quinta-feira, 6 de junho de 2024

O problema da esquerda, Hélio Schwartsman, FSP

 É difícil não simpatizar com José "Pepe" Mujica, o ex-presidente do Uruguai que se tornou o símbolo mesmo das lideranças de esquerda na região.

Pepe começou sua trajetória na luta armada (queria instalar uma ditadura do proletariado), mas soube se reinventar como político democrata. Saiu da Presidência tão pobre quanto entrou e demonstrou um incomum desapego ao poder. Mais importante, não trocou a clareza moral por tribalismo ideológico. Ao contrário de Lula, não hesitou muito antes de condenar os abusos de Nicolás Maduro.

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O ex-presidente uruguaio José 'Pepe' Mujica concede entrevista à Folha em sua chácara na região de Rincón del Cerro, em Montevidéu - Nicolás Garrido Monestier/Folhapress - Folhapress

Na ótima entrevista que Mujica concedeu a Mayara Paixão, chamou-me a atenção a passagem em que ele afirma que os seres humanos se tornaram piores, embora as sociedades estejam mais ricas. Não apenas discordo dessa avaliação como penso que ela reflete um problema estrutural da esquerda, que é o excesso de otimismo quanto ao futuro e o extremo pessimismo em relação ao presente.

Não creio que o ser humano esteja ficando moralmente pior. Talvez até o contrário. Assistimos nos últimos dois séculos a uma ampliação do círculo de solidariedade. Nos primórdios, o homem ligava apenas para si mesmo, sua família e seu bando. Com o tempo, passou a preocupar-se também com compatriotas, correligionários e, por fim, com todo o gênero humano. Agora, já olhamos até para os outros bichos. Nesse meio-tempo, algumas conquistas, como o fim da escravidão e a invenção dos direitos humanos. Isso só foi possível porque nos tornamos mais ricos e já não precisávamos nos preocupar diuturnamente com a próxima refeição.

Não discordo da ideia de que o futuro pode ser melhor. Uma organização social virtuosa transformou os temíveis vikings nos bondosos escandinavos. Mas a há limites biológicos e éticos para a reengenharia. O homem não é uma tábula rasa. Também não me parece muito sábio desprezar os avanços já alcançados. O que já deu certo costuma ser um ótimo ponto de partida.

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