Você já viu pelo menos um pronunciamento oficial de Jair Bolsonaro. Ele fala sentado a uma mesa numa sala, tendo ao fundo uma indefesa bandeira nacional e uma simulação de biblioteca. Os livros, comprados pelas cores das lombadas, estão ali para sugerir compostura e reflexão. Inútil, porque o que sai pela boca do orador, em forma, conteúdo, expressão, timbre e dicção, revela um analfabeto funcional —aquele que, tecnicamente alfabetizado, capaz de reconhecer as letras, despreza o pensamento abstrato, por não lhe servir para nada. Segundo pesquisas, o brasileiro médio lê 4,96 livros por ano. Já é pouco, mas Bolsonaro deve levar 4,96 anos por livro.
Nesses pronunciamentos, Bolsonaro se faz acompanhar de um dois de paus, que não abre a boca, e de um tradutor ou tradutora de libras, cuja função é levar os palavrões e grosserias de Bolsonaro aos deficientes. Há dias, quando ele evacuou sua imortal declaração "Caguei! Caguei pra CPI!", a intérprete de libras era uma patusca senhora de óculos. Conhecendo Bolsonaro, e pelo desembaraço com que traduziu o desaforo —nem sombra de titubeio—, já deve ter um estoque de porras, não f.... e PQPs em seu vocabulário. A não ser que emita uma tradução asséptica, caso em que merecerá um sonoro esporro por desfigurar o estilo do patrão.
Não quer dizer que Bolsonaro seja um ignorante. Seus poucos e inglórios anos de Exército só lhe serviram para aprender a lavar cavalos, pintar postes e atirar, mas os quase 30 de Câmara dos Deputados, mesmo na Terceira Divisão, o ensinaram a mentir, corromper e mamar.
Ensinaram-lhe também a se cercar de ideólogos que, estes, sim, leitores atentos, lhe sopram o que fazer para invadir legalmente as instituições e dominá-las por dentro —os instrumentos da democracia que permitem trabalhar contra ela própria.
O Bolsonaro boçal é só uma frente. O perigo está no que isso esconde.
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