A recuperação do verde e amarelo e da camisa da seleção brasileira de futebol pela Parada LGBTQIA+ de São Paulo foi uma dessas estratégias espertas que dificilmente seriam bem-sucedidas no campo das manifestações partidárias ou ideológicas de esquerda. Já de início, um motivo para isso me ocorre: a forte presença do humor, da descontração e do espírito de diversidade, características do universo gay, é alheia ao mundo da polarização e do identitarismo político-ideológico.
Mesmo quando alguns setores da esquerda ensaiaram retirar do bolsonarismo a camiseta amarela, sempre se procurou acrescentar algum elemento em vermelho, a lembrar a cor do PT e dos partidos deste espectro.
No caso da parada, tudo começou no glorioso show da cantora Madonna nas areias de Copacabana, no início de maio. É comum, faz tempo, que artistas estrangeiros usem a camiseta e acenem a bandeira do Brasil quando aqui se apresentam em grandes eventos. A plateia brasileira é mundialmente conhecida por ser calorosa e o país tem vocação festiva e cultura rica e fascinante. Futebol e música estão no abre-alas de nosso soft power global.
No caso do esporte bretão, o mundo admirou-se com a habilidade e as artimanhas que o jogo aqui acabou incorporando, notadamente a partir do final da década de 1950. As vitórias em 1958 e 1962, e o tricampeonato na Copa de 1970, sob o signo do rei Pelé, envolveram o futebol brasileiro numa aura cool, frequentemente associada aos volteios e voleios da arte e da poesia. O uniforme do Tri virou clássico fashion mundo afora.
Ocorre que vivíamos naquele momento o período mais sombrio da ditadura militar. Ao mesmo tempo, o boom de crescimento do chamado "milagre econômico" potencializava o ufanismo do regime. Eram os tempos da marchinha "Eu Te Amo Meu Brasil", do slogan "Ame-o ou deixe-o" e de outras patacoadas cívico-militares que serviam para encobrir a repressão política e a superexploração dos trabalhadores.
Esse foi e continuou a ser o Brasil ideal de Jair Bolsonaro, o presidente fascistoide que enalteceu a tortura, incentivou a homofobia e, a exemplo do que procurou fazer o general Emílio Garrastazu Médici, se apropriou da conquista de 70 ao tomar para si e seus seguidores a camisa amarela do escrete –que, aliás, o presidente do Banco Central, o autônomo Roberto Campos Neto, usou para votar, num mico digno de ata.
Voltando ao show de Madonna, o que poderia ter sido só mais uma gringa a fazer média com as cores e a camisa da seleção acabou se transformando num manifesto associado à cultura LGBTQIA+. Foi histórica a performance verde e amarela com a drag Pabllo Vittar, bateria de samba e também a presença de Anitta.
Ao levar à avenida Paulista uma multidão com as tradicionais cores nacionais, a parada revisitou um tipo de sagacidade que consiste em se assenhorear de um significado que se mostra adverso, modificando seu sentido. Essa troca de sinais é comum, por exemplo, em torcidas de futebol que ressignificam a seu favor conteúdos inicialmente ofensivos. É o caso exemplar do urubu, antes usado preconceituosamente contra a massa de negros e pobres flamenguistas, que se tornou símbolo oficial das arquibancadas e do clube.
O bolsonarismo homofóbico, que se vestia de amarelo, acabou levando uma bela rasteira. O verde e amarelo, afinal, também sempre esteve inscrito no arco-íris da diversidade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário