domingo, 23 de fevereiro de 2014

Reduto de paulistanos, represa fica sem água


Casas de veraneios às margens de reservatório em Joanópolis são postas à venda e setor turístico é afetado com pousadas vazias na alta temporada

23 de fevereiro de 2014 | 2h 06

JOANÓPOLIS - O Estado de S.Paulo
Em Joanópolis, a 120 km de São Paulo, condomínios com casas de veraneio e pousadas que funcionam como marinas para muitos paulistanos permaneceram vazios nos fins de semana nos últimos dois meses. Nesta mesma época do ano passado, havia filas de barcos para entrar na represa, cuja profundidade atingia dez metros, segundo relatos de quem vivia do turismo no município paulista.
Hoje a mesma represa virou uma imensa cratera de terra seca, com espinhas de peixes à mostra. No alto dos morros onde a água chegava é possível ver atracadouros de madeira antes usados por proprietários de lanchas e de jet skis. A Represa de Joanópolis movimentava o turismo na região de Atibaia e sempre atraiu paulistanos apaixonados por esportes náuticos desde os anos 1970.
Administrador do Condomínio Represa da Serra, onde turistas endinheirados mantêm mansões com barcos na garagem, Geraldo Cavalcanti diz que até os proprietários mais assíduos pararam de frequentar o lugar. "A represa tinha 10 metros de profundidade. Isso aqui lotava, eu ajudava a colocar mais de 30 barcos na represa por fim de semana. Jamais achei que isso aqui iria acabar. Virou um deserto", diz.
O canal por onde as lanchas entravam secou por completo. O pouco de água que sobrou na parte mais funda está sumindo com o assoreamento das margens - a terra seca desmorona dos barrancos e contribui para a morte lenta do que era uma imensa lagoa de águas claras.
À venda. No condomínio Entre Serras e Águas, a Represa de Joanópolis também secou. Muitos proprietários que mantêm barcos nas casas do local colocaram seus imóveis à venda. "Nunca tinha visto a represa descer a esse ponto, de virar um terrão. O pessoal de São Paulo sumiu", conta a administradora Silvia Rosa e Silva. "Não dá mais para entrar com barco na represa. Não tem nem como chegar com o barco na parte onde ainda tem água", diz ela.
Até setembro do ano passado, segundo os administradores, ainda era possível nadar e andar de barco na represa. Mas o reservatório formado com águas do Rio Jaguari não resistiu à falta de chuvas nos meses de dezembro e janeiro.
"A água foi baixando, mas achei que em janeiro viriam as chuvas e tudo voltaria ao normal. Jamais na minha vida achei que fosse ver isso aqui virar mato", afirma o mecânico de barcos Ronaldo Ferreira, de 60 anos, que está pensando em mudar de ramo após quatro décadas de trabalho.
"Minha família está passando necessidade, não tenho trabalho desde o ano passado. Em janeiro eu sempre garantia o dinheiro até o meio do ano. Agora já estou pensando em ficar sócio de um restaurante na (Rodovia) Fernão Dias", diz o mecânico de barcos de Joanópolis. / DIEGO ZANCHETTA, ENVIADO ESPECIAL

Doação de empresas garante 2/3 das receitas dos maiores partidos do País


PT, PMDB e PSDB receberam pelo menos R$ 1 bilhão de pessoas jurídicas entre 2009 e 2012

23 de fevereiro de 2014 | 2h 06

Daniel Bramatti - O Estado de S.Paulo
A eventual proibição do financiamento empresarial ao mundo político, cuja votação deve ser concluída ainda neste ano pelo Supremo Tribunal Federal, afetará não apenas as campanhas eleitorais, mas a própria manutenção das máquinas partidárias. PT, PMDB e PSDB, as três maiores legendas do País, receberam pelo menos R$ 1 bilhão de empresas entre os anos de 2009 e 2012, o que equivale a quase 2/3 de suas receitas, em média.
Quatro dos 11 ministros do STF já votaram pela proibição de doações de empresas a candidatos e partidos, no ano passado - o julgamento foi suspenso por um pedido de vista. Com mais dois votos na mesma linha, o Judiciário, na prática, forçará a realização de uma reforma política que provavelmente multiplicará a destinação de recursos públicos às legendas, para compensar a perda de seus principais financiadores.
O principal afetado pela eventual proibição será seu maior defensor: o PT é quem mais recebe recursos privados e deveu a essa fonte 71% de suas receitas nos quatro anos analisados pelo Estadão Dados. As doações de pessoas físicas equivalem a apenas 1% do total. O restante vem do Fundo Partidário, formado por recursos públicos, e de contribuições de filiados - principalmente de detentores de mandatos e cargos de confiança.
O levantamento sobre as doações empresariais considera apenas o que entrou nas contas dos diretórios nacionais dos partidos. Como a maioria das movimentações dos diretórios estaduais não está publicada na internet, não foi possível mapeá-las. Também não foram levadas em conta as contribuições eleitorais feitas diretamente para candidatos ou comitês, sem passar pelos partidos. Ou seja, na prática, o peso do financiamento empresarial na política é ainda maior.
Nas listas de doadores há prevalência de construturas e bancos, mas não foi possível contabilizar as movimentações de cada setor ou empresa. Isso porque os partidos e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não publicam suas prestações de conta em planilhas eletrônicas, mas no formato PDF - o equivalente a uma fotocópia digitalizada, cujos dados não podem ser trabalhados.
O volume de dinheiro de empresas em circulação na política alcança picos quando há eleições. Considerados também os recursos que vão para candidatos e comitês, as doações empresariais chegaram a R$ 2,3 bilhões em 2010 e R$ 1,8 bilhão em 2012, segundo estudo da Transparência Brasil, entidade cuja principal bandeira é o combate à corrupção.
Mas não é apenas nos anos eleitorais que os tesoureiros das legendas "passam o chapéu" diante de empresários. Em 2009 e 2011, o PSDB recebeu R$ 3,1 milhões e R$ 2,3 milhões, respectivamente, em valores atualizados pela inflação. Com o PT, a generosidade foi ainda maior: R$ 10,8 milhões e R$ 50 milhões, nos mesmos anos. A prestação de contas de 2013 ainda não foi entregue ao tribunal.
Receita. Depois das empresas, o Fundo Partidário é hoje a segunda maior fonte de receita das legendas. Sua importância cresceu nos últimos anos, já que o Fundo foi "turbinado" pelo Congresso em 2011, com uma injeção extra de R$ 100 milhões que ajudou a pagar as dívidas de campanha do ano anterior.
O Fundo foi regulamentado em 1995 e previa que seu valor fosse de R$ 0,35 por eleitor. Atualizado pela inflação, isso equivaleria hoje a um total de R$ 165 milhões. Mas, graças a manobras de líderes partidários no Congresso, a destinação de recursos orçamentários para o financiamento dos partidos alcança, desde 2011, cerca de R$ 300 milhões por ano. Apesar de o volume de recursos públicos ser alto, representa, em média, apenas 30% do que entra nos cofres do PT, do PMDB e do PSDB.
Entre as fontes menos representativas estão as doações de pessoas físicas. Elas equivalem a menos de 2% do total arrecadado pelos três maiores partidos - mesmo com o volume atípico de R$ 15 milhões obtido pelos tucanos em 2010, mais do que a soma recebida por PT e PMDB em quatro anos. / COLABOROU DIEGO RABATONE

Doações de empresas devem ser proibidas?

23 de fevereiro de 2014 | 2h 06
Marcus Vinicius Furtado Coêlho e Claudio Weber Abramo - O Estado de S.Paulo
DEBATE
SIM
Por Marcus Vinicius Furtado*
O investimento empresarial em campanhas é inconstitucional, como é a participação censitária de pessoas físicas e jurídicas no processo político eleitoral. Empresas não se enquadram no conceito de povo.
No manifesto "Um homem, um voto", Nelson Mandela dizia que negros e brancos, homens e mulheres, trabalhadores e empresários, devem ter igual participação na definição dos destinos do país.
A legislação, que regula o financiamento de campanhas e institui uma injustificada discriminação, acertadamente proíbe a contribuição de sindicatos e de organizações de classe e religiosas. Assim, não podem as empresas participar da vida política nacional.
A Constituição aduz que a legislação deve proteger a legitimidade das eleições, contendo o abuso do poder econômico.
A diminuição do "caixa 2" advirá da visualização dos gastos de campanha. Com o alto volume investido por empresas, ele passa a não ser perceptível. A ausência deste investimento protegerá a legitimidade das eleições, tornando evidente o abuso econômico.
O partido é a pessoa jurídica de direito privado escolhida pela Constituição para intermediar a vontade do cidadão com o exercício do poder - e empresas não podem participar de partidos.
A participação censitária no processo eleitoral fere a igualdade política entre os cidadãos e entre candidatos e partidos.
A ação proposta pela OAB não objetiva diminuir a atividade pública nem generalizar ou criminalizar a política. Seu norte é valorizá-las, dizer que são essenciais a todos os cidadãos, independentemente de sua renda.
Temos profundo apreço pela importância das empresas para o desenvolvimento nacional. Elas não são inimigas do Estado, tanto que defendemos a segurança jurídica e marcos regulatórios claros. Contudo, entendemos que o empresário, e não a empresa, deve participar do processo eleitoral.
*Marcus Vinicius Furtado é presidente nacional da OAB.
***
NÃO
Por Claudio Weber Abramo*
É de se prever que a (provável) declaração de inconstitucionalidade das doações eleitorais de empresas pelo STF seja seguida da discussão do assunto no Congresso, o foro de fato adequado para isso. Os parlamentares terão de decidir quanto ao estatuto de doações privadas em geral.
É óbvio que proibir apenas doações de empresas não alteraria a vasta disparidade que se verifica nas doações de pessoas físicas: apenas 0,3% destas correspondem a montantes inferiores a R$ 100. A vasta maioria (92%) é de montantes superiores a R$ 1 mil. Ou seja, não é o "eleitor comum" quem doa dinheiro em eleições.
O problema político de uma proibição guarda-chuva é que, na prática, acarretaria a adoção de algum mecanismo de distribuição de dinheiro público a partidos - o que, na configuração mais mencionada, levaria ao voto em lista. Isso traria uma alteração de tal modo radical na estrutura político-eleitoral que torna improvável a sua adoção.
O que os parlamentares poderiam fazer é impor disciplina às doações privadas.
O estudo estatístico das contribuições eleitorais mostra que não há relação entre o PIB dos Estados/ municípios e o dinheiro empenhado em eleições - em muitas localidades há dinheiro em excesso.
A análise mostra, também, que existe enorme desigualdade entre as doações de pessoas jurídicas: em 2010, 30 empresas responderam por 22,5% do total de doações empresariais. Tais empresas têm um poder de influência desmesurado sobre os políticos eleitos.
Limitar as doações privadas (incluindo-se as dos próprios candidatos) a um montante global e a montantes determinados a partir do PIB dos Estados e municípios seria medida salutar para reduzir o poder do dinheiro sobre os eleitos.
Outra medida que se impõe é a divulgação das doações em tempo real, de modo a permitir ao eleitor conhecer, antes de votar, quem financia quem.

Ilegal, mas pague-se


Para jurista, liminar dos supersalários afronta Constituição com a tese de que uma inconstitucionalidade nem sempre é sustentável

23 de fevereiro de 2014 | 2h 14

Dalmo de Abreu Dallari* - O Estado de S.Paulo
Com o objetivo de proteger o interesse público, em termos de moralidade administrativa e bom uso dos recursos à disposição dos governantes e administradores públicos, a Constituição brasileira de 1988 fixou uma regra clara e objetiva estabelecendo uma limitação para a remuneração dos servidores públicos. A fixação de norma constitucional em tal sentido resultou do reconhecimento da necessidade de impedir a continuação de uma prática imoral e contrária ao interesse público, que era o pagamento de remuneração exageradamente alta para os "amigos do rei" que fossem designados para algum posto no setor público. Por esse meio eram favorecidos os parentes e amigos dos detentores do poder e de seus aliados, além de integrantes de seu dispositivo político-eleitoral. E o povo era o grande lesado, pois os recursos obtidos pelo poder público, em grande parte provindos do pagamento de tributos, que deveriam ser usados para a realização de serviços e obras de interesse de todo o povo, eram desviados para sustentar a corrupção privilegiada.
Ministro diz que redução dos salários ao teto não observou o 'contraditório administrativo' - Fellipe Sampaio/SCO/STF
Fellipe Sampaio/SCO/STF
Ministro diz que redução dos salários ao teto não observou o 'contraditório administrativo'
Para impedir que isso continuasse acontecendo consagrou-se na Constituição, no artigo 37, inciso XI, uma norma estabelecendo que "a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos (…), dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos ministros do Supremo Tribunal Federal". Aí está, com absoluta clareza, a limitação constitucional para a remuneração dos que, a qualquer título, contratam com o poder público a prestação de serviços. Em decorrência dessa norma expressa, a partir do momento em que passou a vigorar a Constituição de 1988 todos os agentes e órgãos públicos incumbidos de efetuar o pagamento aos prestadores de serviços ficaram legalmente impedidos de pagar acima do limite constitucional. É oportuno lembrar que tal limite é atualmente de R$ 29.400,00, valor muito acima da média salarial brasileira e que, obviamente, assegura a quem o recebe a possibilidade de manter um padrão de vida da mais alta qualidade.
Tudo isso deve ser levado em conta neste momento em que o pagamento de remuneração superior ao limite constitucional a servidores do Congresso Nacional foi sustado por decisão do Tribunal de Contas da União, havendo uma contestação judicial dessa decisão, como se ela ofendesse algum direito dos contestantes. Na realidade o pagamento acima daquele limite era absolutamente ilegal, sendo consagrado na teoria jurídica e na jurisprudência de todos os sistemas constitucionais democráticos que a constatação de uma prática ofensiva de preceito constitucional impõe sua imediata suspensão. É absurdo dizer que alguém tem o direito de continuar a ser beneficiado por alguma inconstitucionalidade.
Por tudo isso, causou surpresa uma decisão recente do ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, que, numa liminar em processo movido por servidores, determinou que volte a ser feito o pagamento da quantia ilegal, ou seja, que volte a ser praticada a inconstitucionalidade, enquanto os servidores atingidos, que eram beneficiários daquela prática ilegal, não exercerem seu direito de ampla defesa, tentando demonstrar que sua remuneração não ofende a limitação constitucional. Se for mantida essa decisão, antes de aplicar o preceito expresso da Constituição será preciso esperar que cada um dos beneficiados procure sustentar, pelas vias administrativas e judiciárias, seu direito à super-remuneração. E enquanto durarem essas discussões, o que pode levar alguns anos, a Constituição será posta de lado, ostensivamente afrontada pela tese, juridicamente absurda, de que uma inconstitucionalidade não pode ser sustada enquanto os interessados nela não usarem de todos os meios para tentar provar que têm direitos que a Constituição não atinge.
Para se ter ideia do absurdo dessa orientação, basta lembrar um precedente. Pela Súmula 473, decidiu o Supremo Tribunal Federal que "a administração pode anular seus próprios atos quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos". A discussão sobre esse poder da administração foi gerada por contratação de obras sem observância da exigência de licitação. Depois de iniciada a execução das obras ilegalmente contratadas houve recurso administrativo de candidatos à execução das mesmas obras que não tiveram a possibilidade de concorrer para obtenção dos contratos. Se nesse caso fosse adotada a orientação do ministro Marco Aurélio os contratados sem licitação poderiam continuar executando os trabalhos, enquanto pendente um recurso defendendo a legalidade de sua contratação. E, provavelmente, quando ocorresse a decisão final dos recursos as obras já teriam sido realizadas em grande parte. E assim a decisão sumulada seria absolutamente inútil.
Em conclusão, no moderno constitucionalismo a Constituição é norma jurídica superior e vinculante e as disposições constitucionais têm eficácia imediata. Para dar efetividade à fundamental disposição do artigo 102 da Constituição, segundo o qual "compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição", é necessário que a Suprema Corte determine a imediata aplicação do dispositivo expresso e claro da Constituição que fixa os limites da remuneração aos servidores públicos de qualquer categoria e a qualquer título, para resguardo da autoridade do Supremo Tribunal Federal e da normalidade constitucional democrática no Brasil.
*Dalmo de Abreu Dallari é jurista e professor emérito da Faculdade de Direito da USP.