quinta-feira, 2 de maio de 2024

Brasil faz aposta intermediária em carros híbridos, enquanto mundo projeta elétricos, FSP

 

BRASÍLIA

A descarbonização do setor automotivo pôs o mundo em debate sobre qual a melhor estratégia a se adotar em curto, médio e longo prazo. Em discussão, estão as vantagens e desvantagens de híbridos, carros 100% elétricos ou motores movidos a hidrogênio verde.

Por enquanto, há apostas em estratégias diferentes a depender do país ou bloco econômico. A China, por exemplo, apostou cedo nos elétricos e, com amplo incentivo do governo, tornou-se líder mundial no setor. Agora, tenta exportar sua tecnologia para o resto do planeta.

Carro está parado em frente a uma escada
Carros oficiais de eventos do G20, no Brasil, são movidos a etanol - Divulgação

A União Europeia não tomou essa decisão tão cedo, mas hoje foca também nos elétricos, ao passo que coloca diversos embargos aos biocombustíveis produzidos mundo afora.

Os Estados Unidos, em que pese ser um dos principais produtores de etanol do mundo, concentram os investimentos em veículos elétricos.

O mercado indiano, até aqui, mira a produção dos biocombustíveis sobretudo para exportação, enquanto começa a ver sua frota automotiva passar a ter motores à bateria.

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No Japão, algumas montadoras apostam também em veículos movidos a hidrogênio verde, tecnologia considerada como a de maior potencial a longo prazo, mas atualmente ainda incipiente.

Já no Brasil, pelos sinais dados até aqui, a estratégia é direcionar esforços primeiro nos biocombustíveis, principalmente etanol, já que frota é em grande parte flex. Mas representantes do governo defendem que haja liberdade de escolha para o consumidor, com carros híbridos (que têm motores à combustão e à eletricidade) e também 100% a bateria. Em um passo seguinte, veem também o uso do hidrogênio verde.

"Todos falam, é consenso, ao menos neste momento, que o caminho final para redução de emissões é o elétrico. Percebo essa aposta brasileira como se fosse uma transição, começando pelo híbrido, enquanto desenvolve o elétrico. O que nós ainda não vimos é quando vai acontecer essa virada, não vemos essa previsibilidade", diz Carmen Araújo, líder regional de pesquisa do ICCT (Conselho Internacional de Transporte Limpo, em inglês).

"Existe a aposta internacional [que são os elétricos], e o Brasil está fazendo uma aposta intermediária, sem fechar portas, mas incentivando, agora, mais o híbrido do que os elétricos", afirma Marcel Martin, diretor-geral da entidade.

Ambos entendem que a aposta pelos híbridos precisa ser melhor detalhada, uma vez que há uma série de categorias dentro do segmento que podem aumentar ou diminuir drasticamente o nível de sustentabilidade destes motores.

Há veículos a combustão nos quais a eletricidade serve apenas para reduzir a queima nas partidas, principalmente nas arrancadas. Outros carregam dois motores, um convencional e outro elétrico, e a escolha fica a cargo do dono —e portanto, sujeita à variação de preço das duas energias.

A quantidade de combustível verde adicionado ao fóssil também interfere na quantidade de emissões do veículo. Pesa ainda o tipo de energia usado na sua produção das peças e até a forma de descarte do automóvel quando obsoleto.

A estratégia do governo para a descarbonizar o setor automotivo se dá por duas frentes principais, o programa Mover e a criação do IPI Verde.

A partir daí, a escolha da rota tecnológica —como é chamada a decisão por uma dentre muitas alternativas estratégias de inovação— caberá ao mercado.

"O governo não interfere na rota tecnológica. Agora, é óbvio, né? O que vai diferenciar é o IPI Verde, mas não nesse sentido de [escolher entre] elétrico ou híbrido. O carro que descarboniza mais vai ter um bônus maior em relação ao carro que tem um malus [penalidade pela poluição causada] maior", diz Uallace Moreira, secretário de inovação, do Ministério da Indústria.

O IPI Verde ainda não foi lançado. A ideia é criar uma gradação por meio da qual o benefício será maior de acordo com quão sustentável for o veículo, mas ainda é incerto como funcionará o mecanismo.

Atualmente, há um debate sobre como se medir as emissões de carbono de um veículo. O Brasil defende que seja na metodologia chamada de "berço ao túmulo", a mais abrangente, que considera desde a fonte de energia utilizada na produção de peças até o descarte do automóvel.

Os elétricos, por exemplo, tem grande parte de suas peças produzidas na China, país de matriz bastante poluente, o que faz com que seus veículos não sejam tão sustentáveis assim.

Já o Brasil tem uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo, o que pode ser um diferencial para atrair investidores.

"O carro elétrico produzido no Brasil pode ser um dos que menos emite carbono no mundo, porque a matriz brasileira é muito limpa", diz Marcel Martin, lembrando do interesse da chinesa BYD em se instalar no país para produção de elétricos.

Ao mesmo tempo, como mostrou a Folha, o Executivo tem apostado nos biocombustíveis e usado esses produtos como uma forma de se aproximar do agronegócio, setor que tradicionalmente é mais resistente à gestão petista.

Os combustíveis de baixo carbono ganharam força sobretudo pelo apoio do setor, que tem grande interesse na tecnologia, uma vez que ela usa insumos da agricultura em sua produção.

Um estudo encomendado pelas montadoras e entregue ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) defende ainda que o investimento em veículos híbridos em vez dos elétricos traz benefícios econômicos e sociais.

A análise admite, porém, que a segunda tecnologia é menos poluente. Para os híbridos chegarem a este mesmo patamar, diz, seria necessário aumentar o uso de etanol em relação ao de gasolina fóssil.

Pondera, no entanto, que como a frota brasileira já comporta em grande parte o uso de biocombustíveis, esse investimento pode trazer resultados mais rápidos do que a substituição de todos os motores pelos elétricos.

Segundo o documento, os híbridos alimentados com etanol podem injetar, até 2050, R$ 877 bilhões ao PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro e ampliar a arrecadação da União em R$ 138 bilhões, na comparação com a atual cadeia produtiva automotora.

O estudo também sustenta que os veículos elétricos, na verdade, trariam prejuízos econômicos ao país, com redução do PIB em R$ 1,8 trilhão e na arrecadação, de R$ 678 bilhões, também na comparação com o modelo atual.

A análise foi encomendada pela Mbcb (Mobilidade de Baixo Carbono para o Brasil), entidade que reúne produtores de bioenergia (como Abiogás, Unica e Coopersucar) e montadoras (como Toyota, Volkswagen e BYD), e realizada pelas consultorias LCA Consultores e MTempo Capital.


ROTAS ALTERNATIVAS

A aposta na descarbonização pelo mundo até agora:

  • União Europeia: atualmente foca nos elétricos, ao passo que coloca diversos embargos aos biocombustíveis produzidos mundo afora.
  • Estados Unidos: concentram os investimentos em veículos elétricos.
  • Índia: mira a produção dos biocombustíveis sobretudo para exportação, enquanto começa ver sua frota automotiva passar a ter motores à bateria.
  • Japão: algumas montadoras apostam também em veículos movidos a hidrogênio, tecnologia considerada como a de maior potencial a longo prazo, mas atualmente ainda incipiente.
  • Brasilestratégia é direcionar esforços primeiro nos biocombustíveis, principalmente etanol, já que frota é em grande parte flex. Mas representantes do governo defendem que haja liberdade de escolha para o consumidor, com carros híbridos (que têm motores à combustão e à eletricidade) e também 100% a bateria, e veem em um passo seguinte o uso do hidrogênio verde.

Emissões de gás carbônico (CO2) de cada tecnologia hoje:

  • Híbrido (quando abastecido só com etanol na parte a combustão): 77,5 gCO2/km
  • Elétrico: 104,8 gCO2/km
  • Flex (quando abastecido só com etanol): 120,9 gCO2/km
  • Gasolina: 269,3 gCO2/km

Fonte: LCA Consultores (responsável pelos dados de emissões, em pesquisa encomendada pelo MBCB; considera metodologia "berço à roda").

Bombardeios aéreos e terrestres devastaram São Paulo, FSP

 

SÃO PAULO

Nunca houve na cidade de São Paulo uma disputa tão sanguinolenta. Há quase 100 anos, no dia 5 de julho, eclodia a Revolta de 1924, quando jovens oficiais do Exército alinhados ao tenentismo, soldados e baixas patentes, militares da Força Pública, além de civis, todos descontentes com os rumos políticos do país, tentaram derrubar o governo Artur Bernardes transformando a cidade numa praça de guerra. Foi a segunda movimentação tenentista do país. A primeira, que fracassou e deixou um grande foco de insatisfação, ficou conhecida como a Revolta dos 18 do Forte, em 1922, no Rio de Janeiro.

No conflito de 1924, São Paulo foi bombardeada por terra e ar por forças do governo federal, que reagiu com extrema violência ao levante. Construções em bairros como a Luz, onde ficava o quartel-general dos revoltosos, o Brás, a Mooca e o Belenzinho foram destruídas, deixando um rastro de sangue. A sede do governo local, o palácio dos Campos Elíseos, que havia sido tomado pelos rebeldes, também foi bombardeada pelas forças legalistas, assim como a Escola de Aviação Militar no Campo de Marte.

Revolta de 1924
Tropas revoltosas da Força Publica no pátio do quartel da Luz - Domínio público

Segundo o livro "Diário da Revolução: os 23 dias que abalaram São Paulo", de Duarte Pacheco Pereira, o saldo da revolta foi de 503 mortos e 4.846 feridos, na maioria civis. As forças legalistas, que contavam com uma centena de peças de artilharia, contra 26 dos revoltosos, e seis bombardeiros da Aviação do Exército, foram as principais responsáveis pelas vítimas do conflito. Os bombardeios aéreos eram feitos manualmente pelo piloto. As bombas pesavam cerca de dez quilos e os ataques costumavam ser imprecisos.

Alem de derrubar o presidente, os rebeldes reivindicavam reformas profundas na República. Exigiam o voto secreto, mudanças no ensino público e a moralização da política. Tampouco lhes agradava a liderança civil no governo e defendiam a retomada do poder pelos militares. Mas não escondiam certa ambição autoritária.

Incêndio em armazém
Incêndio nos armazéns Nazareth Teixeira, na Mooca, causado por um bombardeio - Domínio Público

A revolta, liderada pelo general reformado Isidoro Dias Lopes, durou 23 dias e foi o maior conflito armado já registrado na cidade. O movimento constitucionalista de 1932 se espalhou pelo estado e não teve o mesmo impacto local sobre a população civil. Em 1924, para se protegerem, muitos habitantes abandonaram o centro de São Paulo e os bairros operários em direção ao interior ou à periferia mais distante, inclusive o governador paulista Carlos Campos, que se refugiou em Guaiaúna. O plano dos insurgentes fracassou por causa da baixa adesão popular e do poder de fogo do governo, que concentrou toda a força de combate do país na cidade e tinha uma vantagem de 5 para 1 em número de combatentes,

O movimento paulista foi planejado para ser uma rebelião de dimensão nacional, mas não conseguiu ultrapassar os limites da cidade. Uma das primeiras providências das forças legalistas foi isolar São Paulo, cortando as conexões ferroviárias e os acessos ao porto de Santos. Deixaram de chegar matérias-primas para as fábricas e gêneros alimentícios. A produção industrial foi paralisada, assim como o comércio, os bondes, as escolas e as repartições públicas.

Palácio dos Campos Elíseos
Trincheira no portão do palácio dos Campos Elíseos - Domínio Público

Nos primeiros quatro dias de levante, o desabastecimento já era sentido e as padarias não conseguiam farinha. Bares e restaurantes funcionavam a portas fechadas e o governo decretou feriado para os bancos. Não tardou para eclodir uma série de saques aos estabelecimentos comerciais que começaram nos bairros operários, como Mooca e Brás. Segundo registros da Prefeitura, 60 lojas e empresas foram saqueadas e incendiadas ao longo do mês de julho e seis roubadas.

Durante o conflito, a Prefeitura registrou 42 315 cidadãos abrigados em hospitais, escolas, igrejas e outras instituições, além de pessoas que buscavam abrigo em barracões de lona. Foram também contabilizados pela administração municipal 257 981 refugiados, cerca de um terço da população local, que deixaram a cidade em busca de maior segurança. A chamada Revolução Esquecida sitiou São Paulo e foi uma verdadeira tragédia humanitária.