Fabiana Cambricoli, O Estado de S.Paulo
01 de março de 2021 | 21h36
Atualizado 01 de março de 2021 | 22h23
SÃO PAULO - Um novo estudo feito por pesquisadores brasileiros sugere que a variante P.1 do coronavírus, originada em Manaus, pode escapar dos anticorpos produzidos pela Coronavac, vacina da farmacêutica Sinovac fabricada pelo Instituto Butantan e principal imunizante usado na campanha de vacinação contra a covid-19 no País.
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Os dados ainda são preliminares pois foram obtidos com base em uma amostra pequena de voluntários (oito pessoas) e precisarão ser confirmados por pesquisas maiores, mas acendem um alerta sobre o impacto da nova linhagem na eficácia das vacinas. A cepa teve origem em dezembro no Amazonas e já está presente em ao menos 17 Estados brasileiros.
O estudo foi conduzido por cientistas de instituições como USP e Unicamp e publicado nesta segunda-feira, 1º, na página de pré-prints (artigos ainda não revisados por outros cientistas) da revista científica The Lancet.
Na pesquisa, os cientistas coletaram o plasma de oito participantes dos estudos clínicos da Coronavac que haviam recebido as duas doses do imunizante há cerca de cinco meses e testaram a atividade neutralizante dos anticorpos presentes no plasma contra a P.1 e contra uma variante da linhagem B (a mais comum no Brasil antes do surgimento da nova cepa).
No teste, os pesquisadores observaram que o nível de anticorpos capazes de deter o vírus foram mais baixos para a P.1 do que para a linhagem B, ficando abaixo do limite da detecção no exame.
Os cientistas ressaltam no artigo, no entanto, que essa diferença não pode ser considerada estatisticamente significativa porque a amostra de voluntários foi pequena e o nível de neutralização em ambos os casos era "bastante baixo".
Mesmo assim, destacam que “os resultados sugerem que a P.1 pode escapar de anticorpos neutralizantes induzidos por uma vacina de vírus inativado” contra o Sars-CoV-2 (caso da Coronavac).
Dizem ainda que, "inesperaradamente", o plasma dos vacinados tinha um nível baixo de anticorpos neutralizantes mesmo contra a cepa da linhagem B.
Por outro lado, afirmam que a proteção da Coronavac contra casos graves de covid-19 (observada nos estudos clínicos) indica que os anticorpos neutralizantes não são o único fator de proteção contra a doença e que as respostas de outras células do nosso sistema imunológico, como os linfócitos do tipo T ou B de memória, podem reduzir a severidade da doença mesmo se houver essa redução na atividade dos anticorpos.
Eles sugerem que, para impedir a transmissão da nova cepa, poderá ser necessária a aplicação de uma dose de reforço da vacina, atualizada para esta ou outras variantes que surgirem. Pedem ainda que seja feito o monitoramento da ação neutralizante dos anticorpos em pessoas vacinadas e defendem a realização de mais estudos que dêem respostas mais robustas sobre o impacto da nova linhagem.
Cepa reduz em seis vezes ação de anticorpos de infecção prévia
O estudo brasileiro traz ainda outro dado preocupante: os anticorpos formados por pessoas já contaminadas pelo coronavírus parecem não ser capazes de barrar a P.1. Os cientistas analisaram o plasma de 19 pessoas recuperadas de infecções ocorridas antes do surgimento da nova variante e verificaram uma diminuição de seis vezes na capacidade de neutralização dos anticorpos contra a P.1 em comparação com a variante da linhagem B.
“Esses dados sugerem que a linhagem P.1 é capaz de escapar das respostas de anticorpos neutralizantes gerados por infecção prévia por SARS-CoV-2 e, portanto, a reinfecção pode ser plausível com variantes com mutações na proteína spike”, destacam os pesquisadores no artigo, referindo-se à mutação que ocorre na proteína responsável por permitir a entrada do vírus na célula humana.
Outros dois estudos feitos por cientistas brasileiros e publicados na sexta-feira, 26, mostraram que a cepa P.1 tem uma probabilidade de 25% a 61% maior de escapar da imunidade desenvolvida a partir de uma contaminação prévia, é de 1,4 a 2,2 vezes mais transmissível do que as anteriores e aumenta em dez vezes a carga viral nas células do doente.
Butantan diz realizar estudos próprios e promete resultados para os próximos dias
Procurado para comentar o resultado do estudo, o Instituto Butantan afirmou que a Coronavac é produzida a partir do vírus inteiro inativado, diferentemente de outros imunizantes que usam como antígeno principal a proteína spike e ressaltou que imunizantes que utilizam a técnica do vírus inativado induzem "resposta imune ampla contra a doença".
O instituto destacou que "realiza estudos próprios em relação à variante identificada no Amazonas" e que os resultados devem ser conhecidos nos próximos dias.
Por fim, o Butanta ressaltou que "o importante, neste momento, é que a população siga se vacinando, conforme a disponibilidade do imunizante na rede pública e os esquemas vacinais adotados pelos gestores".