Um matemático profissional pode exercer as mais variadas atividades. Desde a pesquisa internacionalmente competitiva até a atuação em setores da indústria ou da administração pública. Surgem então duas perguntas: quanto custa um matemático profissional? Vale a pena pagar por ele?
Esta discussão nasce deslocada da motivação mais fundamental para quem persegue as questões matemáticas. Em geral, a matemática não está nem aí para ser útil ou aplicável. Ela simplesmente é. Um teorema, um quadro de Pollock, um romance de Bessa-Luís ou um filme de Zanussi: quando Nadirashvili e Vladut usam álgebras não-associativas no estudo de equações diferenciais, é como Godard dando adeus à linguagem em 3D.
O problema é que numa sociedade democrática é preciso justificar o custo desta aventura intelectual. Sobretudo porque esta mesma sociedade aceita pagar por ela.
Vamos simplificar as coisas e imaginar que um matemático profissional tenha feito um doutorado na área. Assim, o custo de produzir um profissional está associado ao custo de formação de um doutor. Podemos identificar este custo com uma bolsa de estudos; atualmente, e considerando as principais agências de fomento nacionais (como CNPq e CAPES), estamos falando de 2.200 reais por mês, por quatro anos. Logo, o custo total de produzir um doutor seria 105.600 reais.
Uma vez formado, este profissional inicia suas atividades. Ao contrário de diversas ciências básicas e da vida, a matemática tem insumos bastante baratos: lápis, papel e mobilidade. Lápis e papel é fácil de entender. Mas e a mobilidade?
É simples: o trabalho de matemático passa por discutir perguntas, problemas, ideias. Envolve ouvir o que passa pela cabeça dos colegas, assimilar perspectivas e, em muitos casos, entender por que algumas direções de pesquisa são mais interessantes do que outras. A maneira mais eficiente de realizar esta troca é circular por aí. Visitar colegas no exterior, trazer colaboradores para o país e participar de reuniões da área.
O custo com lápis e papel, vamos ignorar. Mas o preço da mobilidade é importante. Em um ano, é razoável supor que um matemático faça duas visitas ao exterior e receba dois colegas no Brasil. Além de participar de duas conferências internacionais. Neste cenário (que, admito, é um pouco esquemático), e considerando um custo de 15 mil reais por deslocamento, estamos falando de 90 mil reais por ano.
Falta dizer que um profissional produz, em média, um teorema por ano (outra vez, simplificando muitas coisas). Se o preço de um teorema for o custo de formação do profissional somado ao de seu trabalho, é fácil concluir: estamos contabilizando 200 mil reais. É pouco? É muito? Pra dizer a verdade, é uma pechincha.
Em 2013, um estudo do Conselho de Pesquisa em Engenharias e Ciências Físicas britânico (EPSRC, em inglês) tratou o impacto da pesquisa em matemática sobre a economia do Reino Unido. O estudo identificava três grandes instâncias de impacto da matemática sobre a esfera produtiva: análise de dados, segurança e tratamento da incerteza. As manifestações da matemática na indústria desdobravam-se em setores como manufatura, varejo, telecomunicações, saúde e indústria farmacêutica, transporte e logística, e administração pública.
Mas o mais curioso não são as diversas áreas da chamada "vida real" em que a matemática aparece. O que salta aos olhos neste estudo são os números. Em particular, o número de empregos gerados e o valor adicionado à economia.
Descobriu-se que, em 2010, no Reino Unido, a pesquisa em matemática gerou mais de 300 mil empregos diretos. Na administração pública, incluindo o setor de defesa, foram mais de 200 mil empregos diretos.
Contra-intuitivo, mas positivamente surpreendente, são os mais de 700 mil empregos induzidos pela matemática no setor hoteleiro, de alimentação e… pubs! Em geral, e quando se considera apenas o ano de 2010, revelou-se que quase 10 milhões de postos de trabalho deviam-se à matemática.
E isso tudo sem considerar o valor adicionado, cujos números são estratosféricos. Em 2010, a pesquisa em matemática foi responsável por 556 bilhões de libras do valor adicionado à economia do Reino Unido — algo em torno de 40% do total. Deste valor, 208 bilhões são diretamente ligados à matemática e surgem em setores como bancos e serviços financeiros, computação, construção civil e administração pública e defesa.
Seja pela simples elaboração do espírito, pelo impacto na modernização da sociedade ou por seus efeitos sobre a vida econômica, a matemática é objeto de interesse nacional. Em sua defesa está o fato de que um teorema tem uma das melhores relações custo-benefício do mundo.
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Edgard Pimentel é pesquisador do Centro de Matemática da Universidade de Coimbra e professor da PUC-Rio.
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