sábado, 26 de julho de 2014

ENERGIA A QUE PREÇO? Frei Betto




         O Plano Decenal de Energia prevê, como prioridade, até 2022, a construção de hidrelétricas. Hoje, o Brasil dispõe de 125 mil MW (megawatts). O Plano estabelece a incorporação de mais 60 mil MW, sendo 35 mil oriundas de 35 hidrelétricas de grande porte a serem construídas, e dezenas de PCHs (Pequenas Centrais Hidrelétricas).
          Tais empreendimentos atingirão, segundo o Governo Federal, 62 mil pessoas. Tudo indica tratar-se de um número subestimado. Duas hidrelétricas, a de Marabá e a de Belo Monte, causarão transtornos para uma população numericamente maior. Hoje, em todo o Brasil, os atingidos por construções de barragens são calculados pelo MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens) em 1 milhão de pessoas. E mais 250 mil serão afetadas pelas obras previstas no Plano Decenal, que prevê investimento de R$ 100 bilhões e o alagamento de 650 mil hectares. Cerca de 80% do potencial hídrico planejado será em rios da Amazônia: Tocantins, Xingu, Tapajós e Madeira.
             O BNDES é a principal fonte de financiamento das usinas hidrelétricas. De 2002 a 2012,  financiou cerca de 650 projetos, canalizando para as empresas algo em torno de R$ 200 bilhões. Para os atingidos por barragens - famílias expulsas de suas terras e domicílios para dar lugar às represas - restaram apenas migalhas assistencialistas.
          O Relatório Nacional de Direitos Humanos, publicado em 2010, registra que, no Brasil, vigora um padrão de violação dos direitos dos atingidos por barragens: 16 direitos são sistematicamente desrespeitados quando se trata desse segmento da população.
        Em julho de 2009, esta dívida social foi publicamente reconhecida pelo presidente Lula. Ainda assim, pouco se avançou. O MAB propôs ao governo criar um fundo para pagar aos atingidos o que é devido. Nada se fez até agora. No entanto, no último 13 de março o governo federal liberou R$ 13 bilhões para empresas estatais administradas pelo PSDB (Cesp, Copel, Cemig e Light) e empresas privadas (Duke, Suez Tractebel, AES, etc.) que vendem energia a R$ 822,83 o MW hora, enquanto as estatais federais vendem a R$ 33,00/MWh.
          Dinheiro para as empresas não falta. Falta para promover justiça social e ressarcir as famílias expulsas de suas terras em nome do progresso.
        O povo brasileiro vai pagar a conta dessa submissão do Governo Federal às empresas que mantêm energia a preço especulativo. Cerca de R$ 13 bilhões sairão do Tesouro Nacional, e tudo indica que outros R$ 8 bilhões serão repassados nas contas de luz da população, em futuros aumentos, após as eleições de outubro. Até lá, as empresas farão empréstimos a juros altíssimos junto ao capital financeiro internacional.
       O MAB tem denunciado que, no interior do setor elétrico nacional, um conjunto de empresas privadas e outras sob governos tucanos promovem um golpe nas contas de luz, e que os futuros aumentos poderão ficar entre 18 e 31%. Esses aumentos seriam autorizados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) às vésperas das eleições presidenciais - das 64 distribuidoras, 50 teriam o aumento autorizado entre abril e outubro.
         Desde 2012, quando o Planalto anunciou redução nas tarifas, essas empresas não aceitaram a intervenção do governo para controlar os preços da energia elétrica e passaram a chantagear o governo e a população com as chamadas “crises” no setor elétrico, com ameaças de apagões etc.
        Na renovação das concessões, no final de 2012, os cerca de 7.700 MW médios das hidrelétricas da estatal Eletrobrás, controladas pelo governo federal, passaram a vender sua energia a R$ 33,00/1.000 kW. Isso permitiu a redução da conta de luz da população.
        No entanto, as empresas Cesp, Cemig e Copel, que possuíam cerca de 5.500 MW médios, recusaram a renovação das concessões. Não aceitaram reduzir o preço. Além disso, a Light (de propriedade da Cemig) e a Duke, que possuem outros 800 MW médios, também ficaram livres para vender sua energia a R$ 822, já que seus contratos de venda se encerraram entre 2012 e 2013.
         É a energia dessas empresas que falta para as distribuidoras e, ao mesmo tempo, está disponível para as geradoras especular e cobrar R$ 822. É energia de hidrelétricas construídas há mais de 30 anos, todas já amortizadas, que poderia ser comercializada a R$ 33. Para justificar e esconder o golpe, alega-se, através de grandes meios de comunicação, que o custo é alto por culpa da falta de chuva e do acionamento de térmicas... Trata-se de uma grande mentira!
       Como pode a hidrelétrica Luiz Carlos Barreto, de Furnas, localizada no Rio Grande, divisa entre MG e SP, vender energia a R$ 33,00/MWh e, 30 km abaixo, uma hidrelétrica (Jaguara) da Cemig cobrar R$ 822,83/MWh por uma energia gerada pela mesma água? Que aumento de custo tão grande teria ali? Térmica elas não são! E se fosse falta de chuva afetaria as duas usinas de forma igual. Não é melhor qualificar de golpe especulativo?           O governo, infelizmente, cede à chantagem dos especuladores. As empresas privadas e as administradas por governos tucanos, além de colocar R$ 21 bi no bolso, estão esvaziando os lagos para forçar aumentos nas contas de luz e, de quebra, gerar um grande desgaste político eleitoral ao Executivo Federal.
         O que realmente está em jogo é o esforço para manter a alta taxa de exploração sobre os trabalhadores e sobre a população, através da manutenção das tarifas de energia elétrica em patamares internacionais. E, com isso, garantir aos acionistas e especuladores taxas de lucro extraordinárias.
          É óbvia a origem desse golpe que se gestou no interior do setor elétrico nacional: a privatização do modelo energético nacional, hoje, controlado por empresas privadas.
Frei Betto é escritor, autor de “Calendário do Poder” (Rocco), entre outros livros.


Desculpe, David Luiz - CRISTOVAM BUARQUE


O GLOBO - 26/07


Nós, políticos, não estamos ganhando a Copa do Bem-Estar


Os EUA tiveram uma guerra civil que custou cerca de 600 mil vidas. A Alemanha foi derrotada duas vezes no período de 27 anos e a França foi ocupada pelos alemães. Outros países tiveram grandes traumas por terremotos e maremotos. Nossos traumas foram derrotas no futebol: para o Uruguai, em 16 de julho de 1950, e Alemanha, em 8 de julho de 2014. Sofremos por causa dos 7 a 1 no futebol, mas esquecemos dos 103 a zero para a Alemanha em Prêmios Nobel.

A realidade social não nos traumatiza porque nossos grandes problemas foram banalizados.

Consideramos tragédia ter o quarto melhor time de futebol do mundo, mas não nos traumatiza quando, no dia 1º de março de 2011, a Unesco divulgou que estamos em 88º lugar em educação; nem quando, em 15 de março de 2013, o PNUD divulgou que estamos em 85º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano; ou quando o Banco Mundial nos coloca como o oitavo pior país em concentração de renda; ou ainda quando soubemos que somos o 54º país em competitividade no mercado mundial; ou quando o IBGE divulgou, em 27 de setembro de 2013, o aumento no número de adultos analfabetos de 2011 a 2012.

Nenhum trauma aconteceu quando a Transparência Internacional nos reprova em corrupção; ou quando vemos que, no ano passado, 54 mil brasileiros foram assassinados no país e outros 50 mil mortos no trânsito. Não nos traumatiza o fato de que 50 milhões de brasileiros — desalojados históricos pelo modelo econômico — passariam fome se não fossem as pequenas transferências de renda, como se eles fossem abrigados depois de uma inundação. Não nos choca a destruição de 9% a mais de florestas em 2013 do que em 2012.

Sofremos com as derrotas no futebol porque elas não foram banalizadas, são exceções na nossa trajetória de vitórias. Não nos traumatizam os desastres sociais porque nos acostumamos a eles e nos acomodamos. Por isso, não exigimos de nossos líderes políticos o mesmo que exigimos dos jogadores e técnicos.

Ao ouvir David Luiz pedir desculpas porque não foi “capaz de fazer seu povo feliz, pelo menos no futebol”, pensei que deveria pedir desculpas a ele, porque sou parte da seleção brasileira de líderes políticos e não consigo fazer o necessário para facilitar a vida de cada brasileiro em busca de sua felicidade.

O político não proporciona felicidade, como um artilheiro que faz gols, mas deve eliminar os entulhos sociais, tais como transporte público ineficiente, fila nos hospitais, escolas sem qualidade e violência descontrolada, que dificultam o caminho de cada pessoa em busca de sua felicidade pessoal. Esses entulhos sociais que povoam o Brasil provam que nós, os políticos brasileiros, não estamos ganhando a Copa do Bem-Estar, base necessária, embora não suficiente, para a felicidade de cada pessoa.

Por isso, eu e todos os políticos com mandatos, não David Luiz, devemos pedir desculpas por não eliminarmos os entulhos que dificultam a busca da felicidade pelos brasileiros.

Primeiro bairro sustentável do Rio Grande do Sul priorizará pedestres e ciclistas, in EcoD

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A proposta foi projetada pelo arquiteto Jaime Lerner, referência no planejamento urbano com a experiência de Curitiba
Fotos: Quartier/Divulgação
Um bairro para uma comunidade de 10 mil habitantes, onde tudo possa ser feito a pé ou bicicleta, deverá começar a ser construído em Pelotas, no Rio Grande do Sul, ainda em 2014. O conceito do projeto, que prevê também prédios ambientalmente corretos com consumo reduzido de água e luz, busca garantir tudo o que uma pessoa necessita em um raio de 400 metros.
"É possível criar ilhas de sustentabilidade dentro das cidades. As pessoas podem morar, trabalhar e viver em um só lugar. Em um raio de 400 metros, elas podem ir ao trabalho, ao supermercado, ao cabeleireiro, à padaria, à lavanderia... a tudo!", afirmou ao jornal Zero Hora o diretor de um dos escritórios de engenharia responsáveis pelo projeto, Claudio Teitelbaum.
A proposta foi projetada pelo arquiteto Jaime Lerner, referência no planejamento urbano com a experiência de Curitiba, cidade que governou ao longo de três mandatos.
Por isso, o bairro, batizado de Quartier, não será só residencial. As 3 mil unidades habitacionais deverão ter, no térreo, lojas comerciais. Estão previstos, inclusive, um shopping de rua, um hotel de luxo e um palco coberto de grama para espetáculos ao ar livre. E o que tem de verde em tudo isso?
Primeiro, o próprio projeto. O bairro será o primeiro do Rio Grande do Sul a ser certificado pela organização US Green Building Council (GBC) por meio do selo "Leed for Neighborhood Development (Leed), que comprova que o bairro é sustentável.
O título só é concedido se o empreendimento cumpre uma série de determinações: ter boa localização, priorizar transportes alternativos, preservar a natureza, ter construções com consumo reduzido de água e energia, ser um misto de residências, comércio e serviços em que tudo possa ser feito a pé, e fomento ao progresso local.
O investimento inicial é de R$ 40 milhões (mas deve chegar a R$ 2 bilhões ao longo de oito anos). Já o preço de cada apartamento ou área comercial ainda não foi definido. O bairro Quartier deverá começar a receber terraplanagem e instalações elétricas até o fim deste ano e ficar inteiramente pronto dentro de dez anos.
Pelotas foi escolhida para sediar o que o escritório de engenharia classifica como "primeiro projeto de muitos" por causa da expansão do polo naval de Rio Grande (cidade ao sul do estado), entre outros fatores. O empreendimento ficará dentro do bairro Três Vendas.
Cada construção tem especificidades para atender ao propósito de ser sustentável. Confira algumas diretrizes:
Energia
O projeto prevê a instalação de placas solares no teto dos prédios ou uma estação de produção de energia eólica. As lâmpadas deverão ser todas de LED, mais econômicas que as comuns. Com isso, a conta de luz pode sair até 40% mais barata para os moradores.
Água
Cada prédio terá um reservatório para a água da chuva. O acumulado poderá ser usado para tudo, menos nos usos que necessitem de água potável, como beber e cozinhar. Além disso, haverá opção de consumo reduzido em torneiras, mictórios e sanitários — cada um terá duas opções de descarga, com dois botões: um para três litros e outro para seis litros. As medidas podem gerar redução de 30% na conta de água de cada morador.
Temperatura
Uma malha de garrafas pet, instalada entre a parede interna dos apartamentos e a fachada do prédio, manterá a temperatura quente no inverno e fria no verão. O controle também é mantido com telhados e paredes verdes, de grama. Economia de 25% a 30% no uso do ar condicionado.
Construção civil
Toda madeira usada nos prédios deverá ser certificada, evitando a compra de material retirado de forma ilegal do meio ambiente, e com garantia de reflorestamento. Na compra dos materiais, será levado em conta o critério de regionalidade: quanto mais perto for adquirido, menor será a emissão de gases por conta do transporte. Além disso, os compostos utilizados na obra deverão ter conteúdos recicláveis nas suas fórmulas.
Conheça como devem ser as áreas comuns
Além das normas que cada prédio deve seguir, também existem padrões nas áreas comuns, que o empreendimento vai oferecer. Conheça as estruturas comunitárias:
Descarte de lixo
O lixo deverá ser separado em orgânico, metal, papel, plástico e eletrônico. Os resíduos das coletoras localizadas nas vias públicas do bairro serão levados a uma central de reciclagem própria.
Esgoto
Estação de tratamento de esgoto deverá abastecer todo o bairro com fornecimento de água de reuso — de chuva.
Área verde
Dos 30 hectares do bairro, dez serão de mata, que se transformará em parque com deques, trilhas, ciclovias, academia ao ar livre, quadras poliesportivas e playgrounds. As plantas escolhidas serão uma mistura das nativas com espécies que precisam de pouca água. O sistema de irrigação terá sensores, instalados no chão, que ligarão torneiras para distribuir somente o necessário para desenvolvimento das espécies.
Transporte
As vias serão projetadas para dar prioridade a pedestres e ciclistas. Os postes de luz nas ciclofaixas serão mais baixos que os usados nas vias dos carros, cuja velocidade máxima será de 30 km/h.
Clima
Para ajudar a manter o "microclima mais agradável para a região", como explica o engenheiro civil e diretor técnico da Sustentech Marcos Casado, serão criadas lagoas no bairro. Outra medida para evitar a absorção do calor será a cor do chão, todo claro.
Ruas
As vias internas serão de concreto, em vez de asfalto, porque o material é permeável, favorece a infiltração da água no solo, leva menos água da chuva para a rede municipal de esgoto e, assim, evita alagamentos. Além de o concreto ser de cor clara, o que reduz a sensação de calor, e ter durabilidade maior do que a do asfalto.

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