Nunca houve na cidade de São Paulo uma disputa tão sanguinolenta. Há quase 100 anos, no dia 5 de julho, eclodia a Revolta de 1924, quando jovens oficiais do Exército alinhados ao tenentismo, soldados e baixas patentes, militares da Força Pública, além de civis, todos descontentes com os rumos políticos do país, tentaram derrubar o governo Artur Bernardes transformando a cidade numa praça de guerra. Foi a segunda movimentação tenentista do país. A primeira, que fracassou e deixou um grande foco de insatisfação, ficou conhecida como a Revolta dos 18 do Forte, em 1922, no Rio de Janeiro.
No conflito de 1924, São Paulo foi bombardeada por terra e ar por forças do governo federal, que reagiu com extrema violência ao levante. Construções em bairros como a Luz, onde ficava o quartel-general dos revoltosos, o Brás, a Mooca e o Belenzinho foram destruídas, deixando um rastro de sangue. A sede do governo local, o palácio dos Campos Elíseos, que havia sido tomado pelos rebeldes, também foi bombardeada pelas forças legalistas, assim como a Escola de Aviação Militar no Campo de Marte.
Segundo o livro "Diário da Revolução: os 23 dias que abalaram São Paulo", de Duarte Pacheco Pereira, o saldo da revolta foi de 503 mortos e 4.846 feridos, na maioria civis. As forças legalistas, que contavam com uma centena de peças de artilharia, contra 26 dos revoltosos, e seis bombardeiros da Aviação do Exército, foram as principais responsáveis pelas vítimas do conflito. Os bombardeios aéreos eram feitos manualmente pelo piloto. As bombas pesavam cerca de dez quilos e os ataques costumavam ser imprecisos.
Alem de derrubar o presidente, os rebeldes reivindicavam reformas profundas na República. Exigiam o voto secreto, mudanças no ensino público e a moralização da política. Tampouco lhes agradava a liderança civil no governo e defendiam a retomada do poder pelos militares. Mas não escondiam certa ambição autoritária.
A revolta, liderada pelo general reformado Isidoro Dias Lopes, durou 23 dias e foi o maior conflito armado já registrado na cidade. O movimento constitucionalista de 1932 se espalhou pelo estado e não teve o mesmo impacto local sobre a população civil. Em 1924, para se protegerem, muitos habitantes abandonaram o centro de São Paulo e os bairros operários em direção ao interior ou à periferia mais distante, inclusive o governador paulista Carlos Campos, que se refugiou em Guaiaúna. O plano dos insurgentes fracassou por causa da baixa adesão popular e do poder de fogo do governo, que concentrou toda a força de combate do país na cidade e tinha uma vantagem de 5 para 1 em número de combatentes,
O movimento paulista foi planejado para ser uma rebelião de dimensão nacional, mas não conseguiu ultrapassar os limites da cidade. Uma das primeiras providências das forças legalistas foi isolar São Paulo, cortando as conexões ferroviárias e os acessos ao porto de Santos. Deixaram de chegar matérias-primas para as fábricas e gêneros alimentícios. A produção industrial foi paralisada, assim como o comércio, os bondes, as escolas e as repartições públicas.
Nos primeiros quatro dias de levante, o desabastecimento já era sentido e as padarias não conseguiam farinha. Bares e restaurantes funcionavam a portas fechadas e o governo decretou feriado para os bancos. Não tardou para eclodir uma série de saques aos estabelecimentos comerciais que começaram nos bairros operários, como Mooca e Brás. Segundo registros da Prefeitura, 60 lojas e empresas foram saqueadas e incendiadas ao longo do mês de julho e seis roubadas.
Durante o conflito, a Prefeitura registrou 42 315 cidadãos abrigados em hospitais, escolas, igrejas e outras instituições, além de pessoas que buscavam abrigo em barracões de lona. Foram também contabilizados pela administração municipal 257 981 refugiados, cerca de um terço da população local, que deixaram a cidade em busca de maior segurança. A chamada Revolução Esquecida sitiou São Paulo e foi uma verdadeira tragédia humanitária.
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