domingo, 9 de maio de 2021

Sociólogo lúcido, Leôncio Martins Rodrigues também foi homem de coragem, diz FHC, FSP

 

Fernando Henrique Cardoso

Ex-presidente da República (PSDB, 1995-2002), é sociólogo, professor emérito da USP e fundador do Cebrap

[RESUMO] Fernando Henrique Cardoso relembra a trajetória do cientista político Leôncio Martins Rodrigues, que morreu na segunda (3) aos 87, de quem foi amigo por mais de meio século. Professor exemplar, realista e lúcido, um dos principais estudiosos dos sindicatos e dos trabalhadores industriais no Brasil, deixou ainda um exemplo de coragem e lealdade na defesa de amigos perseguidos durante a ditadura, diz ex-presidente.

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Conheci Leôncio Martins Rodrigues há muito tempo. Há mais de 50 anos, quase 70... Digo de que maneira: Ruth Villaça Corrêa Leite e eu, ainda alunos da FFCL (Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP), começamos a nos treinar como professores na Escola Fernão Dias Paes, em Pinheiros, um bairro de São Paulo.

Um senhor, Fued Boueri, casara-se com uma tia de Ruth e fora nomeado secretário de Educação: ofereceu-nos a oportunidade de ensinar no curso colegial, no turno da noite, quando ainda éramos alunos, em 1952, no final de nosso terceiro ano da faculdade. Um dava história do Brasil; o outro, história geral (não me lembro mais qual de nós dois dava cada curso).

Pois bem, Leôncio, que fizera um curso chamado de madureza (similar ao que hoje chamamos de supletivo), foi aluno da Ruth no secundário, no Fernão Dias. Nós éramos mais velhos, mas não tanto assim.

Leôncio Martins Rodrigues, de camisa azul e óculos, com estante de livros ao fundo
Retrato do professor Leôncio Martins Rodrigues em sua casa - Marlene Bergamo - 29.abr.11/Folhapress

Na ocasião eu pertencia ao conselho editorial da Revista Brasiliense, de Caio Prado Júnior. A revista não pertencia ao Partido Comunista, mas era-lhe próxima. Logo depois nela se concentrariam os que nos opúnhamos à linha partidária.

Leôncio, na ocasião, era conhecido, entre outras coisas, por haver sido operário (não que precisasse, pertencia a uma família de classe média, seu tio-avô, Lúcio Martins Rodrigues, havia sido reitor da USP), creio que para sentir mais de perto a voz e, quem sabe, os aconchegos da “classe portadora do futuro”. Na época era trotskista.

Eu, de temperamento mais concessivo do que seria de esperar de um “militante”, não dava ouvidos a meus colegas da Revista Brasiliense e proximidades e tornei-me amigo de Leôncio. Os mais calejados temiam que ele estivesse fazendo “entrismo”, pois este tipo de comportamento, aproximar-se da esquerda para denunciá-la, era atribuído erroneamente aos “trotskistas”.

Eu já me relacionava com outros tantos acusados de “trotskismo”, desde os tempos da Revista dos Novíssimos (no caso, poetas ou escritores).

Desde então Leôncio foi meu amigo. Mais tarde entrou também para a FFCL e se tornou um sociólogo competente e reconhecido. Foi nesta qualidade que escreveu belos trabalhos (alguns tendo como base seu conhecimento da Ford em São Paulo).

Na minha geração (se é que posso, abusivamente, colocar-me na mesma geração que Leôncio), poucos se dedicaram mais a escrever sobre os trabalhadores industriais brasileiros e seus sindicatos. Ele o fazia sempre com base em pesquisas, e não em meras opiniões.

Além disso, foi sempre um professor (e assim gostava de ser chamado). Trabalhou comigo em um centro de pesquisas que fundei e dirigi na USP, o Cebrap. Foi professor-assistente de Florestan Fernandes, até se tornar titular de ciência política, tanto em Campinas como em São Paulo, além de haver passado um tempo na Universidade de Bruxelas. Histórias conhecidas dos que lhe foram próximos.

O que talvez seja menos conhecido é que Leôncio sempre foi um homem de coragem. Nas épocas difíceis do autoritarismo, era ele quem se encarregava de, por amizade, ajudar os perseguidos. Coragem e lealdade sobravam em Leôncio. Foi-se e deixa saudades nos amigos e respeito entre os que o leram. Realista e lúcido, Leôncio desconfiava dos muito crentes, em política ou na vida.

Quando fui presidente, só a muito custo anuiu em participar na delegação dos representantes do Brasil na OIT (Organização Internacional do Trabalho). Jamais deixou de ser o que gostava de ser: pesquisador e professor. Era um ser humano adorável. Com seu jeito conquistava os mais moços, como meus filhos e a Patrícia, assim como o respeito de todos. Resquiecat in pace.


Drauzio Varella - Covid aproveitou o Natal para se disseminar, mas vai poupar o Dia das Mães?, FSP

 Tome cuidado com o almoço do Dia das Mães. Com as taxas atuais de transmissão do coronavírus, as consequências de uma reunião familiar descuidada podem ser dramáticas.

Você, leitora, dirá que só virão seus filhos com as esposas e os netos. Insistirá que são ajuizados, não frequentam festas clandestinas nem se aglomeram nos bares.

Numa pandemia, não é sensato assumir a quarentena dos outros como se fosse a sua; sejam parentes ou estranhos.

Hoje, a maior parte das infecções acontece com gente que não vai a baladas e nunca chegou perto de um pancadão, mas nos encontros com duas ou três pessoas em ambientes fechados, muitos deles na intimidade do lar.

Seus filhos, noras e netos chegarão para o almoço com máscara. Servido o primeiro salgadinho, copo de cerveja ou caipirinha, no entanto, todos se livrarão delas; basta o primeiro tomar a iniciativa.

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Daí em diante vira bagunça. Não aconteceu assim no Natal? A consequência não foi uma explosão do número de casos? Se o vírus aproveitou o aniversário de Cristo para se disseminar, haverá de respeitar você e seu marido, pecadores como este que vos adverte?

No decorrer da pandemia, aprendemos que não precisamos jogar álcool em tudo o que entra em casa ou lavar frutas e verduras, com água e sabão.

Como explicamos na coluna anterior, a transmissão ao tocar nas superfícies é rara, importante é a que ocorre nos interiores mal ventilados.

Gastamos muita energia com medidas inúteis, quando deveríamos nos concentrar naquelas que oferecem risco.

Veja o caso do controle da temperatura na porta das lojas e dos supermercados.

Por que fazem a medição? É uma simpatia, como a do jogador que só adentra o gramado com o pé direito?

Por curiosidade, pergunte ao porteiro do shopping quantas vezes ele mandou alguém de volta por causa da febre. Quem está febril, com mal-estar, não sai para fazer compras ou toma um comprimido de dipirona para melhorar, antes de ir.

Por que insistem nessa rotina? Porque custa barato e traz sensação de segurança para os frequentadores.

As propagandas que exibem a fúria higienizadora das lojas são exemplos de desperdício de recursos.
Uma das redes de shoppings apregoa a realização de testes rigorosos para detectar a presença do vírus no chão e em todos os cantos imagináveis de suas dependências.

É claro que os lugares públicos devem estar limpos, mas se o problema é o vírus, o investimento deveria ser na ventilação dos espaços, esta sim medida que comprovadamente diminui a transmissão.

O problema é que custa mais caro do que o revólver de medir temperatura e a parafernália usada para a “desinfecção”.

Os estudos mostram que contrair o coronavírus ao ar livre ou em ambientes em que o ar é renovado permanentemente pela ventilação natural ou por meio de aparelhos é bem mais difícil. Manter o comércio, restaurantes e bares abertos enquanto praças e parques ficam fechados é um contrassenso.

A céu aberto, uma pessoa com máscara que mantenha distância de 1,5 a 2 metros das outras estará segura.

Com os conhecimentos adquiridos em mais de um ano de epidemia, está na hora de dizermos para as pessoas, que elas podem andar na rua, desde que o façam de máscara, obrigatoriamente, não abracem nem beijem ninguém, guardem distanciamento de cerca de dois metros e fujam dos irresponsáveis que andam com a boca e o nariz de fora.

A epidemia de Aids nos ensinou que as mensagens educativas devem ser claras e objetivas, para que todos entendam o que podem ou não fazer. É inútil propor regras que a maioria não seguirá. Na época, o papa recomendava: “Sexo só depois do casamento e nunca fora dele”. Seria a solução definitiva, se os seres humanos fossem obedientes.

Somente conseguimos avançar quando explicamos que a transmissão sexual do HIV ocorre apenas quando há penetração, sem o uso de preservativo. Na pandemia atual, o risco está nos ambientes mal ventilados e na exposição ao contato interpessoal sem o uso de máscaras.

Tudo leva a crer que nossa convivência com esse coronavírus será longa e sofrida.

Caminhamos a passos rápidos para as 500 mil mortes, marca trágica que possivelmente será atingida ainda no primeiro semestre.

Neste momento, sem vacinas suficientes, todo cuidado é pouco.

A máscara é um desconforto insignificante comparado ao sofrimento causado pela doença.