Claudia Campolina
Costela de Adão, objeto sexual, serva, troféu, bibelô, escrava, saco de pancadas, parideira, louca, bruxa e propriedade são sinônimos milenares de mulher.
Tertuliano escreveu que somos a porta do mal; Pitágoras, que um princípio bom criou o homem, e um mau, a mulher; Aristóteles, que somos inferiores e que devemos ser governadas; Santo Agostinho defendia a nossa submissão. Maria é a única salvação. Ave (Eva ao contrário) Maria, modelo de santidade, pureza e obediência. Boas moças devem tentar ser perfeitas como a mãe de Jesus. Ou esposas e mãe exemplares, como até o iluminista Rousseau prescreveu. Fomos e ainda somos desumanizadas: demônias ou santas; putas ou para casar.
Homens têm medo de perder para uma mulher, o "ser inferior". Tanto que classificaram atributos por gênero: amorosidade, sensibilidade e doçura são femininos e restritos ao lar. Fora dele viram defeitos: "mulher é emotiva, frágil, ingênua, histérica". Nos tornamos Evas que destroem o Paraíso dos negócios ou Liliths que destroem a família, montando em homens. Nos condenam (fogueiras, lobotomias, conventos, internatos) sempre que a emancipação feminina ameaça a hegemonia masculina. Suspendem direitos garantidos, vide a recente tentativa de proibir aborto em casos de estupro, risco de vida e anencefalia.
Acusam feministas de perturbarem a ordem, assim como acusaram bruxas, revolucionárias, sufragistas, abolicionistas, defensoras do divórcio e da pílula anticoncepcional. O "homimi" de que queremos aniquilar o modelo masculino que "construiu a civilização", de que "está faltando energia masculina", como disse Mark Zuckerberg, é um pretexto que sempre usaram para se conservarem no poder.
A atualizada "energia masculina" da Meta inaugurou um vale-tudo no Instagram: pode falar que negros e mulheres são inferiores, que gays e trans são doentes mentais. Executivos não ligam para discursos de ódio, contanto que gerem lucro. Elon Musk coloniza países, oferece vagas de trabalho de 80 horas semanais sem remuneração e quer superpovoar o planeta. É função masculina explorar territórios, pessoas e úteros. Com 13 filhos, propôs dar um a Taylor Swift. Assim ela cumpre sua única função como mulher. Será que ele vai investir em focinheiras femininas como as da Idade Moderna?
Donald Trump disse que vai "perfurar, baby", ecoando o hobby de agarrar "minas" pela vagina (lubrificadas de petróleo). É viril penetrar e destruir a natureza. Javier Milei presenteou Musk com uma motosserra para cortar ajudas humanitárias e empregos. O ambicioso soldado Nikolas Ferreira faz imitações baratas das táticas do comandante Musk e quer conquistar o cinturão de líder da extrema direita do capitão "imbroxável". Quem sabe Dana White não promova essa "batalha de gladiadores", com direito a saudação "romana"? Nas redes, a machosfera lucra com misoginia, luta pelos valores tradicionais da opressão e recruta adolescentes que estão sendo influenciados e se tornando reacionários, como apontam pesquisas.
No "Mundo Invertido", sátira onde inverto papéis de gênero, minha personagem diria: "Quem mandou contrariarem as Leis da Deusa, deixando homens liderarem nações, empresas e famílias? Eles são inferiores e comandados por suas pingolas. Devem ser trancados no lar e adestrados a exercer funções de cuidado, sem remuneração, até desenvolverem as emoções e aptidões da "energia feminina". No entanto, o que é cômico e faz pensar na ficção, no mundo real seria uma solução simplória, uma vingança violenta, uma generalização, a demonização e invenção de um inimigo comum, como fazem ditadores.
O antagonismo macho-fêmea é um binarismo baseado em estereótipos. Somos seres complexos, com qualidades e defeitos, independentemente de diferenças biológicas. Ao considerarmos dominação e violência como virtudes masculinas, e não falhas humanas, transformamos empatia e bondade em fraquezas femininas; empoderamos seres frágeis e infelizes que subjugam os outros para se sentirem machos. Homens fantasiados de heróis e mulheres de donzelas não são a salvação para guerras, pobreza e crise climática.
Precisamos ouvir menos oligarcas bilionários e mais bell hooks: "Quando escolhemos amar, começamos a agir contra a dominação e a opressão... Libertando a nós e aos outros".
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