quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

Por que idolatramos políticos?, FSP

 Lygia Maria

Mestre em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina e doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP

Há quem critique o conceito de "brasileiro cordial", do sociólogo Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982), porque o brasileiro seria agressivo, mal-educado, mas isso é um equívoco. "Cordial" vem do latim "cor, cordis", que significa "coração". Ou seja, o brasileiro é um ser passional —logo, dado a fazer bobagens.

Não consegue separar o privado (emoção) do público (razão), acha que o Estado é uma ampliação do círculo familiar, ou seja, acha que o espaço público é a casa da mãe joana (nepotismo, patrimonialismo, personalismo etc.). Como esclarece o sociólogo, "a inimizade bem pode ser tão cordial como a amizade, nisto que uma e outra nascem do coração, procedem, assim, da esfera do íntimo, do familiar, do privado (...) o indivíduo afirma-se ante os seus semelhantes indiferente à lei geral, onde esta lei contrarie suas afinidades emotivas".

Um exemplo é a idolatria à pessoa de Jair Bolsonaro a partir do "ele é gente como a gente!", só porque veste camiseta de time de futebol, come pizza em pé na calçada ou tira foto usando chinelos, sentado em uma cadeira de plástico em um boteco nas férias de fim de ano.

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Sessão solene na Câmara dos Deputados - Pedro Ladeira - 24.nov.2021/Folhapress

No outro lado, temos o "Lulinha paz e amor", "Lula ladrão, roubou meu coração" e uma adoração messiânica ao ex-presidente Lula. Segundo a militância, Lula é o único capaz de salvar a população brasileira, e quem se recusa a votar nele é um herege. Puro sebastianismo: a crença de que dom Sebastião (1554-1578) voltaria como um novo messias para levar Portugal à glória novamente.

Nas últimas eleições, ouvimos que Henrique Meirelles não é simpático, que Marina Silva é frágil. Boulos bradava "vamos voltar a fazer política com emoção". Não! Foi por causa da emoção que atolamos nessa lama polarizada. Um jornalista disse que já é hora de perdoar o PT. Perdoar um partido que causou estrago devastador na economia e se envolveu em corrupção? Perdoamos pessoas pelas quais nutrimos algum tipo de sentimento e apenas quando assumem responsabilidade pelos erros cometidos.

Políticos e partidos são como eletrodomésticos. Uma geladeira serve apenas para resfriar alimentos. Um político é um funcionário público que deve ser eficiente e só, como uma geladeira: parou de gelar? Conserte ou compre outra. Ninguém ama uma geladeira, idolatra uma geladeira.

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Não somos máquinas, claro, mas sermos humanos não significa estarmos em constante estado de torpor emocional. Entre o brasileiro apaixonado e um computador há gradações e há situações em que cada habilidade humana (razão e paixão) é mais adequada. Idolatremos humoristas, músicos, santos. Tratemos políticos pelo que de fato são: parafusos de uma engrenagem que deve manter um país funcionando de forma eficiente.

Papa Francisco critica quem substitui filhos por cães e gatos, FSP

 Na primeira audiência geral do ano, no Vaticano, nesta quarta (5), o papa Francisco criticou quem não quer ter filhos, o que seria uma forma de egoísmo, e lamentou que animais domésticos "ocupem esse lugar".

"Hoje vemos uma forma de egoísmo. Alguns não querem ter filhos. Às vezes têm um e param por aí, mas têm cães e gatos que ocupam esse lugar", afirmou. "Isso pode fazer as pessoas rirem, mas é a realidade."

O papa Francisco discursa durante a audiência geral, no Vaticano
O papa Francisco discursa durante a audiência geral, no Vaticano - Filippo Monteforte/AFP

Francisco também pediu às instituições que facilitem os processos de adoção, para tornar realidade o sonho das crianças que precisam de uma família e o dos casais que desejam acolhê-las.

"A negação da paternidade e da maternidade nos diminui, tira nossa humanidade, a civilização envelhece", disse.

Ele voltou a criticar o chamado "inverno demográfico" e a "dramática queda na taxa de natalidade" registrada em muitos países ocidentais, convidando as pessoas a terem filhos ou a adotá-los.

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"Ter um filho é sempre um risco, seja natural ou adotado. Mas mais arriscado é não ter. Mais arriscado é negar a paternidade, negar a maternidade, seja ela real ou espiritual", insistiu Francisco.

Como de costume, ao final da audiência, o papa assistiu a vários números preparados por um circo com palhaços, malabaristas, dançarinos e músicos.

Não é a primeira vez que Francisco faz esse tipo de crítica. Em fevereiro de 2015, ele já havia dito em um discurso que não querer ter filhos é um ato egoísta e que "uma sociedade com uma geração gananciosa, que não quer se cercar de crianças, que as considera fonte de preocupação, um peso, um risco, é uma sociedade deprimida".


Quanto custa um teorema? E por que é tão barato?, FSP

 

Edgard Pimentel

Um matemático profissional pode exercer as mais variadas atividades. Desde a pesquisa internacionalmente competitiva até a atuação em setores da indústria ou da administração pública. Surgem então duas perguntas: quanto custa um matemático profissional? Vale a pena pagar por ele?

Esta discussão nasce deslocada da motivação mais fundamental para quem persegue as questões matemáticas. Em geral, a matemática não está nem aí para ser útil ou aplicável. Ela simplesmente é. Um teorema, um quadro de Pollock, um romance de Bessa-Luís ou um filme de Zanussi: quando Nadirashvili e Vladut usam álgebras não-associativas no estudo de equações diferenciais, é como Godard dando adeus à linguagem em 3D.

Arte ilustra um homem colando cartazes em uma parede com imagens de matemáticos ilustres e o anúncio de "oferta".
Ilustração: Julia Jabur - Instituto Serrapilheira

O problema é que numa sociedade democrática é preciso justificar o custo desta aventura intelectual. Sobretudo porque esta mesma sociedade aceita pagar por ela.

Vamos simplificar as coisas e imaginar que um matemático profissional tenha feito um doutorado na área. Assim, o custo de produzir um profissional está associado ao custo de formação de um doutor. Podemos identificar este custo com uma bolsa de estudos; atualmente, e considerando as principais agências de fomento nacionais (como CNPq e CAPES), estamos falando de 2.200 reais por mês, por quatro anos. Logo, o custo total de produzir um doutor seria 105.600 reais.

Uma vez formado, este profissional inicia suas atividades. Ao contrário de diversas ciências básicas e da vida, a matemática tem insumos bastante baratos: lápis, papel e mobilidade. Lápis e papel é fácil de entender. Mas e a mobilidade?

É simples: o trabalho de matemático passa por discutir perguntas, problemas, ideias. Envolve ouvir o que passa pela cabeça dos colegas, assimilar perspectivas e, em muitos casos, entender por que algumas direções de pesquisa são mais interessantes do que outras. A maneira mais eficiente de realizar esta troca é circular por aí. Visitar colegas no exterior, trazer colaboradores para o país e participar de reuniões da área.

O custo com lápis e papel, vamos ignorar. Mas o preço da mobilidade é importante. Em um ano, é razoável supor que um matemático faça duas visitas ao exterior e receba dois colegas no Brasil. Além de participar de duas conferências internacionais. Neste cenário (que, admito, é um pouco esquemático), e considerando um custo de 15 mil reais por deslocamento, estamos falando de 90 mil reais por ano.

Falta dizer que um profissional produz, em média, um teorema por ano (outra vez, simplificando muitas coisas). Se o preço de um teorema for o custo de formação do profissional somado ao de seu trabalho, é fácil concluir: estamos contabilizando 200 mil reais. É pouco? É muito? Pra dizer a verdade, é uma pechincha.

Em 2013, um estudo do Conselho de Pesquisa em Engenharias e Ciências Físicas britânico (EPSRC, em inglês) tratou o impacto da pesquisa em matemática sobre a economia do Reino Unido. O estudo identificava três grandes instâncias de impacto da matemática sobre a esfera produtiva: análise de dados, segurança e tratamento da incerteza. As manifestações da matemática na indústria desdobravam-se em setores como manufatura, varejo, telecomunicações, saúde e indústria farmacêutica, transporte e logística, e administração pública.

Mas o mais curioso não são as diversas áreas da chamada "vida real" em que a matemática aparece. O que salta aos olhos neste estudo são os números. Em particular, o número de empregos gerados e o valor adicionado à economia.

Descobriu-se que, em 2010, no Reino Unido, a pesquisa em matemática gerou mais de 300 mil empregos diretos. Na administração pública, incluindo o setor de defesa, foram mais de 200 mil empregos diretos.

Contra-intuitivo, mas positivamente surpreendente, são os mais de 700 mil empregos induzidos pela matemática no setor hoteleiro, de alimentação e… pubs! Em geral, e quando se considera apenas o ano de 2010, revelou-se que quase 10 milhões de postos de trabalho deviam-se à matemática.

E isso tudo sem considerar o valor adicionado, cujos números são estratosféricos. Em 2010, a pesquisa em matemática foi responsável por 556 bilhões de libras do valor adicionado à economia do Reino Unido — algo em torno de 40% do total. Deste valor, 208 bilhões são diretamente ligados à matemática e surgem em setores como bancos e serviços financeiros, computação, construção civil e administração pública e defesa.

Seja pela simples elaboração do espírito, pelo impacto na modernização da sociedade ou por seus efeitos sobre a vida econômica, a matemática é objeto de interesse nacional. Em sua defesa está o fato de que um teorema tem uma das melhores relações custo-benefício do mundo.

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Edgard Pimentel é pesquisador do Centro de Matemática da Universidade de Coimbra e professor da PUC-Rio.