Fernando Scheller e Fernanda Guimarães, O Estado de S. Paulo
17 de julho de 2021 | 14h00
A pandemia de covid-19 serviu não só como um despertar para a atuação digital, mas também para mostrar que negócios precisam ter um propósito. Por isso, ao longo dos últimos 18 meses, um conceito representado por três letrinhas – o ESG (sigla em inglês para as atuações nas áreas ambiental, social e de governança) – virou mantra no alto escalão das organizações. Mas será que o discurso se reflete nas práticas do dia a dia das organizações? Nem tanto, na opinião dos próprios executivos brasileiros.
Pesquisa da consultoria Russell Reynolds, referência em recrutamento de alto escalão, que testou o humor de 1,3 mil líderes globais no mundo todo – entre CEOs, conselheiros e diretores de grandes empresas – mostra que, quando o assunto é ESG, o brasileiro está mais pessimista do que a média global. Na amostra local, 53% dos executivos disseram ter confiança nas estratégias sociais, ambientais e de diversidade das companhias.
Todas as demais regiões atingiram índices de confiança acima de 60% no que se refere ao ESG. Mas o pessimismo dos brasileiros se destacou em outros aspectos, como os que medem a confiança em planos de sucessão e na boa relação entre conselhos de administração e corpo executivo.
Para Flávia Leão, diretora-geral da Russell Reynolds no País, a reticência em relação ao ESG pode ser explicada pela própria novidade do debate por aqui. De repente, o corpo diretivo de grandes empresas – não só multinacionais “modernas”, mas também negócios de capital nacional da velha economia – se viram obrigadas a endereçar não só a questão ambiental e social, mas também diversidade e inclusão. “Um executivo nos procurou, por exemplo, para dizer que não se sentia à vontade para tocar no tema diversidade”, diz Flávia. “Estamos fazendo muitos treinamentos nesse sentido.”
Os executivos nacionais também se veem num dilema, com diferentes forças externas os puxando em direções opostas: enquanto bancos, fundos de investimento e parceiros de negócios colocam o ESG como condição para aportes ou compra de produtos, o governo federal vai na direção contrária, tanto no que diz respeito ao meio ambiente quanto a ações afirmativas.
Esse descompasso faz com que o setor privado tenha de caminhar sozinho rumo ao futuro, afirma João Batista Nogueira, presidente da Evoltz, do setor de energia. “Algo que pode explicar o menor otimismo no Brasil é o fato de o governo brasileiro navegar na direção contrária”, diz o executivo, lembrando que essa falta de sintonia só se aprofundou com a pandemia de covid-19. “O setor privado está preparado (a abraçar o ESG).”
Na visão do presidente da Talenses Executive, também especializada no recrutamento de executivos do alto escalão, João Marcio Souza, a turbulência política e econômica do País tem aumentado o estresse que recai sobre os princpais executivos. “Isso reduz muito o nível de otimismo, e é algo muito ligado à agenda do nosso País.”
Segundo a sócia da ACE Governance, Cristiana Pereira, a pressão para acelerar a implantação de ações ESG afetou o mundo todo durante o isolamento social: “Talvez na Europa o assunto já esteja mais consolidado nas empresas e governos, mas, nos Estados Unidos, na Ásia e outras regiões, todos começaram olhar com mais atenção a partir da pandemia.”
Substituição
Consultora em questões relacionadas a estratégias, inovação e cultura empresarial, Cristina Nogueira, aponta que esse otimismo mais baixo no Brasil pode estar relacionado à necessidade de renovação do “plantel” de líderes locais. Segundo ela, os altos executivos de hoje sabem que precisam passar o bastão para a próxima geração, que assumirá o leme para as grandes mudanças que obrigatoriamente terão de vir.
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