fibrocimento sem amianto inspirado na natureza



Agência USP
O fibrocimento desenvolvido se caracteriza por propriedades mecânicas que variam ao longo do material, diferente dos convencionais, que têm as mesmas propriedades em toda a sua extensão.
Publicado em 12 de Agosto de 2010
O fibrocimento desenvolvido se caracteriza por propriedades mecânicas que variam ao longo do material, diferente dos convencionais, que têm as mesmas propriedades em toda a sua extensão.Agência USP
Pesquisadores da Escola Politécnica da USP criaram um novo tipo de fibrocimento com uma tecnologia inédita no mundo, sem amianto e com excelente resistência. 

O fibrocimento desenvolvido se caracteriza por propriedades mecânicas que variam ao longo do material, diferente dos convencionais, que têm as mesmas propriedades em toda a sua extensão. 


Inspiração na natureza 

"Inspirados na natureza, desenvolvemos um fibrocimento com gradação funcional", conta o engenheiro Cléber Dias. "O conceito é inspirado em materiais como o bambu, as ostras e, até mesmo, o osso humano. 

Dias explica que a gradação funcional significa a variação de valor de uma ou mais propriedades ao longo do material. "Por exemplo, podemos variar a porosidade ao longo de um material e estaremos variando, consequentemente, sua resistência mecânica em pontos diferentes", descreve. 

Ele conta que as indústrias brasileiras de fibrocimento começaram a migrar para a fabricação do produto sem o uso do amianto, material que teve o uso banido em diversos países. 

Porém, os fibrocimentos produzidos com fibras alternativas (sintéticas) apresentaram desempenho inferior e o custo de produção era mais alto que o do cimento-amianto. Dias lembra que as fibras de polipropileno e PVA são as mais utilizadas para substituir o amianto. 

Telhas onduladas sem amianto 

Os engenheiros realizaram testes com a fabricação de telhas onduladas de fibrocimento em que foram alteradas suas resistências mecânicas em pontos específicos. "As telhas foram fabricadas em máquinas Hatschek e as alterações da resistência mecânica foram conseguidas aplicando misturas de cimento, polímeros e fibras, de poli(vinil álcool), PVA, ou vidro álcali-resistente", explica Dias. 

A gradação funcional nas telhas pode ser obtida de duas maneiras. Na primeira, durante a formação da telha na prensa da Hatschek, são aplicadas misturas fibrosas em pontos específicos da telha. "Apesar de a telha apresentar altas concentrações de fibras em determinados pontos, na média, o teor de fibras é menor que o teor convencionalmente utilizados nos produtos homogêneos", compara. 

A outra forma, segundo Dias, é variar a composição de cada tanque do maquinário Hatschek. "Nesse caso podemos produzir placas constituídas de camadas com diferentes composições. Essa forma não foi avaliada, pois necessitaríamos de um investimento muito alto. Mas fizemos os fibrocimentos com camadas diferentes em laboratório e os resultados foram muito bons", afirma. 

Fibrocimento verde 

Ele ressalta, no entanto, que muitos estudos ainda são necessários e que outros pesquisadores devem dar prosseguimento ao trabalho atuando na indústria. 

"Nesse tipo de fabricação, os custos são menores devido à redução do teor de fibras sintéticas. Mesmo assim, a capacidade de carga das telhas de fibrocimento pôde ser melhorada," garante o engenheiro. 

Além das telhas onduladas, Dias garante que o fibrocimento com gradação funcional também pode ser utilizado na fabricação de placas planas. 

O pesquisador também destaca que o processo produtivo resultará em um produto menos agressivo ao meio ambiente, já que o consumo de fibras derivadas de petróleo será reduzido. "O produto deverá ficar, consequentemente, mais acessível ao consumidor", diz Dias.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

A doce ilusão da vontade


Fernando Reinach   fernando@reinach.com - O Estado de S.Paulo

Quando nos levantamos da mesa, vamos até a geladeira e nos servimos de um copo de água, temos a certeza de que esse comportamento complexo teve sua origem em nossa vontade. Em outras palavras, acreditamos que tudo se iniciou com nossa vontade consciente de tomar água.
Não há dúvida de que a mente humana é capaz de imaginar uma situação no futuro (a água prazerosamente descendo pela garganta), avaliar se essa situação é recompensadora (sim, tenho sede) ou não (que preguiça de ir até a geladeira) e tomar a decisão de agir para tornar real a situação que imaginamos. O problema é que nas últimas décadas os cientistas têm descoberto que muitos atos que acreditamos serem derivados de nossa vontade consciente na verdade são comandados ou modulados pelo nosso inconsciente.
A ilusão da vontade consciente é tão forte que muitos têm dificuldade em aceitar que atos inconscientes existem. Para convencer os incrédulos, nada melhor que examinar os mais simples. Nosso coração bate regulado por um mecanismo sobre o qual praticamente não temos controle consciente. O mesmo ocorre com o movimento dos intestinos. Outros atos são controlados pelo inconsciente durante a maior parte do tempo, mas podemos assumir seu controle. É o caso do ato de respirar.
Em outros casos - por exemplo, quando dirigimos um carro por um percurso familiar -, abdicamos do controle consciente e de repente percebemos que já chegamos. O mesmo ocorre com o ato de andar. Já tentou controlar conscientemente cada movimento de cada músculo do seu corpo enquanto anda? É praticamente impossível. Começamos a andar e o inconsciente toma conta dos detalhes enquanto sonhamos acordados.
A primeira descoberta que abalou nossa ilusão de que a vontade consciente inicia nossos atos foi o experimento que demonstrou que quando uma pessoa levanta um dedo, um cientista que monitora seu cérebro é capaz de prever que ela vai decidir levantar o dedo frações de segundo antes de ela fazê-lo e muito antes de o dedo realmente se mover (veja A possibilidade de prever decisões e o livre-arbítrio, publicado aqui em 16/08/2007). Nesse caso, apesar de o cérebro ter "decidido" antes de a decisão aparecer na consciência, o ato de levantar o dedo só ocorre depois de essa vontade aparecer na consciência.
Nos últimos anos, os cientistas descobriram que muitos de nossos atos são iniciados e concluídos sem que eles apareçam na nossa consciência. O elemento que provoca o início do ato também é inconsciente. Dezenas de experimentos demonstram que isso ocorre. Em um deles, duas pessoas sentadas em uma mesa são instruídas a montar dois quebra-cabeças em sequência. Os quatro quebra-cabeças, quando montados, revelam palavras. Foi descoberto que se o quebra-cabeça montado primeiro por uma das pessoas revelar palavras como "vitória" ou "competitividade", essa pessoa vai montar mais rapidamente que a outra o segundo quebra-cabeça.
Ou seja, mesmo sem ter decidido conscientemente aumentar a velocidade com que tenta completar a tarefa, o inconsciente da pessoa usa a informação visual e o significado da palavra lida no primeiro quebra-cabeça para modular seu comportamento. A competitividade brotou diretamente do inconsciente. Interrogadas sobre o experimento, essas pessoas não têm consciência de que tentaram aumentar a velocidade.
Nessa mesma linha, outros experimentos demonstram que, em um escritório, as pessoas mantêm suas mesas mais limpas se um ligeiro odor de desinfetante (em níveis abaixo dos percebidos conscientemente) for adicionado ao ar. Em outro estudo, pessoas eram informadas que receberiam uma recompensa fixa em dinheiro (digamos, sempre R$ 1) se apertassem um botão quando uma imagem de dinheiro aparecesse na tela. Diferentes grupos foram submetidos a diversas imagens de dinheiro. A força com que as pessoas apertam o botão é diretamente relacionada ao valor que aparece na tela.

Em todos esses casos, as pessoas agiram guiadas por estímulos vindos do inconscientes e nunca tiveram conhecimento ou "vontade consciente" de praticar os atos. Elas procuraram atingir um objetivo e executaram um ato sem intervenção da consciência. Experimentos mais complexos demonstram que muitas vezes iniciamos, executamos e terminamos atos sem jamais termos consciência do que fazemos.

Esses experimentos têm gerado muitas discussões sobre seu significado. Eles afetam a imagem que temos de nossos atos, da nossa liberdade de ação e do que significa ser humano. Mas, para muitos biólogos, essas descobertas são mais uma demonstração de que, afinal, não somos tão diferentes dos outros animais.

A maioria dos seres vivos provavelmente não tem consciência de seus atos da mesma maneira que acreditamos possuir. Apesar disso, agem e reagem guiados por um cérebro capaz de captar estímulos do meio ambiente e transformá-los em ações na ausência de consciência. Nossa mente consciente evoluiu no interior de um desses cérebros e não deveria nos espantar que muitos dos mecanismos que governam o comportamento de nossos ancestrais ainda governem nossos atos. Precisamos aprender a conviver com o fato de que não passamos de animais sofisticados e aos poucos nos libertarmos da doce ilusão de que nossos atos dependem de nossa vontade consciente.