6.jan.2021 às 9h50
Uma das tramas mais inesperadas na grande batalha dos veículos elétricos em 2020 foi a ascensão, no final do ano, da QuantumScape, uma startup no segmento de baterias que ainda não registra faturamento.
Se os investidores estiverem próximos de estar certos sobre seu valor de mercado, estimado em cerca de US$ 44 bilhões (R$ 234,3 bilhõs), talvez seja necessário eles começarem a se preocupar com o destino da Tesla.
As ações da QuantumScape estão em disparada desde que a companhia abriu seu capital, em novembro. Ela anunciou os primeiros e promissores resultados de teste com sua bateria de estado sólido no começo de dezembro, mas mesmo assim é difícil explicar a ascensão meteórica de suas ações.
Sediada em San Jose, na Califórnia, e com a Volkswagen e Bill Gates entre seus investidores, a companhia agora tem valor de mercado superior ao da Ford. Os investidores se acostumaram a avaliações estonteantes para as startups de veículos elétricos que se posicionam como a próxima Tesla. No caso da QuantumScape, o entusiasmo se estendeu aos potenciais fornecedores do setor.
As baterias de estado sólido são vistas há muito tempo como maneira de derrubar as limitações de desempenho associadas aos veículos elétricos atuais. Como no caso de um smartphone, um Tesla ou BMW i3 é acionado por uma bateria dotada de um eletrólito líquido que transporta íons de lítio entre um cátodo e um anodo, e vice-versa, durante o processo de carga e descarga. Os eletrólitos líquidos são volumosos e propensos ao superaquecimento. A General Motors ordenou o recall de cerca de 69 mil carros elétricos Chevrolet Bolt, em novembro, depois que surgiram informações sobre incêndios em cinco deles.
A promessa das baterias de estado sólido é deixar de usar o líquido, o que elimina o risco de incêndio. Além disso, as células de “lítio-metal” em desenvolvimento pela QuantumScape, e por outras companhias, combinam o componente de lítio com o anodo, outra forma de reduzir o volume do componente e de possivelmente produzir mais energia a custo mais baixo. Isso também tem importância crítica: o avanço dos veículos elétricos vem sendo bloqueado há muito tempo pelo custo relativamente alto das baterias, o que os torna mais caros que seus equivalentes dotados de motores de combustão interna.
Outras vantagens das baterias de estado sólido incluem a recarga mais rápida e a expectativa de uma maior durabilidade. A QuantumScape anunciou em dezembro que sua célula, na especificação testada, podia ser recarregada a até 80% de sua capacidade em 15 minutos, e que ela retinha mais de 80% de sua capacidade de carga mesmo depois de 800 recargas. Números como esses tornam a posse de um veículo elétrico muito mais parecida com a de um veículo a gasolina atual.
Muita gente no setor de baterias considera as baterias de estado sólido como a tecnologia de uso mais provável no futuro. Elon Musk, presidente-executivo da Tesla, é a exceção mais proeminente. A tecnologia de estado sólido não esteve entre os muitos desenvolvimentos discutidos durante o “dia da bateria” que a empresa dele promoveu em setembro. Musk disse a analistas, em uma conversa sobre os resultados de sua empresa no terceiro trimestre, que remover o anodo convencional “não é tão ótimo quanto pode parecer”, em termos de criar economia de espaço na célula.
O ceticismo da Tesla talvez esteja relacionado à tecnologia de baterias da empresa, que provavelmente dificultaria para outros usuários a adaptação a eletrólitos de estado sólido. A Tesla usa baterias cilíndricas formadas de células enroladas, enquanto seus concorrentes costumam favorecer as baterias ditas prismáticas, nas quais as células podem ser empilhadas. Porque as células de estado sólido são mais quebradiças que as líquidas, é muito mais fácil empilhá-las do que enrolá-las.
Adaptar a maior parte das fábricas de baterias para veículos elétricos atuais à nova tecnologia não causaria grande desordenamento, disse Graeme Purdy, presidente-executivo da Ilika, uma empresa britânica que produz baterias de estado sólido e está trabalhando com a Jaguar Land Rover a fim de garantir uma transição suave. Mas a história pode ser diferente para a Tesla. A mudança pode se tornar o momento em que as baterias da companhia, que até o momento representaram uma vantagem competitiva, se tornem uma desvantagem.
A Tesla não tem o tempo a seu favor, caso precise mudar de rumo. A Toyota provavelmente conta com as mais avançadas baterias de estado sólido, hoje. Planejava usá-las para acionar protótipos de veículos que circulariam na Olimpíada de Tóquio em 2020, que foi adiada por um ano, e planeja ter um modelo produzido em massa no mercado em 2025. Mas a tecnologia provavelmente não conseguirá competir em termos de custo com as baterias atuais até o final da década de 2020, no mínimo.
Os investidores na QuantumScape estão apostando no futuro. O plano de negócios da empresa não projeta faturamento substancial antes de 2026. Tampouco existe garantia de que a solução da empresa venha a se provar superior à da Toyota ou outras. Os resultados de testes anunciados pela QuantumScape no mês passado se referiam a baterias de camada única de células. A Solid Power, uma startup americana de capital fechado, já está produzindo baterias de estado sólido com múltiplas camadas, em uma fábrica em Louisville, Colorado. “Os desafios industriais se tornam exponencialmente mais difíceis com o avanço para as múltiplas camadas”, diz Mark Newman, analista da corretora Bernstein que tem por foco a indústria de baterias.
As avaliações de mercado de empresas como a Tesla e a QuantumScape requerem que os investidores contemplem o futuro longínquo e presumam um desordenamento maciço da estrutura vigente. O problema é que, caso o plano da QuantumScape funcione –e esse é um grande “se”–, a Tesla mesma poderia ser uma das empresas a sofrer desordenamento mais sério. Em 2020, os investidores compraram praticamente tudo que se relacionasse a veículos elétricos. Este ano eles talvez precisem demonstrar maior discernimento.
Tradução de Paulo Migliacci
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