segunda-feira, 10 de março de 2025

Claudia Campolina - 'Energia masculina': cafonice que não sai de moda, FSP

 Claudia Campolina

Atriz, roteirista e criadora de webséries nas redes sociais, como a sátira "Mundo Invertido" (que também será lançada em livro), uma realidade paralela onde mulheres oprimem e objetificam homens

Costela de Adão, objeto sexual, serva, troféu, bibelô, escrava, saco de pancadas, parideira, louca, bruxa e propriedade são sinônimos milenares de mulher.

Tertuliano escreveu que somos a porta do mal; Pitágoras, que um princípio bom criou o homem, e um mau, a mulher; Aristóteles, que somos inferiores e que devemos ser governadas; Santo Agostinho defendia a nossa submissão. Maria é a única salvação. Ave (Eva ao contrário) Maria, modelo de santidade, pureza e obediência. Boas moças devem tentar ser perfeitas como a mãe de Jesus. Ou esposas e mãe exemplares, como até o iluminista Rousseau prescreveu. Fomos e ainda somos desumanizadas: demônias ou santas; putas ou para casar.

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A atriz e roteirista Claudia Campolina - Karime Xavier/Folhapress


Homens têm medo de perder para uma mulher, o "ser inferior". Tanto que classificaram atributos por gênero: amorosidade, sensibilidade e doçura são femininos e restritos ao lar. Fora dele viram defeitos: "mulher é emotiva, frágil, ingênua, histérica". Nos tornamos Evas que destroem o Paraíso dos negócios ou Liliths que destroem a família, montando em homens. Nos condenam (fogueiras, lobotomias, conventos, internatos) sempre que a emancipação feminina ameaça a hegemonia masculina. Suspendem direitos garantidos, vide a recente tentativa de proibir aborto em casos de estupro, risco de vida e anencefalia.

Acusam feministas de perturbarem a ordem, assim como acusaram bruxas, revolucionárias, sufragistas, abolicionistas, defensoras do divórcio e da pílula anticoncepcional. O "homimi" de que queremos aniquilar o modelo masculino que "construiu a civilização", de que "está faltando energia masculina", como disse Mark Zuckerberg, é um pretexto que sempre usaram para se conservarem no poder.

A atualizada "energia masculina" da Meta inaugurou um vale-tudo no Instagram: pode falar que negros e mulheres são inferiores, que gays e trans são doentes mentais. Executivos não ligam para discursos de ódio, contanto que gerem lucro. Elon Musk coloniza países, oferece vagas de trabalho de 80 horas semanais sem remuneração e quer superpovoar o planeta. É função masculina explorar territórios, pessoas e úteros. Com 13 filhos, propôs dar um a Taylor Swift. Assim ela cumpre sua única função como mulher. Será que ele vai investir em focinheiras femininas como as da Idade Moderna?


Donald Trump disse que vai "perfurar, baby", ecoando o hobby de agarrar "minas" pela vagina (lubrificadas de petróleo). É viril penetrar e destruir a natureza. Javier Milei presenteou Musk com uma motosserra para cortar ajudas humanitárias e empregos. O ambicioso soldado Nikolas Ferreira faz imitações baratas das táticas do comandante Musk e quer conquistar o cinturão de líder da extrema direita do capitão "imbroxável". Quem sabe Dana White não promova essa "batalha de gladiadores", com direito a saudação "romana"? Nas redes, a machosfera lucra com misoginia, luta pelos valores tradicionais da opressão e recruta adolescentes que estão sendo influenciados e se tornando reacionários, como apontam pesquisas.

No "Mundo Invertido", sátira onde inverto papéis de gênero, minha personagem diria: "Quem mandou contrariarem as Leis da Deusa, deixando homens liderarem nações, empresas e famílias? Eles são inferiores e comandados por suas pingolas. Devem ser trancados no lar e adestrados a exercer funções de cuidado, sem remuneração, até desenvolverem as emoções e aptidões da "energia feminina". No entanto, o que é cômico e faz pensar na ficção, no mundo real seria uma solução simplória, uma vingança violenta, uma generalização, a demonização e invenção de um inimigo comum, como fazem ditadores.


O antagonismo macho-fêmea é um binarismo baseado em estereótipos. Somos seres complexos, com qualidades e defeitos, independentemente de diferenças biológicas. Ao considerarmos dominação e violência como virtudes masculinas, e não falhas humanas, transformamos empatia e bondade em fraquezas femininas; empoderamos seres frágeis e infelizes que subjugam os outros para se sentirem machos. Homens fantasiados de heróis e mulheres de donzelas não são a salvação para guerras, pobreza e crise climática.

Precisamos ouvir menos oligarcas bilionários e mais bell hooks: "Quando escolhemos amar, começamos a agir contra a dominação e a opressão... Libertando a nós e aos outros".

Opinião | Médicos devem passar por exame semelhante ao da OAB, Estadão

 A má qualidade dos cursos de Medicina no País impacta o sistema de Saúde e o atendimento adequado aos pacientes. A Saúde brasileira enfrenta um grande desafio: a má formação médica. Uma das principais causas é a educação oferecida atualmente pelas escolas de Medicina, que por vezes parecem prezar mais pela quantidade de matriculados do que pela qualidade de ensino.

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Foi aprovada, em dezembro de 2024, no Senado, a aplicação de um exame ao término da faculdade de Medicina, apelidado de “OAB da Medicina”. O texto ainda precisa ser aprovado em outras instâncias, como a Câmara, mas preconiza a criação de um exame de proficiência para os novos médicos do País, que valerá um ano após sua eventual aprovação, apenas para novos egressos dos cursos de Medicina. O exame vai avaliar diferentes competências, em âmbitos teóricos e práticos. A prova seria de responsabilidade do Conselho Federal de Medicina (CFM) e a aplicação ocorreria por meio dos CRMs responsáveis por cada jurisdição.

O projeto determina que os resultados sejam comunicados aos Ministérios da Educação e da Saúde pelo CFM, sendo vedada a divulgação nominal das avaliações individuais, que será fornecida apenas ao próprio participante.

Atualmente, há cerca de 400 escolas médicas espalhadas pelo País, a segunda maior quantidade do mundo – só fica atrás da Índia, nação que tem uma população mais de seis vezes maior que a brasileira.

Somente nos últimos dez anos, foram colocados em funcionamento 190 estabelecimentos de ensino médico, número igual ao de escolas abertas ao longo de dois séculos. A imensa maioria das novas faculdades não atende a critérios básicos para a formação do aluno, como a existência de leitos do SUS para a prática médica, programas de residência, hospital de ensino e corpo docente qualificado - já que não há o tempo necessário para a qualificação, levando em conta que, ao todo, a formação em Medicina, englobando graduação, residência e especialização (mestrado ou doutorado), costuma levar entre dez e 12 anos, em média.

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A abertura é irresponsável de inúmeros cursos, pois formam-se aproximadamente 40 mil jovens todos os anos, e só há vagas para 20 mil residentes. Neste cenário, muitos formandos nem buscam fazer residência, seja pela alta concorrência, baixa remuneração ou necessidade de pagar o financiamento estudantil ao término do curso, levando-os a começar a trabalhar rapidamente para quitar suas dívidas, em vez de aprimorar seus conhecimentos.

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O Governo também contribui com o sucateamento do ensino da Medicina ao ceder à pressão econômica de grandes grupos educacionais, autorizar o funcionamento de novos cursos privados de má qualidade junto ao programa Mais Médicos e interferir na Comissão Nacional de Residência Médica para aumentar, de forma inconsequente, o número de “especialistas” no País.

Se essa tendência continuar, estima-se que, em 2035, o Brasil terá mais de 1 milhão de médicos, segundo a pesquisa Demografia Médica no Brasil. No entanto, isso não garantirá médicos para todos: a distribuição dos profissionais continuará desigual, concentrada em grandes centros. Formar mais médicos, e não melhores médicos, apenas levará ao declínio da qualidade do atendimento à população.

Um médico com formação ruim onera o serviço de Saúde como um todo, pois pode demorar mais para chegar a um diagnóstico e até mesmo solicitar exames desnecessários, o que gera altos custos tanto para o indivíduo quanto para o sistema, desperdiçando recursos.

Em meio a circunstâncias tão graves, a melhor forma de minimizar suas consequências seria aplicar um exame de proficiência obrigatório para egressos das escolas de Medicina, nos moldes do realizado para futuros advogados. O Exame Nacional de Proficiência em Medicina visa balizar o conhecimento adquirido pelo médico durante a graduação. O projeto de lei foi criado para garantir que os atendimentos médicos continuem sendo feitos com qualidade, visto que o número de profissionais formados está cada vez maior e a qualidade do ensino questionável. A Associação Paulista de Medicina (APM) defende capacitar os estudantes e acompanhar a qualidade da formação médica que, nos últimos anos, vive uma grave crise.

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Convidado deste artigo

Foto do autor Antonio José Gonçalves
Antonio José Gonçalvessaiba mais

Presidente da Associação Paulista de Medicina (APM). Foto: Arquivo pessoal

Curta vencedor do Oscar alerta sobre nossa desumanização pela dependência tecnológica, Paulo Silvestre - OESP

 No domingo de Carnaval, com os brasileiros comemorando o Oscar de Melhor Filme Internacional para "Ainda Estou Aqui" e lamentando que sua protagonista, Fernanda Torres, não levou o de Melhor Atriz, a vitória do holandês "Eu Não Sou um Robô" ("I'm Not a Robot") no prêmio de Melhor Curta-Metragem, dirigido por Victoria Warmerdam, passou praticamente despercebido. Mas ele promove uma importantíssima reflexão sobre o nosso tempo: estamos nos tornando muito dependentes da tecnologia, e isso pode ameaçar nossa humanidade.



Há décadas, a ficção nos alerta sobre esse risco, mas nunca imaginaríamos que uma validação automática pudesse nos fazer questionar quem somos. É exatamente esse o dilema vivido por Lara (Ellen Parren), a produtora musical protagonista da obra, que mergulha em uma crise existencial após falhar repetidamente em testes CAPTCHA, aqueles desafios online usados para distinguir humanos de robôs, nos quais é preciso clicar, por exemplo, nas "imagens com hidrantes".


A sociedade vem sendo profundamente influenciada pelas big techs para abraçar a tecnologia como algo quase mágico, sem medir as consequências. Poucas vozes questionam esse movimento. Quem ousa fazer isso recebe rótulos de antiquado ou resistente ao progresso, normalmente injustos.


Apesar de ser uma ficção, o curta toca em questões muito reais. Vivemos em uma era em que sistemas cada vez mais eficazes e surpreendentes nos ajudam muito, mas também trazem consequências nocivas que às vezes ignoramos. Se nada for feito para corrigir essa dependência excessiva, podemos ultrapassar um limiar perigoso, onde a tecnologia não mais nos serve, mas nos define.


Warmerdam criou uma sátira angustiante sobre nossa relação com a tecnologia. A incapacidade de Lara passar nos testes a coloca em uma jornada surreal, levando-a a questionar crescentemente sua própria humanidade. Assim, a obra explora temas como identidade, autonomia e o impacto da tecnologia na percepção humana.


Parren equilibra perfeitamente o humor absurdo com uma crítica social afiada, tornando a personagem ainda mais marcante. Afinal, ela é realmente um robô que desconhece sua verdadeira natureza? Ou será que a tecnologia falha ao identificar o que é ser humano? Esses dilemas existenciais são os elementos mais potentes do curta, reforçando sua crítica à dependência da validação digital, tornando a proposta ainda mais cortante! O absurdo da situação nos faz rir, mas também nos obriga a refletir sobre nossos comportamentos frente à digitalização da vida.


Já terceirizamos nosso pensamento para buscadores, dependemos de GPS para nos locomover e deixamos algoritmos influenciarem nossas decisões diárias, ainda mais com o avanço da inteligência artificial. Quando não têm acesso a essas tecnologias, muitos se sentem perdidos, como se parte de sua identidade tivesse sido removida.


Em alguns casos, um erro técnico pode bloquear nosso acesso a serviços essenciais, tornando-nos praticamente "invisíveis" para a sociedade. Mas precisamos encarar nossa atitude frente a essa dependência tecnológica, que pode prejudicar habilidades cognitivas cruciais, como memória, raciocínio e criatividade. Resolver problemas por conta própria é fundamental para o desenvolvimento humano.

Não dá para dizer que "isso só acontece com os outros". Quem nunca ficou ansioso por perder o acesso à Internet? A incapacidade de lembrar informações básicas sem consultar o celular, a preferência por interações digitais em detrimento das presenciais, ou a sensação de que nossas realizações só valem quando publicadas e validadas nas redes sociais são outros sinais de que "passamos do ponto".


Se um sistema de reconhecimento facial falha em nos identificar, um algoritmo de busca não entende nossa pergunta ou quando um assistente virtual não compreende nosso sotaque, sentimos uma frustração que vai além do incômodo prático. É quase uma negação de nossa existência!


 


Recuperando o controle


Para evitar que percamos o controle do que somos, precisamos adotar estratégias conscientes. E isso passa por questionar recomendações das plataformas digitais, tomar decisões sem depender delas e exercitar a memória. Ou seja, lembrar a nós mesmos que podemos também viver sem as máquinas, como sempre fizemos!


O contato humano e o mundo físico precisam ser valorizados. Participar de encontros presenciais e realizar atividades ao ar livre são antídotos eficazes contra a digitalização excessiva da vida. Além disso, falar com pessoas em vez de chatbots preserva o elemento humano nas interações.



Devemos também variar as fontes de informação e usar a tecnologia com propósito claro, em vez de consumir passivamente o que as plataformas sugerem: isso nos ajuda a manter o senso crítico. E pausas regulares no uso desses serviços permitem reavaliar nossa relação com o mundo digital.


"Eu Não Sou um Robô" nos ensina que a tecnologia deve ser uma ferramenta para ampliar nossas capacidades, não um fator determinante da nossa identidade e muito menos da nossa humanidade. Se confiarmos demais nela a ponto de comprometer nossa autonomia, corremos o risco de nos tornarmos reféns daquilo que criamos.


A obra é uma metáfora poderosa sobre a burocracia digital, a vigilância algorítmica e a automação excessiva, que nos transformam em dados e perfis, em vez de seres humanos complexos e autônomos. A tecnologia pode e deve ser usada para facilitar a vida, mas precisamos garantir que ela continue sendo um meio, e não um fim.


Em tempos de IA galopante, a verdadeira inteligência está na capacidade de equilibrar o poder do mundo digital com a experiência humana. Essa é a lição mais valiosa desse pequeno grande filme.




No fim das contas, somos muito mais do que aquilo que um teste CAPTCHA pode definir.


 


Foto do autor

Opinião por Paulo Silvestre

É jornalista, consultor e palestrante de customer experience, mídia, cultura e transformação digital. É professor da Universidade Mackenzie e da PUC–SP, e articulista do Estadão. Foi executivo na AOL, Editora Abril, Estadão, Saraiva e Samsung. Mestre em Tecnologias da Inteligência e Design Digital pela PUC-SP, é LinkedIn Top Voice desde 2016.