O presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), Carlão Pignatari (PSDB), afirmou nesta terça-feira (11) que a casa vai ingressar com uma medida cautelar na Justiça para impedir o tombamento do Complexo Esportivo do Ibirapuera, na Zona Sul de São Paulo.
"A Assembleia Legislativa está fazendo uma medida cautelar, porque esse [processo] do Iphan também está tombando o prédio, o espaço da Assembleia Legislativa, que dentro do Condephaat, as três áreas já estão [desmembradas]. Então, a Procuradoria [da Alesp] está entrando com uma medida cautelar para que isso [o tombamento] não aconteça, não só no Ibirapuera, mas também no prédio, no terreno da Assembleia", disse Carlão Pignatari em coletiva de imprensa no Palácio dos Bandeirantes.
O Conjunto Esportivo Constâncio Vaz Guimarães, que abriga o Ginásio do Ibirapuera, passa por um processo de análise de tombamento no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que impede qualquer mudança arquitetônica no espaço até a finalização da avaliação do órgão patrimonial ligado ao Ministério do Turismo, do governo federal.
O início do processo de tombamento foi autorizado em 30 de dezembro de 2020 pelo Iphan e está acelerado. Nesta terça (11), uma equipe técnica do órgão esteve no complexo para fazer a avaliação do espaço. Eles produzirão um relatório que servirá de base para a análise da importância arquitetônica da área para a cidade de São Paulo, segundo os engenheiros ouvidos pelo G1.
Durante a vistoria, os engenheiros do Iphan disseram que a Alesp não está inclusa no relatório que será produzido pelo órgão, e o tombamento está restrito à área do interior do complexo, conforme o mapa inicial anexado ao processo do órgão, que a reportagem teve acesso.
Mapa provisório de tombamento incluído no processo de análise do Iphan sobre o Complexo Esportivo do Ibirapuera, na Zona Sul de São Paulo. — Foto: Reprodução
O G1 questionou a diretoria do Iphan sobre a inclusão da Alesp no processo de tombamento, conforme a declaração do deputado Carlão Pignatari, e o órgão confirmou que o Palácio Nove de Julho "não está no atual estudo de tombamento do Complexo do Ibirapuera".
A Procuradoria da Alesp também foi procurada para dar mais detalhes sobre a medida cautelar mencionada pelo presidente do Poder Legislativo paulista, mas não se manifestou até a última atualização desta reportagem.
O presidente da Assembleia Legislativa de SP, Carlão Pignatari (PSDB), em coletiva de imprensa no Palácio dos Bandeirantes nesta terça-feira (11). — Foto: Divulgação/GESP
Concessão da área
A abertura do processo de tombamento paralisou temporariamente o projeto de concessão do complexo à iniciativa privada, promovido pelo governo do estado de São Paulo.
A gestão João Doria (PSDB) planeja construir no local uma arena multiuso coberta para 20 mil pessoas no lugar do estádio de atletismo, erguendo também dois edifícios comerciais no espaço e transformando o atual ginásio esportivo em um shopping center (veja foto do projeto abaixo).
Nesta terça, o governador João Doria voltou a criticar a decisão do Iphan de iniciar o processo de tombamento da área. Ele defendeu a análise feita pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado (Condephaat), órgão do próprio governo paulista, que não viu valor arquitetônico no complexo que precise ser preservado historicamente.
"Nós esperamos que o Iphan reverta sua posição, sua decisão do tombamento daquilo que não necessita ser tombado. Até porque o Condephaat já fez a sua manifestação aqui, fez o seu voto, conduziu muitíssimo bem, estruturou o voto, colocou para votação. O Condephaat tem independência, tem autonomia como o conselho de proteção ao patrimônio histórico-cultural do estado de São Paulo e decidiu que não há nada a tomar no Complexo do Ibirapuera, não é cabível o tombamento", afirmou.
João Doria (PSDB) em coletiva de imprensa nesta terça (11) no Palácio dos Bandeirantes. — Foto: Divulgação/GESP
João Doria chamou o processo do Iphan de "interferência desnecessária e rejeitável" nos assuntos do governo de São Paulo.
"Muito nos estranhou uma medida ou a intenção da medida ser adotada pelo governo federal. Entendemos, inclusive, como uma interferência desnecessária, rejeitável por parte do governo do estado de São Paulo. Não tem nada o governo federal que intervir numa decisão que cabe à sua instituição de patrimônio histórico-cultural que é o Condephaat", declarou o governador de SP.
Projeto do governo de São Paulo para a modernização do Complexo Esportivo Constâncio Vaz Guimarães, no Ibirapuera, Zona Sul de São Paulo. — Foto: Reprodução
Visita técnica
O Iphan-SP disse por meio de nota que a visita técnica realizada no complexo nesta terça (11) “consiste em vistoria para relatório fotográfico do bem”.
“O objetivo é avaliar as condições do imóvel para fazer instrução do processo de tombamento. É um procedimento de rotina para todos os processos de tombamento, visto que é necessário fazer uma avaliação prévia para verificar as condições do imóvel a ser tombado”.
A vistoria do Iphan no complexo foi acompanhada por representantes da Secretaria de Esportes do estado de SP.
Técnicos do Iphan chegam para realizar a primeira vistoria técnica no Complexo Esportiva do Ibirapuera, em São Paulo, nesta terça-feira (11). — Foto: Rodrigo Rodrigues/G1
Nesta segunda (10), o governador João Doria declarou que a concessão do Complexo do Ibirapuera para a iniciativa privada só depende da revisão do Iphan sobre o tombamento do espaço, que ele chamou de ‘descabida’.
“Nossa posição é que possa vir um novo complexo poliesportivo, mais moderno do país. O projeto está pronto, e o leilão será marcado tão logo tenhamos a posição final do Iphan, que espero que recue dessa decisão de avançar no tombamento”, afirmou Doria.
Condephaat
O Condephaat rejeitou, em 30 de novembro, o pedido de abertura do processo de tombamento do complexo.
Sem o tombamento, ficou liberada pelo órgão estadual a derrubada de estruturas do espaço, previsto para ser entregue pelo governo paulista à iniciativa privada em formato de concessão.
Em reunião virtual, os conselheiros decidiram, por 16 votos a 8, em não levar adiante o processo que pedia o início do estudo para o tombamento do prédio do ginásio e outros equipamentos esportivos que ficam na área, como o estádio de atletismo e o conjunto aquático.
Reunião virtual dos conselheiros do Condephaat nesta segunda-feira (30). — Foto: Reprodução/Youtube
A decisão do Condephaat gerou críticas de urbanistas e também atletas olímpicos que frequentaram o espaço no início da carreira.
“Este projeto inclui a construção de uma arena e prevê a demolição de todos os equipamentos esportivos, com exceção do ginásio principal, que seria transformado em centro comercial. (...) Esse é um espaço marcante no conjunto da arquitetura moderna brasileira, fundamental para compreender as arquiteturas para o tempo livre e o lazer. A defesa, portanto, do Ginásio do Ibirapuera e do Complexo Esportivo é também uma defesa do direito ao lazer e das políticas públicas relacionadas ao esporte”, diz a professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (FAU-USP) e colunista da Rádio USP, Giselle Beiguelman.
Em ato em frente ao complexo no início de dezembro, a saltadora e velocista Maurren Maggi defendeu a revitalização do espaço para o uso estritamente esportivo, não comercial.
“Todos os medalhistas do Brasil já passaram por aqui um dia. Nossa batalha é para que não aconteça essa privatização. A gente quer o complexo do jeito que ele tem que ser, e ele tem que ser reformado para a gente, e não virar shopping", afirmou a medalhista de ouro de 2008, em Pequim (veja vídeo abaixo).
O ex-medalhista olímpico e ex-vereador Aurélio Miguel disse que a proposta da gestão Doria "acaba com a ideia do Conjunto Esportivo Constâncio Vaz Guimarães de ser um celeiro de atletas e centro de valorização do esporte na cidade".
“Aqui tem vários projetos [esportivos], dentre eles o Projeto Futuro, do próprio governo de São Paulo. Desde 1985 tem esse projeto, e eu treinei aqui. É um projeto fantástico e único que conheço no país que deu certo. Daqui saíram diversos medalhistas olímpicos e tão querendo acabar com isso. É uma vergonha. Temos que sensibilizar o nosso governador para ele entender que pode fazer empreendimento em outro lugar. Deixa esse espaço para o esporte. Vamos fazer a manutenção dele e vamos cuidar”, afirmou Aurélio Miguel.
O que diz o governo de SP
Em nota na época, o governo, por meio da Secretaria de Esportes, afirmou que a concessão do espaço vai exigir do novo concessionário investimento mínimo de R$ 220 milhões.
"Para que o local seja modernizado e esteja apto a receber competições esportivas das mais diversas modalidades, atendendo a requisitos de confederações nacionais e internacionais, o que não ocorre no formato atual", disse a secretaria (veja íntegra abaixo).
Apresentação do governo de São Paulo mostra o futuro do Conjunto Esportivo Constâncio Vaz Guimarães, após concessão à iniciativa privada. — Foto: Reprodução
A pasta defendeu ainda que, com a concessão, "o estado também deixa de arcar com os prejuízos atuais do espaço, que somam R$ 15 milhões anuais".
“O custo da manutenção do complexo para o estado é de cerca de R$ 15 milhões por ano, onerando os cofres públicos, operando com R$ 10 milhões de prejuízo. Com a proposta, os gastos para sua operação serão assumidos pelo concessionário, que vai investir R$ 1 bilhão nas obras e na manutenção do Complexo Desportivo Constâncio Vaz Guimarães. A concessão vai atrair, ainda, melhorias ambientais, viárias e urbanísticas”, afirmou a nota.
A gestão Doria também disse que o processo de concessão do Complexo Desportivo Constâncio Vaz Guimarães mantém a função principal do espaço, que é esportiva.
“Tal responsabilidade, inclusive, está descrita na Lei Estadual 17.099/2019, que autoriza a concessão do espaço. A mesma legislação determina a implantação de espaços gratuitos poliesportivos com acesso gratuito à população. A construção da arena multiuso proporcionará a São Paulo um espaço moderno e adequado para sediar eventos esportivos das mais diversas modalidades, o que trará mais visibilidade ao segmento, além de proporcionais mais empregos e renda na região”, declarou a nota.
Carta pública
Um grupo de professores e pesquisadores da FAU-USP afirma estar “extremamente preocupado” com o destino que a gestão Doria pretende dar ao complexo esportivo do Ibirapuera. Eles são signatários de uma carta pública aberta à comunidade que deu origem ao movimento chamado "S.O.S Ginásio do Ibirapuera".
O grupo criou uma petição online que reuniu mais de 6 mil assinaturas e pediu a preservação do prédio, tal qual ele foi concebido. Também se posiciona contra o projeto do governo tucano de conceder as áreas do complexo a empresas privadas.
“O projeto [de concessão], tal como estruturado, representa séria ameaça à integridade física e ao funcionamento de um equipamento esportivo que, além de ser muito utilizado na formação de atletas no Brasil, é constitutivo da história da cidade de São Paulo e realização fundamental da história da arquitetura brasileira. Além disso, tem grandes valores de uso e afetivo pela comunidade esportiva que dele faz intenso uso desde os anos 1950”, diz a carta pública do movimento.
Publicação do grupo "S.O.S Ginásio do Ibirapuera", que quer o tombamento do ginásio na Zona Sul de SP. — Foto: Reprodução/Redes Sociais
“A proposta em curso de transformação do Complexo em equipamento privado alterará de maneira grave e irreversível a sua materialidade. Ela desconsidera a organização dos espaços livres, a excelência e a qualidade de sua arquitetura, o seu papel na memória e na paisagem urbana de São Paulo. A execução de um projeto com tal caráter destruirá parte da história e da memória da cidade, comprometendo também o seu desenvolvimento futuro”, afirmam os pesquisadores da FAU.
Em nota, a Secretaria Estadual de Esportes não diz especificamente o que será feito com o ginásio do Ibirapuera, e afirma que, com a concessão, "eventos de todos os segmentos também serão ampliados, uma vez que haverá a implantação de uma moderna arena multiuso equipada com a tecnologia plug and play, ar condicionado, poltronas reclináveis e tecnologia em todo o complexo".
Protesto na Zona Sul de SP — Foto: Rodrigo Rodrigues/G1
Íntegra da nota da Secretaria de Esportes do estado em dezembro/2020
"A Secretaria de Esportes do Estado esclarece que o processo de concessão do Complexo Desportivo Constâncio Vaz Guimarães (Ibirapuera), aprovado pela Alesp com o PL 91/2019, prevê investimento mínimo de R$ 220 milhões para que o local seja modernizado e esteja apto a receber competições esportivas das mais diversas modalidades, atendendo a requisitos de confederações nacionais e internacionais, o que não ocorre no formato atual. Com a concessão, eventos de todos os segmentos também serão ampliados, uma vez que haverá a implantação de uma moderna arena multiuso equipada com a tecnologia plug and play, ar condicionado, poltronas reclináveis e tecnologia em todo o complexo, gerando mais emprego e renda para a cidade de São Paulo. Por sua vez, o Estado também deixa de arcar com os prejuízos atuais do espaço, que somam R$ 15 milhões anuais. A previsão é que o edital seja publicado em dezembro de 2020. Sobre a reunião ocorrida ontem (30/11) no Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico (Condephaat), o placar foi de 16 a 8 contra a abertura do processo de tombamento do complexo".
Nota da Secretaria de Cultura e Economia Criativa em dezembro/2020
"A mudança do Condephaat foi analisada e autorizada pela Justiça, que comprovou a idoneidade e legitimidade de todo processo. A alteração da composição do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat), ocorrida em abril de 2019, teve o objetivo de ampliar a representatividade e a diversidade do órgão, com efetiva paridade entre representantes do governo e da sociedade civil. A mudança foi necessária também pela falta de quórum das universidades, já que seus representantes não compareciam às reuniões, chegando à abstenção de 50%. Atualmente, as universidades têm presença proporcional à de outros órgãos da sociedade civil, com 5 representantes de um total de 24 conselheiros, o equivalente a 20%.Todas as modificações, incluindo a participação de profissionais de notório saber nas áreas de história da arte e arquitetura, urbanismo e patrimônio imaterial, foram cuidadosamente estudadas e analisadas para garantir maior eficiência e eficácia ao conselho, aumentando o rigor técnico em benefício da sociedade paulista".