Na pandemia, a ciência deu um show. A doença surgiu na China no finalzinho de 2019. Em poucas semanas, o vírus Sars-CoV-2 já havia sido identificado. Em março de 2020, vieram os primeiros kits para a detecção de anticorpos, possibilitando a testagem. Em dezembro, já havia países vacinando suas populações. Nunca tantos imunizantes foram desenvolvidos tão rapidamente. E funcionaram.
As coisas deram certo porque cientistas, laboratórios e governos centraram esforços em atingir objetivos bem definidos, sem poupar recursos. Essa, porém, não é ordem natural das coisas. No arroz com feijão da medicina, a ciência não se sai tão bem. E isso é um eufemismo. O estatuto epistemológico de grande parte das intervenções médicas que realizamos é precário.
No ano passado, Jeremy Howick e colaboradores publicaram um artigo que deveria nos assustar. Eles avaliaram a qualidade dos dados utilizados nas revisões sistemáticas Cochrane, que são consideradas o que de melhor existe para orientar profissionais em busca da medicina baseada em evidências, e chegaram a uma conclusão sombria. Nove de cada dez intervenções médicas estudadas pela Cochrane não têm apoio em evidências de alta qualidade e, para piorar, malefícios que elas causam tendem a ser subnotificados.
Isso, acredito, tem muito a ver com a cultura do "publish or perish" (publique ou pereça) que tomou conta da academia. O objetivo primário de cada pesquisador é publicar o artigo que fará sua carreira avançar, não produzir boa ciência. Nosso sistema, em vez de concentrar esforços para resolver dúvidas pertinentes com evidências sólidas, os dispersa num grande número de pesquisas sem tanta importância. São montanhas de pesquisadores parindo pequenos ratos.
Precisaríamos encontrar uma forma de conciliar os interesses de pesquisadores que precisam mostrar produção com a necessidade de tornar mais sólidos nossos conhecimentos médicos.
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