terça-feira, 2 de março de 2021

Variante de Manaus pode escapar dos anticorpos produzidos pela Coronavac, sugere estudo, OESP

 Fabiana Cambricoli, O Estado de S.Paulo

01 de março de 2021 | 21h36
Atualizado 01 de março de 2021 | 22h23

SÃO PAULO - Um novo estudo feito por pesquisadores brasileiros sugere que a variante P.1 do coronavírus, originada em Manaus, pode escapar dos anticorpos produzidos pela Coronavac, vacina da farmacêutica Sinovac fabricada pelo Instituto Butantan e principal imunizante usado na campanha de vacinação contra a covid-19 no País.

Os dados ainda são preliminares pois foram obtidos com base em uma amostra pequena de voluntários (oito pessoas) e precisarão ser confirmados por pesquisas maiores, mas acendem um alerta sobre o impacto da nova linhagem na eficácia das vacinas. A cepa teve origem em dezembro no Amazonas e já está presente em ao menos 17 Estados brasileiros.

O estudo foi conduzido por cientistas de instituições como USP e Unicamp e publicado nesta segunda-feira1º, na página de pré-prints (artigos ainda não revisados por outros cientistas) da revista científica The Lancet.

Em dois dias, Prefeitura de SP vacina mais da metade do grupo de idosos 90+
Campanha de vacinação contra a covid-19 Foto: Marcelo Chello/Estadão

Na pesquisa, os cientistas coletaram o plasma de oito participantes dos estudos clínicos da Coronavac que haviam recebido as duas doses do imunizante há cerca de cinco meses e testaram a atividade neutralizante dos anticorpos presentes no plasma contra a P.1 e contra uma variante da linhagem B (a mais comum no Brasil antes do surgimento da nova cepa).

No teste, os pesquisadores observaram que o nível de anticorpos capazes de deter o vírus foram mais baixos para a P.1 do que para a linhagem B, ficando abaixo do limite da detecção no exame.

Os cientistas ressaltam no artigo, no entanto, que essa diferença não pode ser considerada estatisticamente significativa porque a amostra de voluntários foi pequena e o nível de neutralização em ambos os casos era "bastante baixo".

Mesmo assim, destacam que “os resultados sugerem que a P.1 pode escapar de anticorpos neutralizantes induzidos por uma vacina de vírus inativado” contra o Sars-CoV-2 (caso da Coronavac).

Dizem ainda que, "inesperaradamente", o plasma dos vacinados tinha um nível baixo de anticorpos neutralizantes mesmo contra a cepa da linhagem B.

Por outro lado, afirmam que a proteção da Coronavac contra casos graves de covid-19 (observada nos estudos clínicos) indica que os anticorpos neutralizantes não são o único fator de proteção contra a doença e que as respostas de outras células do nosso sistema imunológico, como os linfócitos do tipo T ou B de memória, podem reduzir a severidade da doença mesmo se houver essa redução na atividade dos anticorpos.

Eles sugerem que, para impedir a transmissão da nova cepa, poderá ser necessária a aplicação de uma dose de reforço da vacina, atualizada para esta ou outras variantes que surgirem. Pedem ainda que seja feito o monitoramento da ação neutralizante dos anticorpos em pessoas vacinadas e defendem a realização de mais estudos que dêem respostas mais robustas sobre o impacto da nova linhagem.

Cepa reduz em seis vezes ação de anticorpos de infecção prévia

O estudo brasileiro traz ainda outro dado preocupante: os anticorpos formados por pessoas já contaminadas pelo coronavírus parecem não ser capazes de barrar a P.1. Os cientistas analisaram o plasma de 19 pessoas recuperadas de infecções ocorridas antes do surgimento da nova variante e verificaram uma diminuição de seis vezes na capacidade de neutralização dos anticorpos contra a P.1 em comparação com a variante da linhagem B.

“Esses dados sugerem que a linhagem P.1 é capaz de escapar das respostas de anticorpos neutralizantes gerados por infecção prévia por SARS-CoV-2 e, portanto, a reinfecção pode ser plausível com variantes com mutações na proteína spike”, destacam os pesquisadores no artigo, referindo-se à mutação que ocorre na proteína responsável por permitir a entrada do vírus na célula humana.

Outros dois estudos feitos por cientistas brasileiros e publicados na sexta-feira, 26, mostraram que a cepa P.1 tem uma probabilidade de 25% a 61% maior de escapar da imunidade desenvolvida a partir de uma contaminação prévia, é de 1,4 a 2,2 vezes mais transmissível do que as anteriores e aumenta em dez vezes a carga viral nas células do doente.

Butantan diz realizar estudos próprios e promete resultados para os próximos dias

Procurado para comentar o resultado do estudo, o Instituto Butantan afirmou que a Coronavac é produzida a partir do vírus inteiro inativado, diferentemente de outros imunizantes que usam como antígeno principal a proteína spike e ressaltou que imunizantes que utilizam a técnica do vírus inativado induzem "resposta imune ampla contra a doença".

O instituto destacou que "realiza estudos próprios em relação à variante identificada no Amazonas" e que os resultados devem ser conhecidos nos próximos dias.

Por fim, o Butanta ressaltou que "o importante, neste momento, é que a população siga se vacinando, conforme a disponibilidade do imunizante na rede pública e os esquemas vacinais adotados pelos gestores".


segunda-feira, 1 de março de 2021

Colapso das UTIs pelo Brasil mostra que o tsunami da covid-19 já chegou, Fernando Reinach, OESP

 Fernando Reinach*, O Estado de S.Paulo

27 de fevereiro de 2021 | 05h00

O colapso das UTIs que se espalha pelo Brasil era previsível. Um mês atrás foi descoberto que o desastre em Manaus estava associado a uma nova variante brasileira do Sars-CoV-2. Na mesma semana foi demonstrado que as novas variantes se espalham rapidamente e prejudicam a eficácia de algumas vacinas. Não foi difícil concluir que um tsunami de internações e mortes se aproximava (O Tsunami se Aproxima, Estadão / 30 de janeiro de 2021). Como sempre, nada foi feito, e o tsunami chegou. 

Quando as novas variantes chegam a uma cidade, casos e internações sobem rapidamente e levam ao colapso do sistema de saúde. Araraquara é um bom exemplo. Se isso ocorrer simultaneamente em muitas cidades, o número de mortes por dia no País pode subir rapidamente para 3 mil ou 4 mil. Mas o mais provável é que essa onda de contaminação se espalhe gradativamente, com cidades ainda livres das variantes, outras no pico, outras com ele já superado. 

manaus
Cemitério em Manaus. Cidade enfrentou uma nova crise no início deste ano, com colapso do sistema de saúde e falta de fornecimento de oxigênio Foto: Bruno Kelly/ Reuters

Pelos próximos meses não podemos contar com os efeitos da vacinação, ainda lenta. E pior, não sabemos como a principal vacina que estamos utilizando, a Coronavac, se comporta frente às novas variantes do Sars-CoV-2 (nem o estudo de fase 3 dessa vacina foi publicado). Corremos o risco de a Coronavac ter sua eficácia diminuída perante as novas variantes, como se constatou para nossa segunda arma, a vacina da Oxford/AstraZeneca. O que sabemos é que mesmo vacinas de alta eficácia como as da Pfizer e Moderna perdem eficácia perante as novas variantes. Sobram a prevenção e, no limite, o lockdown.

O mundo já percebeu que só terão sucesso os países que vacinarem rápido a população, com vacinas de alta eficácia. Além disso precisam desenvolver e produzir rapidamente novas versões das vacinas. Pfizer e Moderna determinaram a eficácia das suas contra as variantes de Sars-CoV-2 e já estão testando novas versões. É pouco provável que Fiocruz e Butantan estejam à altura desse desafio. Sem dúvida este é o momento de diversificar o suprimento de vacinas e começar a elaborar um plano B com vacinas mais eficazes. 

Enquanto a situação é de desespero no Brasil, um grupo de cientistas de EUA e Israel publicou o primeiro estudo sobre o efeito da vacinação em massa. Os resultados não podiam ser melhores. Israel já aplicou 90 doses de vacina da Pfizer para cada 100 habitantes - 53% da população já recebeu pelo menos uma dose e 37% já recebeu as duas. No início da vacinação os cientistas selecionaram 596.618 pessoas já vacinadas e compararam o aparecimento da doença nesse grupo com o aparecimento em outro grupo, também de 596.618 pessoas, ainda não vacinado. As pessoas foram escolhidas de modo que cada pessoa do grupo vacinado tivesse correspondente no grupo não vacinado. Assim se um homem de 56 anos, obeso e fumante era incluído no de vacinados, outro homem de 56 anos, obeso e fumante, era incluído no grupo controle. 

Como a amostra é enorme, quase 1,2 milhão de pessoas, mais informações podem ser obtidas do que num estudo de fase 3. Entre os muitos resultados, o que me parece mais importante é o seguinte: a vacina reduziu o risco de infecção pelo coronavírus em 92%, reduziu o risco de casos com sintomas em 94%, reduziu o risco de hospitalização em 87%, o de casos graves em 92% e o de morte em 84%. Ou seja, a vacina vai fazer a doença desaparecer de Israel em poucos meses. E o mais importante: a Pfizer já deve ter pronto um reforço (uma terceira dose) capaz de proteger contra novas variantes. Israel não é o Brasil, mas enquanto muitos países caminham para solucionar o problema, nossos governantes parecem nos levar no caminho inverso.

*BIÓLOGO, PHD EM BIOLOGIA CELULAR E MOLECULAR PELA CORNELL UNIVERSITY E AUTOR DE A CHEGADA DO NOVO CORONAVÍRUS NO BRASIL; FOLHA DE LÓTUS, ESCORREGADOR DE MOSQUITO; E A LONGA MARCHA DOS GRILOS CANIBAIS

A obrigação de integrar o Mato Grosso ao mundo, por Marcos Jank, Abifer News

 Olacyr Francisco de Moraes foi um dos grandes visionários brasileiros e, como tantos outros homens à frente do seu tempo, acabou sendo pouco conhecido e reconhecido.

No começo dos anos 1970 ele se tornou o maior produtor individual de soja do mundo ao formar duas fazendas com mais de 150 mil hectares no então estado único do Mato Grosso, hoje MT e MS –denominadas Itamaraty Norte e Sul, nome do seu Banco.

Foi, sem dúvida, um dos precursores do modelo produtivo de alta escala que permitiu a consolidação da competitividade do Brasil no agronegócio mundial. Naquela época, não havia tecnologia para lidar com as dificuldades da produção agropecuária em condições tropicais: solos pobres e ácidos, presença de pragas e doenças desconhecidas, falta de variedades adaptadas e infraestrutura logística.

Olacyr abriu suas fazendas para a experimentação em massa de novas variedades de grãos adaptadas ao cerrado brasileiro, tendo sido também o criador da primeira variedade de algodão do centro-oeste, a ITA-90, responsável por fazer o Brasil passar de importador a exportador da commodity.

Nos anos 1980, o então “Rei da Soja” abraçou um projeto ainda mais arrojado e visionário, a Ferronorte, uma gigantesca ferrovia inicialmente planejada para ter 5.200 quilômetros integrando o Porto Velho (RO), Santarém (PA) e o Mato Grosso ao Porto de Santos.

Desde o Barão de Mauá em 1854, a rede ferroviária brasileira sempre esteve próxima à faixa litorânea. Mas nos anos 1970 ficou claro que o Brasil agrícola cresceria em direção aos cerrados do Centro-Oeste, onde, ao contrário de todos os grandes países continentais do planeta, não havia nenhuma ferrovia.

Essa foi a maior visão desse desbravador à frente do seu tempo. E foi exatamente esse sonho que o levou à falência, pois ele fez a sua parte, mas os seus trens ficaram 7 anos esperando uma ponte de 3.700 metros que o Governo de São Paulo atrasou para erguer sobre o Rio Paraná. Olacyr, que foi dono de um dos 5 maiores grupos empresariais do país, morreu em 2015 abatido, cheio de desgostos e dívidas.

 Cercada de problemas regulatórios e de gestão, a Ferronorte virou Ferropasa, depois Ferroban, Brasil Ferrovias e América Latina Logística (ALL). Mas, em 2015, a Rumo Logística assumiu o projeto com recursos captados no mercado e gestão afiada. Hoje a Ferronorte carrega em seus trens o volume de quase 2.000 caminhões por dia de soja (grãos e farelo) e milho em Rondonópolis –no total, 23 milhões de toneladas de cargas agrícolas por ano– que chegam a Santos em menos de 85 horas de viagem. Neste momento, a empresa já está operando trens de 120 vagões, sendo que cada um desses comboios retira 240 caminhões bitrem das estradas.

Infelizmente, porém, decorridos mais de 30 anos do sonho de Olacyr, a Ferronorte ainda não conseguiu chegar ao coração da produção de grãos e algodão do Mato Grosso. O projeto de 682 quilômetros de ligação entre Rondonópolis –município no Sul do Mato Grosso, onde a Ferrovia ainda se encontra desde os tempos do Olacyr– e Lucas do Rio Verde (MT) já foi apresentado ao Ministério de Infraestrutura.

Trata-se de um projeto de baixa complexidade de implantação, construção rápida (aproximadamente 5 anos) e alto potencial de captura de carga no caminho, pois cruza grandes áreas produtoras de grãos. Vale notar ainda que, diferentemente das outras opções, a Ferronorte é uma ferrovia multiproduto com grande integração intermodal, que abre dezenas de outras opções além do transporte de grãos. Ao ligar Cuiabá e o coração das zonas produtivas do Mato Grosso a São Paulo, a ferrovia pode descer com altos volumes de algodão, açúcar, celulose e carnes, além de viabilizar o acesso da crescente produção de etanol de milho do MT à refinaria de Paulínia. No sentido inverso, a ferrovia permite a subida de fertilizantes, combustíveis e centenas de bens industriais e de consumo doméstico, por contêiner.

Mas o importante mesmo é que o projeto de extensão da Ferronorte até o centro do Estado de Mato Grosso é um investimento que tem 100% de recursos privados. Portanto, a custo zero para o governo federal e o Estado de Mato Grosso, dependendo apenas de uma simples autorização do regulador.

Vale lembrar que a Ferronorte não é a única solução intermodal para reduzir o custo logístico dos mais de 2.000 quilômetros que separam o Mato Grosso –principal Estado agrícola do país– dos portos do Atlântico. Na direção norte, a Rodovia BR-163, agora asfaltada, liga com eficiência as regiões de grãos do MT ao porto fluvial de Miritituba no Pará, com o posterior transbordo da carga em barcaças que navegam pelos rios Tapajós e Amazonas até os portos próximos a Belém.

Outros projetos também estão em fase de concessão. O primeiro é a Ferrogrão, uma ferrovia que pretende cobrir quase 1.000 quilômetros entre Sinop (MT) e Miritituba, em trajeto paralelo à BR-163. Trata-se de um projeto de altíssima complexidade, pois cruza o Parque Nacional da Jamanxim e comunidades tradicionais do bioma Amazônico, além de representar um custo que pode ultrapassar R$ 20 bilhões, a ser arcado em parte pelo governo. O outro projeto em pauta, igualmente complexo, é a construção de duas ferrovias no sentido Oeste-Leste (FICO e FIOL), que ligariam Lucas do Rio Verde ao porto de Ilhéus. Mas esse trajeto ainda está longe de ser viabilizado.

Dispomos, portanto, de 3 possibilidades de integração intermodal do Mato Grosso ao Oceano Atlântico, nas direções Norte, Leste e Sudeste. Cabe ao governo federal permitir que esses projetos ocorram e concorram entre si, trazendo a redução de custos que os produtores rurais do Centro-Oeste esperam há mais de 4 décadas. O custo de transporte de grãos do Mato Grosso representa de 15% a 50% do preço do produto, o que é simplesmente inaceitável!

O que não pode acontecer é o governo optar por qualquer um dos projetos em detrimento de outro, ainda mais se isso redundar em uma escolha de maior custo econômico, ambiental e social para usuários, contribuintes e o ecossistema. O Mato Grosso já pagou caro demais e não pode esperar.

Marcos Jank é professor sênior de agronegócio no Insper e coordenador do centro Insper Agro Global . Entre 2015 e 2019 foi presidente da Aliança Agro Ásia-Brasil (Asia-Brazil Agro Alliance – ABAA), iniciativa que reuniu três entidades exportadoras do agronegócio brasileiro.