No Brasil e em vários países do mundo, existe um lento, mas progressivo, despertar de um descontentamento com a rígida estrutura social e política. Desigualdades e processos excludentes, há muito tempo adormecidos, estão vindo à tona. Diversos estudiosos têm contribuído para endossar tais debates e ajudar a fornecer reflexões sobre as escolhas sociais. Marcelo Medeiros é um desses nomes.
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O sociológico e economista, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e professor visitante na Universidade Columbia, é autor de uma série de estudos que buscam compreender as complexidades dos conflitos distributivos gerados pelas desigualdades e seus mecanismos de reprodução.
Medeiros faz parte de uma geração de pesquisadores que não está preocupada somente com a base da pirâmide social, mas também procura questionar e entender em maior profundidade o topo da distribuição de renda. Ele é o tipo pesquisador que não costuma se intimidar. Tende a ir direto ao ponto no que diz respeito às intervenções que julga relevantes para endereçar as desigualdades da sociedade.
Em seu recente livro intitulado "Os Ricos e os Pobres: o Brasil e a desigualdade", Medeiros exemplifica, de várias formas, como a pobreza é prejudicial para o desenvolvimento individual e coletivo, enquanto, ao mesmo tempo, esboça a situação da alta concentração de renda entre os ricos.
Na obra, ele destaca que a grande massa de brasileiros se parece mais com os pobres do que com os ricos. Existe muita heterogeneidade entre aqueles que são considerados ricos no país. Eles se apropriam de uma parcela da renda maior do que aquela apropriada por toda a metade mais pobre da população junta. Sem eles, teríamos uma sociedade pobre, mas com pouca desigualdade.
Curiosamente, para cada duas pessoas com o título de doutorado no país, há uma pessoa em situação de rua. Para cada doutor, há quase quatro presos. A nossa estrutura socioeconômica faz com que as desigualdades se tornem quase predeterminadas em suas persistências. Grande parte da população enfrenta dilemas diários para conseguir ter acesso a requisitos básicos de sobrevivência.
Mudar isso, segundo o autor, "vai dar trabalho, vai custar caro, vai levar tempo e vai consumir muito capital político, porque exige enfrentar diretamente os conflitos distributivos que existem na sociedade".
Caso optemos por transformar a atual situação no país de forma estrutural, haverá uma natural contrarreação daqueles que perdem com as mudanças. Sociedades não costumam responder prontamente a argumentos racionais ou a qualquer avanço na conscientização de noções básicas de justiça.
Apesar disso, é difícil imaginar que o atual contrato social seja mantido com o lento, mas progressivo, despertar daqueles que estavam adormecidos aos conflitos distributivos inerentes à nossa realidade.
O texto é uma homenagem à música "Menino das Laranjas", composta por Theo de Barros, interpretada por Mariana Aydar.