terça-feira, 17 de setembro de 2024

A ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA DE DANTE ALIGHIERI , por Alexandre Marcos Pereira, Procurador de Justiça. (APMP)


O contraste entre o pensamento moderno e o pensamento medieval revela uma transformação profunda na concepção da existência humana e de sua finalidade. Para o homem moderno, a busca pela identidade pessoal e pelo sentido da vida, de maneira geral, está muitas vezes desvinculada de uma visão teocêntrica. As questões existenciais frequentemente giram em torno da autonomia do indivíduo, da liberdade e da responsabilidade ética em um mundo onde Deus, se não foi completamente abandonado, certamente já não ocupa a posição central como a explicação última de todas as coisas.

 Em Kant, por exemplo, encontramos a noção de que o homem é o legislador moral de si mesmo, e em Nietzsche, a famosa proclamação de que “Deus está morto”, enfatizando a ruptura da metafísica tradicional que fundamentava o pensamento de Dante Alighieri. 

Dante, por outro lado, ao escrever a Comédia - posteriormente chamada Divina Comédia a partir de seu primeiro exegeta, Giovanni Boccaccio – encontra na teologia o fio condutor da existência humana. Sua obra é, em última instância, uma jornada espiritual que coloca a redenção e a proximidade com Deus como o destino supremo do homem. 

O caminho traçado por Dante através do Inferno, Purgatório e Paraíso é, portanto, uma alegoria da purificação da alma. O sofrimento no inferno é o resultado de uma vida afastada de Deus, o Purgatório é o espaço de transição onde o pecado é queimado para que a alma possa finalmente alcançar a pureza necessária para entrar no Paraíso.

 O conceito dantesco de vida humana é, portanto, um movimento de ascensão, uma busca constante pelo retorno ao Criador. Se para nós, o problema da identidade é muitas vezes resolvido por meio de reflexões sobre a subjetividade, para Dante, a identidade do homem está inseparavelmente ligada a Deus. O homem é criatura e, como tal, não pode encontrar em si mesmo as respostas definitivas sobre seu propósito. 

Em Dante, a verdadeira liberdade não é a capacidade de autodeterminação no sentido moderno, mas sim a libertação do pecado e a subsequente reconciliação com a vontade divina. Aqui, o conceito de liberdade se afasta da noção moderna de escolha ilimitada e aproxima-se mais de uma “liberdade para o bem”, uma liberdade que consiste em submeter a própria vontade ao bem absoluto que é Deus. O que Dante nos propõe, portanto, é um modelo de vida que, à luz da modernidade, pode parecer severamente limitador, mas que, para ele, era o único caminho verdadeiro para a felicidade e a realização humanas.

 No cerne de sua visão está a ideia de que o intelecto humano, quando adequadamente orientado, deve necessariamente conduzir à percepção do divino. Essa percepção é, ao mesmo tempo, o objetivo final da existência e a chave para resolver os dilemas éticos e existenciais que surgem na vida terrena. A Divina Comédia é, nesse sentido, uma crítica contundente à visão mundana que se afasta de Deus.

 Dante não nega a importância da razão, mas a subordina a uma ordem maior: a razão deve conduzir à fé, e não se limitar a compreensão dos fenômenos terrestres. Enquanto os modernos se dedicam à análise e à explicação do mundo, buscando respostas dentro dos próprios limites da razão, Dante nos lembra que a razão, sozinha, é insuficiente para abarcar o mistério da vida. A verdade última, para ele, não está no mundo, mas além dele, e somente pela graça divina pode ser plenamente alcançada. Em termos filosóficos, a obra de Dante pode ser lida como uma síntese entre o pensamento aristotélico e o cristianismo. Aristóteles (“maestro di color che sanno”), com sua concepção de que todo ser tem uma finalidade ou causa final (telos), encontra em Dante uma aplicação teológica. 

A finalidade do homem não é simplesmente alcançar a virtude ética, como pensava o filósofo grego, mas transcender a moralidade terrena em direção à perfeição divina. A virtude, para Dante, é um meio, e não um fim em si mesmo. O fim é a união com Deus, e a ética cristã é o caminho que conduz a esse fim. 

 Por outro lado, para o homem moderno, que se baseia em uma visão mais secularizada, o conceito de telos foi profundamente transformado. A finalidade do ser humano, é muitas vezes, vista como algo que ele mesmo constrói, seja por meio da realização de seus desejos, do cumprimento de sua liberdade ou da busca de sentido pessoal. A moralidade, nesse contexto, pode variar significativamente, pois depende de valores subjetivos ou intersubjetivos que mudam de acordo com a cultura, o tempo e o indivíduo.

 Dante, no entanto, nos oferece uma visão em que a verdade e o bem são absolutos e não estão sujeitos às variações humanas. Isso nos leva a uma reflexão sobre a natureza das nossas próprias vidas. Seria possível, na modernidade, reconciliar essa busca pela verdade e pelo bem absolutos com uma vida que preza pela liberdade individual? 

Ou será que estamos condenados a uma existência fragmentada, onde a ausência de uma verdade última nos conduz a uma multiplicidade de sentidos que, no fim, nos deixam mais perdidos do que antes? A Comédia nos convida a revisitar essas questões, não como uma imposição de respostas definitivas, mas como um lembrete de que a busca pela verdade é essencial para qualquer concepção de vida significativa.

 Se, para Dante, essa verdade era indissoluvelmente ligada a Deus, para nós, homens modernos, talvez seja necessário reconsiderar onde buscamos nossas próprias respostas e o que consideramos como sendo o centro da nossa existência. Afinal, o que nos resta quando o sentido não está mais fixado no divino? 

O livro acadêmico como instrumento de disseminação da ciência, GAMA

 Foi uma imensa honra ter sido convidado pela Câmara Brasileira do Livro (CBL) para a curadoria da primeira edição do Prêmio Jabuti Acadêmico, uma iniciativa que visa reconhecer e valorizar obras acadêmicas, científicas e profissionais. Esta experiência não apenas me proporcionou a oportunidade de contribuir para o reconhecimento da produção intelectual brasileira, mas também me fez refletir profundamente sobre o papel fundamental do livro na disseminação do conhecimento científico.

Em tempos em que a comunicação rápida, representada principalmente por artigos científicos e mídias digitais, domina o cenário acadêmico, o livro permanece como um instrumento inigualável para o aprofundamento e expansão do conhecimento. Enquanto artigos científicos em geral se concentram em resultados específicos e pontuais, o livro oferece um espaço para discussões mais amplas e complexas, permitindo que os autores explorem diversos temas com a profundidade que merecem.

De fato, o livro acadêmico desempenha um papel crucial na construção e preservação do conhecimento. Ele permite aos pesquisadores apresentarem suas ideias de forma mais abrangente, contextualizando-as dentro de um panorama mais amplo de sua área de estudo. Além disso, essas obras frequentemente servem como referências duradouras, influenciando gerações de estudantes e pesquisadores, algo que dificilmente é alcançado por outros formatos.

O livro acadêmico tem a capacidade de fazer a ponte entre a academia e a sociedade

Outro aspecto importante do livro acadêmico é sua capacidade de fazer a ponte entre a academia e a sociedade em geral. Obras de divulgação científica, por exemplo, têm o poder de traduzir conceitos complexos para uma linguagem acessível, fato fundamental para a democratização do conhecimento e para o combate à desinformação, aspectos cada vez mais críticos em um mundo inundado por informações superficiais e, muitas vezes, equivocadas.

A criação do Prêmio Jabuti Acadêmico veio justamente reconhecer e valorizar essa forma de produção intelectual. Com quase duas mil obras inscritas (todas publicadas em 2023 como primeira edição), o prêmio revelou uma produção vasta e diversificada, antes pouco visível no cenário literário nacional. Este número expressivo não apenas demonstra a vitalidade da produção acadêmica brasileira, mas também ressalta a importância do livro como veículo de transmissão do conhecimento científico.

O Prêmio Jabuti Acadêmico, ao dar visibilidade a essas obras, não apenas reconhece a excelência na produção intelectual, mas também incentiva a continuidade e o aprimoramento dessa produção. Em um momento em que a ciência e a educação enfrentam diversos ataques, iniciativas como esta são fundamentais para reafirmar o valor do conhecimento e da pesquisa científica como pilares para o desenvolvimento sustentável e para a construção de uma sociedade mais justa e informada.

A diversidade de categorias do prêmio — 29 no total — reflete a riqueza e a complexidade do conhecimento humano. Das ciências exatas às humanidades, da tecnologia às artes, cada área contribui de maneira única para o avanço do saber. Ao reconhecer essa diversidade, o prêmio celebra não apenas a excelência individual, mas também a interdisciplinaridade e o diálogo entre diferentes campos do conhecimento. O sucesso da primeira edição do prêmio, que além do apoio irrestrito da Câmara Brasileira do Livro contou com a participação de uma comissão curadora e um total de 87 jurados de diversas áreas do conhecimento.

Olhando para o futuro, vejo o Prêmio Jabuti Acadêmico como um catalisador para o fortalecimento da produção intelectual no Brasil. Mais do que uma premiação, ele representa um compromisso com a valorização do conhecimento, da ciência e da educação. É um convite para que mais pesquisadores, professores e profissionais compartilhem suas ideias e descobertas por meio dos livros, enriquecendo o debate acadêmico e contribuindo para o progresso da sociedade.

Em um mundo cada vez mais complexo e interconectado, o livro acadêmico permanece como um farol de conhecimento, iluminando caminhos e inspirando novas gerações de pensadores e inovadores. Que o Prêmio Jabuti Acadêmico continue a celebrar e a promover essa fonte inesgotável de saber, reafirmando o papel vital do livro na construção de um futuro mais informado, crítico e humanizado.

MARCELO KNOBEL Marcelo Knobel é físico e professor do Instituto de Física Gleb Wataghin, da Unicamp. Escreve sobre ciência, tecnologia, inovação e educação superior, e como impactam nosso cotidiano atual e o futuro


Viver -(queimadas, multas) MEIO

 O governo federal adiou para hoje o anúncio de medidas contra as queimadas que assolam o país. O presidente Lula terá uma reunião à tarde com chefes dos demais Poderes para articular medidas de combate à crise climática, incluindo medidas provisórias. Ontem pela manhã, Lula se reuniu com os ministros Marina Silva (Meio Ambiente), Ricardo Lewandowski (Justiça e Segurança Pública) e Jorge Messias (Advocacia-Geral da União). Inicialmente, o Palácio do Planalto planejava fechar um pacote de medidas e anunciá-lo ontem mesmo. A crise climática e o aumento dos incêndios vêm dando munição à oposição, especialmente à ala ligada ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), duramente criticado em 2020 pelas queimadas no Pantanal. (Folha)

E com uma política de tolerância zero, a Advocacia-Geral da União acionou ontem a Justiça Federal do Pará para cobrar R$ 635 milhões de cinco fazendeiros como compensação financeira por danos climáticos causados pela destruição do Parque Nacional de Jamanxim em 2023. Essa é a primeira ação apresentada em nome do Instituto Chico Mendes (ICMBio) e o maior valor já pedido pela AGU em uma ação climática. Normalmente, as ações ambientais requerem recuperação da área desmatada e pagamento de danos morais coletivos. Agora, a AGU está identificando individualmente cada infração que resultou em emissões dos gases poluentes que, consequentemente, contribuíram para agravar a emergência climática. Entre junho e agosto deste ano, as queimadas na Amazônia já geraram 31 milhões de toneladas de gás carbônico (CO2) na atmosfera, o equivale a um mês de emissões do Reino Unido. (g1)

O incêndio que atingiu o Parque Nacional de Brasília no domingo se alastrou ontem, cruzando o rio Bananal e se dividindo em quatro frentes diferentes, segundo o ICMBio. O fogo que destruiu 700 hectares pela manhã chegou a 3.000 hectares do parque à tarde. Devido à fumaça, a Universidade de Brasília anunciou a suspensão das atividades. (Folha)