quinta-feira, 6 de junho de 2024

Marcos Augusto Gonçalves - Parada LGBTQIA+ deu rasteira no bolsonarismo, FSP

 A recuperação do verde e amarelo e da camisa da seleção brasileira de futebol pela Parada LGBTQIA+ de São Paulo foi uma dessas estratégias espertas que dificilmente seriam bem-sucedidas no campo das manifestações partidárias ou ideológicas de esquerda. Já de início, um motivo para isso me ocorre: a forte presença do humor, da descontração e do espírito de diversidade, características do universo gay, é alheia ao mundo da polarização e do identitarismo político-ideológico.

Mesmo quando alguns setores da esquerda ensaiaram retirar do bolsonarismo a camiseta amarela, sempre se procurou acrescentar algum elemento em vermelho, a lembrar a cor do PT e dos partidos deste espectro.

A 28ª Parada do Orgulho LGBTQIA+ de São Paulo ocorre neste domingo (2), na avenida Paulista, com o tema Basta de Negligência e Retrocesso no Legislativo - Bruno Santos/Folhapress

No caso da parada, tudo começou no glorioso show da cantora Madonna nas areias de Copacabana, no início de maio. É comum, faz tempo, que artistas estrangeiros usem a camiseta e acenem a bandeira do Brasil quando aqui se apresentam em grandes eventos. A plateia brasileira é mundialmente conhecida por ser calorosa e o país tem vocação festiva e cultura rica e fascinante. Futebol e música estão no abre-alas de nosso soft power global.

No caso do esporte bretão, o mundo admirou-se com a habilidade e as artimanhas que o jogo aqui acabou incorporando, notadamente a partir do final da década de 1950. As vitórias em 1958 e 1962, e o tricampeonato na Copa de 1970, sob o signo do rei Pelé, envolveram o futebol brasileiro numa aura cool, frequentemente associada aos volteios e voleios da arte e da poesia. O uniforme do Tri virou clássico fashion mundo afora.

Ocorre que vivíamos naquele momento o período mais sombrio da ditadura militar. Ao mesmo tempo, o boom de crescimento do chamado "milagre econômico" potencializava o ufanismo do regime. Eram os tempos da marchinha "Eu Te Amo Meu Brasil", do slogan "Ame-o ou deixe-o" e de outras patacoadas cívico-militares que serviam para encobrir a repressão política e a superexploração dos trabalhadores.

Esse foi e continuou a ser o Brasil ideal de Jair Bolsonaro, o presidente fascistoide que enalteceu a tortura, incentivou a homofobia e, a exemplo do que procurou fazer o general Emílio Garrastazu Médici, se apropriou da conquista de 70 ao tomar para si e seus seguidores a camisa amarela do escrete –que, aliás, o presidente do Banco Central, o autônomo Roberto Campos Neto, usou para votar, num mico digno de ata.

Voltando ao show de Madonna, o que poderia ter sido só mais uma gringa a fazer média com as cores e a camisa da seleção acabou se transformando num manifesto associado à cultura LGBTQIA+. Foi histórica a performance verde e amarela com a drag Pabllo Vittar, bateria de samba e também a presença de Anitta.

Ao levar à avenida Paulista uma multidão com as tradicionais cores nacionais, a parada revisitou um tipo de sagacidade que consiste em se assenhorear de um significado que se mostra adverso, modificando seu sentido. Essa troca de sinais é comum, por exemplo, em torcidas de futebol que ressignificam a seu favor conteúdos inicialmente ofensivos. É o caso exemplar do urubu, antes usado preconceituosamente contra a massa de negros e pobres flamenguistas, que se tornou símbolo oficial das arquibancadas e do clube.

O bolsonarismo homofóbico, que se vestia de amarelo, acabou levando uma bela rasteira. O verde e amarelo, afinal, também sempre esteve inscrito no arco-íris da diversidade.

O problema da esquerda, Hélio Schwartsman, FSP

 É difícil não simpatizar com José "Pepe" Mujica, o ex-presidente do Uruguai que se tornou o símbolo mesmo das lideranças de esquerda na região.

Pepe começou sua trajetória na luta armada (queria instalar uma ditadura do proletariado), mas soube se reinventar como político democrata. Saiu da Presidência tão pobre quanto entrou e demonstrou um incomum desapego ao poder. Mais importante, não trocou a clareza moral por tribalismo ideológico. Ao contrário de Lula, não hesitou muito antes de condenar os abusos de Nicolás Maduro.

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O ex-presidente uruguaio José 'Pepe' Mujica concede entrevista à Folha em sua chácara na região de Rincón del Cerro, em Montevidéu - Nicolás Garrido Monestier/Folhapress - Folhapress

Na ótima entrevista que Mujica concedeu a Mayara Paixão, chamou-me a atenção a passagem em que ele afirma que os seres humanos se tornaram piores, embora as sociedades estejam mais ricas. Não apenas discordo dessa avaliação como penso que ela reflete um problema estrutural da esquerda, que é o excesso de otimismo quanto ao futuro e o extremo pessimismo em relação ao presente.

Não creio que o ser humano esteja ficando moralmente pior. Talvez até o contrário. Assistimos nos últimos dois séculos a uma ampliação do círculo de solidariedade. Nos primórdios, o homem ligava apenas para si mesmo, sua família e seu bando. Com o tempo, passou a preocupar-se também com compatriotas, correligionários e, por fim, com todo o gênero humano. Agora, já olhamos até para os outros bichos. Nesse meio-tempo, algumas conquistas, como o fim da escravidão e a invenção dos direitos humanos. Isso só foi possível porque nos tornamos mais ricos e já não precisávamos nos preocupar diuturnamente com a próxima refeição.

Não discordo da ideia de que o futuro pode ser melhor. Uma organização social virtuosa transformou os temíveis vikings nos bondosos escandinavos. Mas a há limites biológicos e éticos para a reengenharia. O homem não é uma tábula rasa. Também não me parece muito sábio desprezar os avanços já alcançados. O que já deu certo costuma ser um ótimo ponto de partida.

Governo compra 263,3 mil toneladas de arroz em leilão convocado por enchentes no RS, FSP

 

BRASÍLIA

O governo federal comprou um total de 263,3 mil toneladas de arroz importado, num leilão anunciado para amenizar os impactos das chuvas no Rio Grande do Sul sobre o abastecimento e os preços do cereal.

Lavoura de arroz do MST em Viamão, no Rio Grande do Sul
Lavoura de arroz do MST em Viamão, no Rio Grande do Sul - Divulgação-10.Mai.24/MST-RS

O leilão foi realizado pela Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) na manhã desta quinta-feira (6). O total da operação custou cerca de R$ 1,3 bilhão.

A decisão do governo de importar arroz por causa das enchentes no Rio Grande do Sul, principal produtor no país, se converteu numa disputa judicial. O leilão só ocorreu após o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) suspender liminar de um juiz federal que tinha barrado o certame.

O objetivo anunciado pelo governo é mitigar os impactos das enchentes na região e evitar a escassez e a inflação do produto. De acordo com as regras divulgadas, a entrega dos bens comprados deve ser feita até 8 de setembro.

A previsão de compra era de até 300 mil toneladas do produto.

Ainda segundo o governo, a medida foi necessária em função da importância do estado na produção de arroz e porque a calamidade observada a partir do mês passado pode desencadear repercussões negativas no abastecimento e nos preços internos, "colocando em risco a segurança alimentar e nutricional da população".

A decisão do governo de autorizar a compra causou incômodo entre produtores nacionais, levando a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) a questionar o tema no STF (Supremo Tribunal Federal). A entidade demandou explicações sobre a medida, vista como um equívoco de diagnóstico, ao protocolar na segunda (3) ação pedindo também a suspensão do leilão.

Segundo a CNA, a importação tem potencial de desestruturar a cadeia produtiva ao criar instabilidade de preços, prejudicar produtores locais, desconsiderar grãos já colhidos e armazenados e, ainda, comprometer as economias de produtores rurais que hoje já sofrem com a tragédia e com os impactos das enchentes.

Na ação, a CNA indica que os produtores rurais, especialmente os produtores de arroz do Rio Grande do Sul, não foram ouvidos no processo de formulação da política de importação. A entidade afirma, ainda, que a importação do arroz viola a Constituição e seria uma medida abusiva de intervenção do poder público na atividade econômica, restringindo a livre concorrência.

Conab já havia divulgado, entre os detalhes do edital, o rótulo que deverá estar nas embalagens de arroz importado adquirido com recursos da União neste ano. Segundo as regras, o texto afirmará que o produto foi comprado pelo governo federal, carregará a marca da atual gestão e estabelecerá, para o pacote de 5 quilos, o preço máximo de R$ 20.

Segundo o governo, os gastos eram limitados limitados a R$ 1,7 bilhão, enquanto as despesas de equalização de preços para a venda do produto estão estimadas em R$ 630 milhões.

O edital define que o produto deverá ter aspecto, cor, odor e sabor característico de arroz beneficiado polido longo fino tipo 1. O produto deverá estar em embalagem com capacidade de 5 quilos transparente que permita a visualização do produto.

De acordo com a Conab, a intenção é que o arroz adquirido seja destinado às regiões metropolitanas a serem definidas com base em indicadores de insegurança alimentar. Os compradores deverão vender o arroz exclusivamente para o consumidor final.