terça-feira, 2 de maio de 2023

Pedido de Toffoli no STF é visto como aceno a Lula e pode abrir caminho a Zanin, FSP

 

BRASÍLIA

O pedido feito pelo ministro Dias Toffoli para integrar a Segunda Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) foi visto nos bastidores da corte como uma tentativa de se redimir com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e ganhar protagonismo.

A ministra Rosa Weber, presidente do Supremo, deve avaliar nos próximos dias se atende a solicitação do ministro, que deseja sair da Primeira Turma e ocupar a vaga deixada no outro grupo pelo ministro Ricardo Lewandowskique se aposentou no início de abril.

Para a troca, é analisada a ordem de antiguidade dos ministros. Ela é autorizada quando nenhum colega mais antigo demonstra o mesmo interesse, segundo lembra o próprio Toffoli, em pedido feito no último dia 27 à presidência do Supremo.

O ministro Dias Toffoli - Rosinei Coutinho - 19.dez.22/Divulgação STF

Além das sessões de julgamento em plenário, das quais toda a corte participa, os ministros se dividem entre dois colegiados. Neles são julgados processos que não demandam a declaração de inconstitucionalidade de leis. A presidente não participa.

Na Segunda Turma do Supremo, compõem o grupo atualmente os ministros Edson FachinGilmar MendesKassio Nunes Marques e André Mendonça.

Se autorizada, a mudança de Toffoli poderá agradar a Lula, já que a tendência é que ela facilite a indicação do advogado Cristiano Zanin Martins, o favorito do presidente, para a vaga deixada por Lewandowski no STF.

PUBLICIDADE

Zanin não precisaria mais se declarar suspeito em julgamentos de processos da Lava Jato que tramitam na Segunda Turma. Além disso, há ações da operação nas quais o advogado atuou diretamente.

O tema da suspeição tem sido levantado, inclusive, por pessoas próximas ao presidente Lula. De acordo com a lei, um magistrado é impedido de julgar processos nos quais ele, seu cônjuge ou um parente tenham atuado.

O próprio Zanin foi alvo de um desdobramento da Lava Jato no Rio de Janeiro, na chamada Operação E$quema $, que apurou suspeitas de tráfico de influência em tribunais com desvio de recursos públicos para favorecer Orlando Diniz, ex-presidente da Fecomércio-RJ.

A mudança, porém, não resolveria o impedimento do advogado na ação que trata de dados hackeados de autoridades da Lava Jato, em que Zanin atuou. Como o processo que envolve o material conhecido como Vaza Jato foi relatado por Lewandowski, ele deve seguir no comando de seu sucessor.

As conversas mostraram mensagens que sugeriram colaboração entre o então juiz Sergio Moro e a equipe da Lava Jato. O material foi citado na sessão do Supremo que considerou que Lula foi julgado de modo parcial pelo ex-magistrado, hoje senador.

Numa das ações sob responsabilidade de Lewandowski, um pedido de Zanin trancou ações contra Lula sob o argumento de que havia provas contaminadas.

Enquanto a vaga de Lewandowski não é preenchida, a presidente do STF determinou que o processo fique sob a relatoria do ministro Edson Fachin, por ser o ministro imediato em antiguidade da Segunda Turma.

Durante a sua carreira como advogado de Lula, Zanin ficou conhecido por questionar a imparcialidade dos juízes que julgavam as ações contra o presidente, muitas vezes apontando o que considerava serem relações suspeitas.

Já Toffoli foi nomeado para a corte em 2009 no mandato anterior de Lula como presidente. Porém, desde que passou a frequentar cerimônias oficiais como presidente eleito, o petista começou a evitar uma aproximação maior com Toffoli.

Entre as mágoas de Lula relacionadas ao ministro, está o episódio de quando ele não autorizou o então ex-presidente a comparecer ao velório de seu irmão, Genival Inácio da Silva, o Vavá, em 2019. Na ocasião, Lula estava preso em Curitiba.

No final de 2022, Toffoli pediu "perdão" a Lula, já eleito, pelo feito. Durante a cerimônia de diplomação no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), o ministro do Supremo teria se aproximado do presidente e dito que ele tinha direito de ir ao velório.

Lula teria batido na mão de Toffoli e dito para ele ficar tranquilo que depois os dois poderiam conversar de maneira reservada.

Em 2018, como presidente do STF, Toffoli também manteve uma decisão de seu então vice, Luiz Fux, suspendendo autorização para que Lula, preso em Curitiba, desse entrevistas.

Lewandowski havia autorizado a Folha a entrevistar o ex-presidente na prisão, atendendo a um pedido do jornal. Na mesma data, porém, Fux suspendeu a decisão, alegando elevado risco de que a divulgação da entrevista com Lula, que havia tido registro de candidatura indeferido, "causasse desinformação na véspera do sufrágio".

Toffoli também envolveu-se em uma série de eventos nos últimos anos que levaram à associação de sua imagem ao bolsonarismo.

Em 2018, durante discurso em seminário sobre os 30 anos da Constituição de 1988, ao falar sobre o golpe militar de 1964, Toffoli, então presidente do STF, disse que hoje prefere se referir ao período como "movimento de 1964".

Durante sua passagem pela presidência do STF, ele nomeou militares como assessores de seu gabinete, medida que foi alvo de questionamentos. Os generais Fernando Azevedo e Silva e Ajax Porto Pinheiro foram dois deles.

Pessoas próximas ao ministro, entretanto, dizem que isso não foi o que motivou o pedido de troca. A Segunda Turma do STF costuma ser a mais disputada por ministros que buscam mais protagonismo na corte, por ter processos de maior repercussão.

Nos bastidores, também circula a informação de que o ministro Gilmar Mendes teria apoiado a troca de Toffoli. Ele tem manifestado posições mais garantistas em ações penais.

Tal postura reforçaria o time de Gilmar na Segunda Turma no placar de votos durante os julgamentos, principalmente os relacionados à Lava Jato. Gilmar tem postura crítica à operação. Ele já afirmou que "ninguém negou" a existência do esquema, mas que não é correto combater o "crime cometendo crime".

Também é levado em conta o voto de Toffoli em 2019, quando desempatou o placar no Supremo contra a prisão após a 2ª instância. Na época, a corte decidiu que um condenado só pode ser preso após o trânsito em julgado —o fim dos recursos—, alterando a jurisprudência que desde 2016.

  • SALVAR ARTIGOS

    Recurso exclusivo para assinantes

    ASSINE ou FAÇA LOGIN

  • 2

K2, K4 ou K9: por que ‘drogas K’ se espalham em SP e são perigosas? Saiba efeitos no corpo, OESP

 Introduzida inicialmente nos presídios de São Paulo, a droga conhecida como K2, K4, K9 ou “spice”, extrapolou os presídios do Estado nos últimos meses e se espalhou pelas ruas da capital. A Secretaria Municipal da Saúde, na última semana, publicou nota técnica na qual afirma ver “aumento de intercorrências” relacionadas ao uso da substância, “em especial junto à população infantojuvenil”.

Apesar de conhecida como “maconha sintética”, a K9 foi criada em laboratório no início dos anos 2000 e tem efeito até cem vezes mais potente do que o produzido pela planta Cannabis sativaComo o Estadão mostrou aqui, a presença da droga no Estado começou nas cadeias e foi usada pelo Primeiro Comando da Capital (PCC) como “balões de ensaio” para testar os efeitos da substância.

A matéria-prima para fabricar a K4 chega ao Brasil pelo contrabando ilegal em portos, aeroportos e fronteiras terrestres. Ela vem da Ásia, de partes da Europa e do norte da África em pequenas pedras que se assemelham a sais de banho e que, uma vez no País, são “cozinhadas” em laboratórios normais “de fundo de quintal” até serem transformadas em um líquido transparente.

K4 escondida em chuteira, cós de cueca, fio dental, tubo de creme dental e sanduíche
K4 escondida em chuteira, cós de cueca, fio dental, tubo de creme dental e sanduíche Foto: Secretaria de Administração Penitenciária

Esse líquido contém princípios ativos que imitam o efeito de drogas clássicas, como maconha ou LSD, mas com potência até cem vezes maior. Para entrar contrabandeado nos presídios, ele era borrifado em folhas de gramatura mais espessa, como papel de carta, que depois era picotado e fumado em um “cigarro”.

Nas ruas de São Paulo, a K9 ou K4 é comumente borrifada sobre misturas de ervas, da mesma forma que a droga se disseminou em Nova York, daí o nome “spice” (ou “tempero”, em inglês). Essa forma também contribuiu para que ela fosse chamada de “maconha sintética”, apesar de não vir da planta Cannabis sativa.

Apenas de janeiro a abril, a Secretaria de São Paulo já registrou 216 suspeitas de intoxicação exógena por canabinoides sintéticos, dentre eles a K9. O total representa mais que o dobro de todo o ano passado, quando foram registradas 98 ocorrências. “Os canabinoides sintéticos estão entre as principais classes de drogas que geram dependência”, observa a pasta.

Continua após a publicidade

Quais os efeitos da K2, K4 ou K9 no corpo humano?

Na nota técnica da secretaria, são apontados os seguintes efeitos de intoxicação pela K9:

  • Vômito e salivação excessiva;
  • Sonolência, desorientação;
  • Dificuldade de respirar;
  • Desmaios, convulsão;
  • Sinais evidentes na boca ou na pele decorrentes de contato ou ingestão da substância
  • substâncias químicas ou plantas tóxicas;
  • Lesões, queimaduras ou vermelhidão na pele, boca e lábios;
  • Cheiro característico de algum produto na pele, roupa ou objetos ao redor;
  • Alterações súbitas do comportamento ou estado de consciência.

Outros sintomas residuais e crônicos de uso, frequentemente vistos em vídeos nas redes sociais, incluem:

  • Ideação suicida;
  • Paranoia;
  • Delírios;
  • Alucinações;
  • Agitação;
  • Compulsões;
  • Ansiedade;
  • Pânico;
  • Agressividade;
  • Isolamento social.

A secretaria também aponta que a K9 pode causar comprometimentos neurológicos, como prejuízos na atenção, falha de memória e da execução e localização visuoespacial. “Tivemos casos graves de pessoas que perderam o controle motor pela forma como a droga agiu no sistema nervoso”, disse ao Estadão em setembro o promotor Tiago Dutra Fonseca, do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público de São Paulo.

“Para quem já tem algum histórico de transtorno mental, isso pode agravar ainda mais como gatilho para um novo surto. Já nos casos fatais, a grande maioria está associada ao sistema cardiorrespiratório, gerando enfarte do miocárdio, uma parada cardíaca, e taquicardia; ou depressão no sistema respiratório, com falta de ar”, disse à época Adriana Tucci, pesquisadora do Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas sobre Drogas, Sociedade e Cultura da Unifesp.

Continua após a publicidade

Por que a K9 se espalhou agora no Brasil?

Até 2020, o Estado de São Paulo não tinha nem sequer máquinas capazes de realizar a perícia em drogas sintéticas como a K4. Hoje, apesar de já ser possível testar e identificar a substância apreendida, o combate ao tráfico de sintéticos ainda enfrenta um grande desafio: o aumento das vendas na internet, onde elas são disfarçadas e comercializadas em sites populares.

“Já vimos pessoas que vendiam a droga como sal de banho”, disse, também em setembro, Alexandre Learth, perito criminal diretor do Núcleo de Exames de Entorpecentes da Polícia Técnico-Científica do Estado

Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), foram descobertas 1.124 novas substâncias entre 2009 e janeiro de 2021, o equivalente a uma nova droga por semana em todo o mundo. Algumas delas foram notificadas exatamente pela Polícia Técnico-Científica de São Paulo durante as testagens das apreensões feitas no Estado.

“Há um aumento expressivo (das drogas sintéticas), que antes eram apenas uma exceção do que testávamos”, observou Learth. Adriana complementa que o rastreio dessas substâncias é ainda mais difícil porque “as características químicas mudam muito rapidamente” com a produção nos laboratórios de “fundos de quintal”.

segunda-feira, 1 de maio de 2023

Economia brasileira perde relevância e tem a menor participação no PIB global em mais de 40 anos, OESP

 O fraco desempenho da economia brasileira nos últimos anos levou a uma perda de relevância do País no cenário mundial. Ao fim deste ano, a participação do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil na economia global deve responder 2,3%, a mais baixa desde 1980, quando teve início a série histórica do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Num momento em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tenta reinserir o País no cenário global com viagens para ChinaEstados Unidos e Europa, os dados do Fundo revelam um cenário adverso. A perda de participação do PIB brasileiro vem ocorrendo seguidamente – na década de 1980, o Brasil chegou a responder por 4% da economia do mundo - e deve seguir em queda pelos próximos anos.

O que ajuda a explicar a perda de relevância do Brasil é o baixo crescimento registrado ao longo de quase 40 anos. O desempenho do PIB brasileiro tem sido inferior ao de outras economias, sobretudo, na comparação com as emergentes.

“O Brasil tem um problema sério de crescimento. Perdeu a década de 80, cresceu bem devagar nos anos 90, teve sorte na primeira década deste século por causa do crescimento da China e pelos preços de commodities, mas os últimos anos voltaram a ser perdidos”, diz Alberto Ramos, diretor de pesquisa macroeconômica para América Latina do Goldman Sachs.

Os dados que tratam da atividade global foram atualizados neste mês pelo FMI. A participação dos países na economia global é medida em Paridade do Poder de Compra (PPP, na sigla em inglês), para deixar mais justa a comparação entre as diferentes economias.

Continua após a publicidade

“Depois do ciclo do crescimento com industrialização dos anos 30 ao final dos anos 70, o Brasil parou de se desenvolver”, acrescenta Márcio Holland, professor da Fundação Getulio Vargas e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda. “O ciclo de industrialização brasileira não foi acompanhado por fatores essenciais para uma economia capitalista moderna - um deles é a educação.”

Ao longo dessas décadas, o Brasil conseguiu ampliar os anos de escolaridade da população, mas ainda sem garantir uma boa qualidade. “Infelizmente, para padrões internacionais, a qualidade educacional brasileira é extremamente trágica, desde a primeira infância, passando pelo ensino básico e médio”, diz Holland.

O País também superou obstáculos importantes na economia, como o processo inflacionário, e avançou na consolidação de instituições importantes, mas a escolha de políticas econômicas equivocadas resultou numa severa crise fiscal e provocou anos de dura recessão – como em 2015 e 2016 –, que foram seguidos por períodos de baixo crescimento do PIB, agravados pelos impactos provocados pela pandemia de covid-19.

“Com o Plano Real, o Brasil começou a colher os benefícios da estabilidade de preços, que foi potencializada por medidas como a Lei de Responsabilidade Fiscal, implementação de metas de inflação, a ideia de um Banco Central, na prática, independente, privatizações. Tudo isso resultou num aumento de potencial de crescimento da economia, mas que foi interrompido por políticas econômicas equivocadas”, afirma Alessandra Ribeiro, economista e sócia da consultoria Tendências. “Colocar a economia em ordem está custando 10, 11 anos.”

Mais do que colocar a casa em ordem, o Brasil tem uma longa agenda para virar a página do baixo crescimento. Além de investir em capital humano para qualificar a mão de obra, será preciso avançar no ambiente de negócios, na qualidade de investimento tanto em capital físico como em pesquisa e inovação e abrir a economia brasileira para o mundo.

Continua após a publicidade

“É uma agenda que começa dentro de casa. A economia brasileira não vai abrir por causa de duas, 15 viagens. Se o País investir em educação, fica mais competitivo, essa inserção na economia acontece naturalmente”, afirma Ramos.

Preso na renda média

A estagnação de décadas colocou o Brasil na chamada armadilha da renda média - muitos países conseguem melhorar o PIB per capita da sua população, mas não alcançam dar o salto seguinte para entrar no seleto grupo de economias desenvolvidas.

Historicamente, a economia brasileira sempre foi comparada com a da Coreia do Sul. Nos anos 1980, os dois países tinham um PIB per capita similar, mas o pesado investimento em educação e a abertura econômica levaram os sul-coreanos a ter uma trajetória bastante diferente. Em 2028, a renda média da Coreia do Sul deve chegar a US$ 70,2 mil, enquanto a do Brasil deve alcançar US$ 21,3 mil, de acordo com o FMI.

O atraso da economia brasileira é tão nítido que economias emergentes superaram a renda média do País nos últimos anos, como já é o caso da Colômbia.


Continua após a publicidade

“Se não houver um retrocesso em política fiscal, um retrocesso com o Estado voltar a ser um pilar do desenvolvimento, e, por outro lado, se o País conseguir avançar na reforma tributária e em acordos comerciais, o Brasil volta a ter um crescimento (maior)”, afirma Alessandra. “Agora, é difícil afirmar que o Brasil vai aumentar a sua participação no PIB global, porque os outros países também estão caminhando.”

Neste ano, o FMI estima um crescimento de apenas 0,9% para o Brasil.